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Direitos Individuais Homogêneos

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CAPÍTULO II – TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS

2.3 ESPÉCIES DE DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

2.3.3 Direitos Individuais Homogêneos

Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são aqueles decorrentes de origem comum. Estão previstos no artigo 81, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. Ao contrário dos direitos difusos e coletivos stricto sensu, não possuem a qualidade de serem metaindividuais. Isso ocorre porque essa categoria de direitos não ultrapassa os interesses de uma pessoa para atingir uma coletividade vinculada por circunstâncias jurídicas ou de fato.

Na verdade, os direitos individuais homogêneos tratam-se:

(...) de uma pluralidade de direitos autônomos de conteúdo perfeitamente divisível, de que são titulares, individualmente, diversas pessoas determinadas. Ademais, são direitos que têm como origem uma mesma situação fática, a significar que têm um mesmo fato gerador, e/ou que se amparam numa mesma norma jurídica protetiva. (MARTINS, 2014, p. 1211).

Anote-se que, antes mesmo da conceituação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, os direitos individuais homogêneos já estavam delineados no artigo 46, do Código de Processo Civil de 1973, que dispõe sobre as regras do litisconsórcio facultativo.24 Martins

assinala que os litisconsortes facultativos defendem direitos individuais homogêneos em um processo, nos casos especificados pelos incisos II e IV, do mencionado artigo. Desse modo, os titulares de direitos individuais homogêneos são autorizados a demandar em conjunto por uma

24 O artigo 46, do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869/1973) corresponde ao artigo 113, do Novo

Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), que entrará em vigor no dia 17/06/2016. Cássio Scarpinella Bueno afirma que “(...) o art. 113 desempenha idêntico papel que o art. 46 do CPC atual, isto é, indica os casos em que pode haver litisconsórcio. Neles estão indicados, portanto, os casos de litisconsórcio facultativo, sem nenhuma novidade em relação ao CPC atual (...).” (BUENO, 2015, p. 120-121).

medida de economia processual, uma vez que as provas dos fatos e os fundamentos jurídicos do pedido são os mesmos para todos os litisconsortes (MARTINS, 2014, p. 1212).

Ao contrário das duas primeiras espécies de direitos coletivos lato sensu, os direitos individuais homogêneos possuem titulares certos e são divisíveis. Mesmo assim:

(...) a lei admite a tutela coletiva, na presunção de que ela seja mais conveniente ou adequada. Se a presunção não se confirmar, a ação coletiva não deverá ser admitida. A proteção coletiva desses direitos corresponde à class action for damages do direito norte-americano (...). No direito brasileiro, dois são os requisitos para a proteção desses direitos: a origem comum e a homogeneidade. (BARROSO, 2014, p. 213).

Perceba-se que, em relação aos direitos individuais homogêneos, há uma tutela coletiva de direitos individuais, mas que possuem uma dimensão coletiva diante da presença de dois requisitos, como bem salienta Barroso: a origem comum e a homogeneidade. Para Ada Pellegrini Grinover, estes são os requisitos “(...) para o tratamento coletivo dos direitos individuais.” (GRINOVER, 2014b, p. 180).

De acordo com Barroso, “a expressão origem comum refere-se à causa que serve de fundamento para a pretensão veiculada (...).” (BARROSO, 2014, p. 213), enquanto que “a homogeneidade se refere à identidade ou proximidade de situações entre as pessoas integrantes da classe, de modo a justificar sua reunião no pólo ativo de uma única ação.” (BARROSO, 2014, p. 213).

Ada Pellegrini Grinover (2014b, p. 180) faz observações mais detalhistas a respeito dos dois requisitos que caracterizam os direitos individuais homogêneos. Segundo a processualista, a origem comum desses direitos (ou seja, a sua causa) pode ser próxima ou remota. A origem comum próxima ou imediata ocorreria, por exemplo, com a queda de um avião, fazendo várias vítimas. A origem comum remota ou mediata seria verificada por um produto nocivo que causou danos à saúde de algumas pessoas, mas cujas causas próximas podem ter acontecido pelas condições pessoais de saúde dos lesados ou pela utilização inadequada desse produto. Por essas razões, a autora afirma que “quanto mais remota for a causa, menos homogêneos serão os direitos.” (GRINOVER, 2014b, p. 180).

É notável como o critério da prevalência da dimensão coletiva sobre a individual, originário da Regra 23, das Federal Rules norte-americanas, é também aplicável aos direitos individuais homogêneos previstos na legislação brasileira. Esse raciocínio permite verificar, no caso concreto, se os direitos individuais são homogêneos por sua origem comum ou se não são. Quando os aspectos coletivos prevalecem sobre os individuais, os direitos são realmente homogêneos. No entanto, se os aspectos coletivos não prevalecem, os direitos serão

heterogêneos, mesmo que tenham uma origem comum. Na última hipótese, “(...) não se tratando de direitos homogêneos, a tutela coletiva não deverá ser admitida, por falta de possibilidade jurídica do pedido.” (GRINOVER, 2014b, p. 180).

