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INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETIVIVAS NO NOVO CÓDIGO

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CAPÍTULO II – TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS

2.9 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETIVIVAS NO NOVO CÓDIGO

Embora ainda não esteja em vigor, é interessante tecer algumas observações sobre o denominado incidente de resolução de demandas repetitivas previsto na Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, o Novo Código de Processo Civil, sem correspondência no Código de 1973. É fato que muitos doutrinadores já se mobilizaram para construir textos de códigos de processo civil coletivos, feitos a partir dos princípios da tutela coletiva e dos problemas encontrados quando se aplica as disposições do processo civil tradicional ao coletivo. Nesse sentido, podem-se citar o Código de Processo Civil Coletivo elaborado por Antonio Gidi (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, p. 463-475), o anteprojeto de Código Modelo de

Processos Coletivos para Ibero-América, elaborado por uma comissão de processualistas (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, p. 477-484), o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, feito pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, p. 485-506), o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos escrito no âmbito dos programas de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Estácio de Sá (UNESA) (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, p. 507- 524) e o anteprojeto de lei do Novo Código de Defesa do Consumidor do Senado Federal (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, p. 525-532), entre outros.

A natural complexidade que envolve a elaboração de um Novo Código de Processo Civil sempre desperta a atenção da doutrina, que não se furta em comentar as possibilidades que podem surgir diante da aprovação de novos dispositivos. No caso da tutela coletiva, muito se questionou sobre a inserção de artigos de lei que tratassem especificamente do processo coletivo, já que as tentativas de aprovação de um Código de Processo Civil Coletivo não vingaram até o presente momento.

Ada Pellegrini Grinover (2014c, p. 1431-1436) elaborou um estudo específico sobre o projeto do Novo Código de Processo Civil e a sua influência no microssistema processual coletivo enquanto se votavam alguns destaques no projeto substitutivo da Câmara dos Deputados (e que seria posteriormente reencaminhado ao Senado, convertendo-se na aprovação da Lei n. 13.105/2015).

De acordo com a processualista:

A escolha política dos redatores e dos parlamentares que se ocuparam do anteprojeto e projetos do novo Código de Processo Civil foi no sentido deste restringir sua disciplina ao processo individual, deixando intacto o minissistema de processos coletivos, constituído principalmente pela Lei da Ação Civil Pública e pelas disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, dois artigos inseridos no Substitutivo da Câmara dos Deputados, já aprovado em Plenário, se mantidos pelo Senado, terão grande influência sobre as ações coletivas brasileiras. (GRINOVER, 2014c, p. 1431).

De fato, o incidente de demandas repetitivas foi aprovado, com algumas alterações, no texto final e faz parte do Novo Código de Processo Civil, sendo tratado nos artigos 976 a 987. Para Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 612), o incidente representa “(...) a mais profunda modificação sugerida desde o início dos trabalhos relativos ao novo CPC” e tem o objetivo de operar uma:

36 Comissão composta por Ada Pellegrini Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Anibal Quiroga León,

Antonio Gidi, Enrique M. Falcon, José Luiz Vázquez Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmán, Roberto Berizonce e Sergio Artavia (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2012, p. 477).

(...) verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do tribunal julgador. (BUENO, 2015, p. 612).

Apesar de sua intenção, Grinover (2014c, p. 1432) esclarece que o incidente previsto no Novo Código de Processo Civil é uma técnica conhecida no direito estrangeiro como “caso piloto” que, basicamente, agrupa processos e julga alguns deles por amostragem, enquanto os outros permanecem suspensos. O julgamento aplicará a mesma tese de direito para todas as ações, porém, estas “(...) ainda são individuais e as decisões, embora uniformes, só operam inter partes.” (GRINOVER, 2014c, p. 1432).

Em outras palavras, o incidente é “uma técnica que visa à celeridade e à uniformidade das decisões, mas ainda não se trata de verdadeira coletivização e nenhuma influência essa técnica exerce sobre o minissistema de processos coletivos.” (GRINOVER, 2014c, p. 1432).

