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Apresentamos, nesta seção, um pouco do que as gramáticas trazem sobre o fenômeno em estudo (CV1PP) e alguns trabalhos que já foram feitos e que serviram de base para que levantássemos algumas hipóteses a respeito do nosso objeto. Em seguida, discorreremos sobre alguns trabalhos que tiveram como objeto de estudo a CV1PP e alguns que se voltaram à variação entre os pronomes nós e a gente, pois esses trabalhos tiveram como variável independente a CV ou a marca morfêmica do verbo que acompanha tais pronomes.

1.1.1 Concordância verbal de primeira pessoa do plural nas gramáticas

Categoricamente, as gramáticas analisadas neste trabalho5 apresentam, em seus quadros e explicações, a concordância do pronome

nós em P46 (nós + mos). Na maioria dos casos, as gramáticas não registram a existência do pronome a gente, consecutivamente não trazem também suas respectivas concordâncias. Como nosso estudo é especificamente sobre CV1PP, discorreremos sobre o uso de a gente (pois não se pode negar o seu uso tanto na fala quanto na escrita) e sobre a concordância verbal de primeira pessoa do plural com sujeitos expressos ou nulos em algumas gramáticas.

Observamos, porém, no caso da gramática Houaiss (AZEREDO, 2008), o cuidado do autor em deixar claro (na seção em que discorre

5 Analisamos aqui as gramáticas dos autores: Said Ali (1964), Nicola e Infante (1997); Cunha e

Cintra (2001; 2007); Cegalla (2008); Bechara (2010); Azeredo (2008); Neves (2000) e Castilho (2010).

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Em P4: (quarta pessoa) ou primeira pessoa do plural. Notação de Camara Jr (1970). Utilizaremos também a expressão -mos, -mo para distinguirmos quando a CV1PP for feita com a DNP (desinência número pessoal) completa e com redução (ausência do -s).

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sobre norma) que há outras formas em uso e que pertencem à língua como um todo, mas que não estão incluídas no modelo de uso (padrão). EmCastilho (2010) o a gente como primeira pessoa do singular e do plural, assim como as formas ei (ele), eis (eles), ocê, cê (você), ocês, cês (vocês) no quadro do PB informal mostra a realidade da nossa língua como heterogênea. Neves (2000), entretanto, não inclui o a gente no quadro de pronomes pessoais. A autora o considera como sintagma nominal que é empregado como um pronome pessoal na linguagem coloquial.

Percebemos que o que está exposto nas gramáticas analisadas por nós varia muito, desde considerar ou não o a gente como pronome pessoal até discorrer-se sobre as variadas normas de CV, de maneira que mesmo nas gramáticas escritas por linguistas podemos perceber certa rigidez quanto à aceitabilidade para as formas não-padrão. Embora tenhamos analisado gramáticas de diferentes autores, com conceitos de certa forma até contraditórios quanto a variação e "erro", nos limitamos a expor o que cada uma delas traz especificamente quanto ao nosso objeto. Destacamos, ao longo do texto, as ressalvas dos que fazem considerações sobre a heterogeneidade da língua, esclarecendo a não menor importância e valor das variantes sem prestígio social. A partir de agora traremos um pouco sobre cada gramática analisada por nós.

Conforme Said Ali (1964, p. 150), quando o sujeito for composto e “achando-se entre os sujeitos ligados pela conjunção e o pronome eu ou nós, o verbo se usa na 1ª pessoa do plural.” e quanto ao pronome a

gente não há menção, porém como substantivo lemos que a “palavra gente pede adjetivo e verbo no singular” (p. 155), com os seguintes

exemplos:

(1) Notou-se a presença de gente estranha. (2) Esperam que a guerreira gente saia (Camões). (3) Admira-se a gente do que vê.

Said Ali (1964, p. 155) ainda afirma que “nos Lusíadas e em

outras obras quinhentistas ocorrem, entretanto exemplos de

concordância no plural, quando, pela interposição de outros dizeres, o verbo ou o termo determinante vem afastado do vocábulo gente” e traz alguns exemplos:

(4) O grande estrondo a maura gente espanta, como se vissem hórrida batalha (Camões).

33 (5) Vendo os nossos como a gente destas terradas andavam nadando

por se acolher à terra (Barros).

(6) A gente da cidade aquele dia, uns por amigos, outros por parentes, outros por ver somente, concorria, saudosos na vista e descontentes (Camões).

