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DELIMITAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

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CAPÍTULO II – TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS

2.1 DELIMITAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

Na visão tradicional do direito processual civil, há uma inter-relação entre o exercício de um direito ou interesse pelo seu respectivo titular. Kazuo Watanabe destaca que, nessa concepção, as relações podem ser interindividuais (entre indivíduo e indivíduo) ou plurissubjetivas (entre mais de um titular, no polo passivo, ativo ou em ambos), as quais não deixam de seguir a estrutura clássica (WATANABE, 2014, p. 62).

Por outro lado, há diferentes tipos de interesses que são comuns a uma coletividade de pessoas, sendo que essa coletividade muitas vezes não está ligada por um vínculo jurídico claro e definido (embora isso também possa ocorrer). José Carlos Barbosa Moreira (2014, p. 72) explica que esses interesses podem existir para todos os habitantes de certa localidade, para todos os consumidores de determinado produto, para todos os que vivem sob as mesmas condições socioeconômicas, para todos os que sofrem os efeitos de um empreendimento público ou privado, entre várias situações diversas.

É por isso que esse vínculo, o qual pode nem mesmo existir ou ser bastante genérico, reduz-se:

(...) eventualmente à pura e simples pertinência à mesma comunidade política; e os interesses de cuja proteção se cogita não surgem em função dele, mas antes se prendem a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutáveis (...). Por outro lado, o conjunto dos interessados apresenta contornos fluidos, móveis, esbatidos, a tornar impossível, ou quando menos sumamente difícil, a individualização exata de todos os componentes. (MOREIRA, 2014, p. 72).

Na mesma linha de entendimento, Kazuo Watanabe explica que nas situações destacadas acima, a relação entre as pessoas se verifica pela ocorrência de fatos. Por isso mesmo, o número de sujeitos é indefinido e não se percebe uma relação-base que os una, ou seja, a princípio, não existe qualquer relação entre aqueles afetados pelos acontecimentos que englobam vários deles. Eventualmente, pode haver uma relação base, mas que será genérica (WATANABE, 2014, p. 62).

Barbosa Moreira (2014, p. 73) identifica de forma detalhada alguns dos interesses pertencentes a uma coletividade de pessoas e encontra três grandes grupos: os relacionados com a proteção do meio ambiente (defesa da flora, da fauna, do equilíbrio ecológico, da paisagem,

combate à poluição e tutela da expansão urbanística), aqueles vinculados a valores culturais e espirituais (acesso à informação, dispersão de conhecimentos técnicos e científicos, livre exercício da religião e de concepções filosóficas, preservar os bens de valor histórico ou artístico) e os voltados para a proteção do consumidor (propaganda comercial fidedigna, proibição de alimentos e remédios nocivos à saúde, adoção de normas para produtos perigosos, eficiência no serviço público). Ressalte-se que esses são alguns dos vários exemplos que poderiam ser apresentados.

Barbosa Moreira (2014, p. 73) continua sua análise salientando um ponto de fundamental importância: mesmo que os interesses dessa pluralidade indeterminada (e “praticamente indeterminável”, como ele diz) de pessoas sejam análogos, não é possível fundir cada um deles e formar uma entidade única ou singular. Em outras palavras, embora o interesse seja inegavelmente de cada uma das pessoas atingidas, não é possível discernir onde começa e termina a parte do direito de um indivíduo e a de outro. À primeira vista, pode parecer difícil compreender, mas “(...) instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todos; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade.” (MOREIRA, 2014, p. 73).

O processualista conclui que, para os direitos aqui analisados, “(...) não se concebe que o resultado seja favorável a alguns e desfavorável a outros. Ou se preserva o bem, e todos os interessados são vitoriosos; ou não se preserva, e todos saem vencidos” (MOREIRA, 2014, p. 73). A partir dessa interpretação, designa essa categoria pela expressão “interesses essencialmente coletivos”.

Em outros casos, porém, verifica-se que os interesses de vários membros de uma coletividade podem ser atingidos, mas é possível tutelar uma parte deles ou somente um único interessado. Um eventual processo judicial poderia significar a vitória de alguns dos indivíduos e, ao mesmo tempo, a derrota de outros. Nessas hipóteses:

O fenômeno adquire, entretanto, dimensão social em razão do grande número de interessados e das graves repercussões na comunidade; numa palavra: do “impacto de massa”. Motivos de ordem prática, ademais, tornam inviável, inconveniente ou, quando menos, escassamente compensadora, pouco significativa nos resultados, a utilização em separado dos instrumentos comuns de proteção jurídica, no tocante a cada uma das “parcelas”, consideradas como tais. (MOREIRA, 2014, p. 74).

Barbosa Moreira exemplifica essa segunda categoria de direitos coletivos, a qual denomina de “interesses acidentalmente coletivos”, com uma possível fraude financeira que tenha prejudicado um grande número de pessoas. Talvez o dano a cada uma delas seja ínfimo,

mas considerado no conjunto ou totalidade, representa séria gravidade na dinâmica social (MOREIRA, 2014, p. 74).

Diante de tantas peculiaridades, é evidente que as regras do direito processual civil clássico, fundadas essencialmente no conflito entre indivíduos, não são adequadas e suficientes para a efetiva tutela dos direitos coletivos. Como a Constituição da República impõe que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito (artigo 5º, inciso XXXV), é necessário que sejam criados instrumentos apropriados para a proteção dos referidos direitos. Barbosa Moreira reconhece que:

(...) os esquemas tradicionais e os meios ordinariamente previstos para a solução de conflitos de interesses parecem aí, com frequência, inadequados ou insuficientes. Não são poucas as questões que, postas em relação a tais temas, passam a revestir feição peculiar, e por isso mesmo a exigir tratamento específico, diverso daquele a cujo emprego se acostumaram os juristas, no campo do processo e alhures. Semelhantes peculiaridades precisam ser identificadas e esclarecidas, como condição indispensável ao correto equacionamento dos problemas em foco. (MOREIRA, 2014, p. 73).

Diante da observação feita pelo processualista, tem-se que o ordenamento jurídico brasileiro busca proteger os direitos coletivos a partir de duas frentes diversas, as quais serão detalhadas no tópico seguinte.

Note-se que a divisão dos direitos em “essencialmente coletivos” e “acidentalmente coletivos” foi feita por Barbosa Moreira na década de 1970, diante das próprias características de cada categoria. Essa classificação é importante para compreender a posterior divisão dos direitos coletivos em três categorias.

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