Por outro lado, o texto do Novo Código de Processo Civil contém um artigo que coletiviza demandas. Trata-se do artigo 139, inciso X. Vale destacar que o projeto substitutivo da Câmara dos Deputados previa um capítulo IV, denominado “da conversão da ação individual em ação coletiva”, em que se disciplinava “(...) a coletivização de uma demanda individual com efeitos coletivos (...) ou de demanda pseudoindividual (...) e a ação coletiva tratará da defesa de direitos difusos ou coletivos (ss).” (GRINOVER, 2014c, p. 1436). Porém, na votação final, o artigo 333 foi vetado, impedindo a disciplina legal sobre o tema.

Para exata compreensão da matéria, é necessário abordar a lição de Grinover sobre ações individuais com efeitos coletivos e ações pseudoindividuais.

As ações individuais com efeitos coletivos são propostas por indivíduos, mas, “(...) em função do pedido, os efeitos da sentença acabam atingindo a coletividade.” (GRINOVER, 2014c, p. 1433). A autora exemplifica com uma demanda ajuizada por um indivíduo para o fechamento de uma casa noturna em razão do barulho excessivo. Embora proposta por uma pessoa, os efeitos da sentença acabam por atingir todos os vizinhos prejudicados pelo ruído. Assim, “de nada adianta afirmar que a coisa julgada atua inter partes, por se tratar de ação individual, porque (ainda que reflexamente) atingirá a todos.” (GRINOVER, 2014c, p. 1433).

Nas ações pseudoindividuais:

(...) o pedido, embora baseado num direito subjetivo, na verdade só pode ser formulado coletivamente, pois só pode afetar diretamente a todos. Trata-se de casos em que a relação de direito material, jurídica ou de fato, é unitária, e só pode ser resolvida de maneira igual para todos. (GRINOVER, 2014c, p. 1433).

A autora cita o exemplo do pedido de anulação de assembleia, o qual pode ser feito por qualquer acionista. Por ser uma relação de direito material unitária, a assembleia será válida para todos ou anulada para todos (GRINOVER, 2014c, p. 1433).

A partir dessa análise, a mesma doutrinadora conclui que só é possível coletivizar demandas puramente individuais se elas forem ações repetitivas. Essa coletivização deve ocorrer por meio de uma ação coletiva de direitos individuais homogêneos, que decidirá a questão litigiosa para todos os interessados. Estes, com a sentença coletiva proferida, podem passar diretamente para as fases de liquidação (se necessário for) e execução da sentença. Enquanto a ação coletiva não é julgada, as ações individuais existentes permanecem suspensas, a não ser nos casos urgentes. Portanto, nota-se que, em demandas puramente individuais, essa forma de coletivização é a única possível e depende da iniciativa dos legitimados ativos (GRINOVER, 2014c, p. 1434).

Entretanto, se a ação individual tiver efeitos coletivos ou for uma ação pseudoindividual, deverá ser convertida em ação coletiva de direitos difusos ou coletivos stricto sensu, pois essa é a sua verdadeira natureza. Afinal, não é possível tratar uma ação como individual se ela é, em sua essência, coletiva. Assim. “(...) a coletivização deve ser feita ope judicis. Claro que, nesses casos, o contraditório deverá ser preservado e deverá ser permitida a presença do autor original no pólo (sic) ativo.” (GRINOVER, 2014c, p. 1434).

Como o artigo 333 foi vetado, apenas a primeira técnica foi incluída no texto do Novo Código de Processo Civil, no já mencionado artigo 139, X. Grinover (2014c, p. 1435) salienta que essa ação só poderá ser proposta para a tutela de direitos individuais homogêneos, não sendo previsto de modo expresso se as ações individuais permanecem suspensas e se os autores individuais podem ingressar no processo coletivo como litisconsortes.

Percebe-se, desse modo, que o veto ao capítulo sobre a conversão da ação individual em ação coletiva não alterou o minissistema processual coletivo e que o novo incidente de demandas repetitivas é “(...) técnica destinada a obter decisões iguais para ‘casos iguais’ (...) papel próximo (e complementar) ao dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, II) e, mais amplamente, ao dos precedentes (v., em especial, art. 926).” (BUENO, 2015, p. 614).

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