Em Nicola e Infante (1997) não há menção ao pronome a gente e quanto à concordância lemos que se o sujeito é simples a concordância é direta, não apresentando maiores dificuldades e se o sujeito apresentar mais de um núcleo (sujeito composto), o verbo irá para o plural. Entre os exemplos está a sentença a seguir:

(7) Eu e ele dividimos o mesmo quarto. (p. 375) =nós

Em Cunha e Cintra (2001, p. 296), na seção de pronomes de tratamento em “Fórmulas de Representação da 1ª pessoa” lemos, “No colóquio normal, emprega-se a gente por nós e, também, por eu [...] o verbo deve ficar sempre na 3ª pessoa do singular”. (grifos nossos). Já na seção de concordância (que não discorre sobre a gente) lemos que com um só sujeito “O verbo concorda em número e pessoa com o seu sujeito, venha ele claro ou subentendido.” (p. 497) Essa seção traz, ainda, a regra para o verbo que tem mais de um sujeito (sujeito composto): “o verbo vai para a primeira pessoa do plural, se entre os sujeitos figurar um da 1ª pessoa” (p. 497).

Cunha e Cintra (2007, p. 310) afirmam que “No colóquio normal, emprega-se a gente por nós e, também, por eu”. Como na edição de 2001, lemos que “o verbo deve ficar sempre na 3ª pessoa do singular.” (p. 310 [grifos nossos]). Entre os exemplos lemos:

(8) Houve um momento entre nós

Em que a gente não falou. (F. Pessoa, QGP, n.º 270.) (p. 310 [grifo do autor]).

Cegalla (2008, p. 450) afirma que “O sujeito sendo simples, com ele concordará o verbo em número e pessoa.” Lemos ainda que, “Se o sujeito composto for de pessoas diversas, o verbo se flexiona no plural e na pessoa que tiver prevalência. [A 1ª pessoa prevalece sobre a 2ª e a 3ª, a 2ª prevalece sobre a 3ª]” (p. 451). Cegalla traz, entre os exemplos, um caso de sujeito posposto na primeira pessoa do plural:

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(9) “Foi o que fizemos Capitu e eu.” (Machado de Assis) [ela e eu = nós] (p. 451, [grifo do autor]).

Bechara (2010, p. 431) afirma que “Se o sujeito for simples e plural, o verbo irá para o plural” e “Se o sujeito for composto, o verbo irá, normalmente, para o plural, qualquer que seja a sua posição em relação ao verbo”. Nos casos em que o sujeito é constituído por pronomes pessoais “em que entra eu ou nós, o verbo irá para a 1ª pessoa do plural” (p. 432) e traz como exemplo “Vínhamos da missa ela, o pai e eu.” (p. 433).

A gramática Houaiss (AZEREDO, 2008) mostra-se bem mais flexível (ou até mesmo mais adequada do ponto de vista linguístico) do que todas as outras aqui analisadas. Na seção dos pronomes pessoais encontramos, considerados como pronomes pessoais, você e a gente e eles estão na mesma lista dos demais e não separadamente nas notas de rodapé, na seção das formas de tratamento (no caso de você), ou ainda com todo o cuidado de se separar a gente em uma observação para não cometer o “pecado” de aceitá-lo (ou incluí-lo) como um pronome pessoal. Transcrevemos a seguir o trecho que discorre sobre o assunto:

[...] a expressão ‘pronomes pessoais’ aplica-se apenas às formas com que se assinalam:

a) o indivíduo que fala – primeira pessoa do singular (eu),

b) o conjunto de indivíduos em que o eu se inclui – primeira pessoa do plural (nós / a gente), c) o indivíduo ou indivíduos a que o eu se dirige – segunda pessoa, do singular ou do plural (tu / vós, você / vocês), e

d) o indivíduo ou coisa a que o eu se refere – terceira pessoa do singular ou do plural (ele / eles). (AZEREDO, 2008, p. 175 [grifo nosso]).

Pensando no pronome a gente não abertamente declarado como pronome em algumas gramáticas, ou ainda nem citado por outras, nos leva a compreender, de certa forma, a insegurança dos professores ao lidar com o pronome a gente. Em resposta a questão de número seis do nosso questionário7 ao professor “Você trabalha o pronome a gente com seus alunos? Por quê?”. Obtivemos as seguintes respostas:

7 O questionário respondido pelos quatro professores da escola 1 e pelos dois professores da

35 Professor 1- Sim. Trabalho a diferença entre “a gente” e “nós” mas uso também com frequência.

Professor 2-Sim.

Professor 3- Não. Por desconhecer as regras a respeito.