Portanto, Ada Pellegrini Grinover defende a ideia de que a prevalência das questões comuns sobre as individuais é condição de admissibilidade tanto no sistema das class actions for damages norte-americanas como também na legislação brasileira, o qual:

(...) só possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos. Prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos individuais serão heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornará juridicamente impossível. (GRINOVER, 2014b, p. 181).

Aliás, outra influência das class actions norte-americanas é a ação disciplinada pelos artigos 91 a 100, do Código de Defesa do Consumidor, denominada “ação de classe brasileira”, uma espécie de ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos (GRINOVER, 2014b, p. 171).

Em suma, todas essas especificidades permitem conceituar os direitos individuais homogêneos como “(...) direitos subjetivos tradicionais, passíveis, ainda hoje, de tratamento processual individual, mas também, agora, de tratamento coletivo, em razão de sua homogeneidade e de sua origem comum.” (GRINOVER, 2014b, p. 171).

Há outros aspectos que devem ser levados em conta na análise de pretensões ligadas a direitos individuais homogêneos. O sistema de civil law (ao qual pertence o ordenamento brasileiro) costuma avaliar a utilidade e a adequação da ação de classe em relação a outras formas de solução de conflitos. No sistema de common law, estabelece-se a chamada “superioridade da ação de classe” sobre outros meios de resolver litígios. Essa “superioridade” não quer dizer preeminência no sentido técnico, mas sim que a ação de classe é mais útil e eficaz para tutelar os direitos individuais homogêneos.

Nesse sentido, observa-se que mais uma característica das ações de classe dos Estados Unidos pode ser aplicada ao processo coletivo brasileiro, considerando que a ação coletiva não será útil para defender os interesses individuais homogêneos se houver uma ação individual cujo provimento final for mais eficaz. Portanto, a ação coletiva não seria realmente adequada para a sua proteção (GRINOVER, 2014b, p. 182). Isso porque:

(...) a ação civil pública de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, como é notório, conduz a uma sentença condenatória, genérica, que reconhece a responsabilidade do réu pelos danos causados e o condena a repará-los às vítimas ou a seus sucessores, ainda não identificados (art. 95 do CDC). Segue-se uma liquidação da sentença, a título individual, em que caberá provar, aos que se habilitarem, o dano

pessoal e o nexo de causalidade entre este e o dano geral reconhecido pela sentença, além de quantificar os prejuízos. (GRINOVER, 2014b, p. 182).

Para a melhor compreensão da “superioridade da ação de classe”, Ada Pellegrini Grinover (2014b, p. 183) cita o exemplo de uma ação de classe cujo pedido seja indenização pelos danos provocados pelo tabaco aos fumantes. Mesmo se uma sentença coletiva declarasse que o fumo é prejudicial à saúde e condenasse ao pagamento de indenização para quem realmente sofreu enfermidades, deveria fazê-lo com a ressalva da efetiva comprovação do nexo causal entre o uso do tabaco e os problemas de saúde.

A prova deveria ser produzida em processo de liquidação da sentença proferida nessa ação de classe, como se fosse a instrução de uma ação individual de um fumante contra a indústria de tabaco. Note-se, portanto, que a sentença coletiva não teria qualquer utilidade prática, uma vez que será necessário comprovar que a saúde foi prejudicada pelo uso do tabaco, além de garantir o direito de defesa ao réu e o exercício do contraditório. Nas palavras da autora:

E ainda que se admita que a sentença coletiva afirme que, por haver uma relação estatística incontestável entre o fato de fumar e a incidência de várias enfermidades, o tabaco ocasiona danos à saúde, mesmo assim o réu terá direito, em cada caso concreto de liquidação, ao contraditório sobre as condições pessoais de quem se habilita à indenização, alegando e provando o conhecimento pessoal do risco do produto, a preexistência de doenças, o curso que a enfermidade teria tido mesmo sem o uso do tabaco, as causas do possível evento morte etc. Toda a defesa do réu, enfim, concentra-se nas situações individuais. E assim, a necessidade de prova do nexo causal, extremamente complexa e diversa para cada indivíduo, despirá de eficácia a sentença genérica acaso proferida. (GRINOVER, 2014b, p. 183).

O exame desses fatores permite, então, relacionar a prevalência dos aspectos comuns nos direitos individuais homogêneos com a superioridade das ações de classe (ou eficácia, como prefere Ada Pellegrini Grinover). Assim:

Quanto mais os aspectos individuais prevalecerem sobre os comuns, tanto mais a tutela coletiva será inferior à individual, em termos de eficácia da decisão. Na linguagem do Código de Defesa do Consumidor, quanto mais heterogêneos os direitos individuais, tanto menos útil a sentença genérica do art. 95 e inadequada a via da ação civil pública reparatória de danos individuais. (GRINOVER, 2014b, p. 183).

Portanto, a possibilidade de reunião de várias demandas individuais em um único processo terá resultados mais eficazes quando os direitos individuais forem homogêneos e tiverem origem comum.

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