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3. PERSPECTIVAS TEÓRICO METODOLÓGICAS

3.1 Delineamentos epistemológicos

Considero importante explicitar minha posição em relação à construção do conhecimento, que vai além de uma reflexão de filosofia da ciência, mas tem base na ideia de epistemologia. Apresento, então, algumas reflexões em relação à perspectiva da transmetodologia, a partir da articulação de algumas premissas propostas por Maldonado (2008, 2013) e outros autores com os quais dialoga (Bachelard, 1974; Mils, 1975). Esses apontamentos são traçados levando-se em conta os pontos que vão ao encontro dos aspectos trabalhados nesta pesquisa, principalmente no que diz respeito à metodologia, já que compartilho com a ideia da necessidade de trabalhar multimetodologias na pesquisa em comunicação.

A perspectiva transmetodológica na pesquisa em comunicação pressupõe a necessidade de articulação com outros campos científicos, em especial as ciências humanas. Após o avanço das tecnologias de comunicação e informação, a pesquisa em comunicação tem se tornado mais complexa e, por esse e outros aspectos, existe a emergência do uso de metodologias e teorias múltiplas (MALDONADO, 2008, 2013). No caso do nosso objeto, a produção de sentidos dos ICVPY a partir da PIVPY, precisamos desenvolver um diálogo criativo e investigativo com áreas que nos permitam entender particularidades, lógicas e características em termos de discurso –vídeo de humor, plataforma na internet, publicidade – até as formas de relacionamentos e socialização de conteúdos dos sujeitos que são inscritos no canal.

No entanto, defender a articulação entre os campos não significa que a perspectiva da transmetodologia não leve em conta a importância da divisão da ciência em disciplinas. Pelo contrário, esta perspectiva prevê que as fronteiras entre os campos sejam zonas de compartilhamento e não barreiras.

O desenho transmetodológico afirma, ainda, que a prática teórica é uma condição indispensável da pesquisa realmente científica. É preciso ter uma postura que leve em conta a pesquisa dos vários paradigmas, correntes, perspectivas e experiências de produção e sistematização teórica (MALDONADO, 2008). E isso não significa acabar com a divisão criada pelas disciplinas, e sim, dialogar com todas que forem necessárias para o maior entendimento da problemática comunicacional (WALLERSTEIN,1996). A pesquisa científica precisa desenvolver teorias, mas este acaba sendo um dos pontos de maior dificuldade entre a maioria dos pesquisadores, uma vez que, o entendimento de produção de teoria na maioria das vezes é confundido com cópia ou aplicação da teoria em suas pesquisas ao invés de um avanço teórico. Procuramos, então, avançar a reflexão em torno do sujeito comunicante (MALDONADO, 2017) para compreender as formas de desenvolvimentos comunicativos na sociedade midiatizada bem como da ciberpublicidade, da publicidade hibrida e publicização, que são perspectivas que se apresentam como possibilidades de entendimento para as lógicas presentes na PIVPY, mas que deixam espaço para questões e avanços na perspectiva da nossa pesquisa. A transmetodologia, por sua vez, impulsiona a criação teórica, já que propõe a construção do objeto de pesquisa, uma vez que compartilha com a premissa de que o objeto de pesquisa não está dado para ser analisado, ele precisa ser construído (BOURDIEU, 2003, BACHELARD, 1974). E esta construção se dá no embate enfrentado pelo pesquisador entre os âmbitos empírico, teórico e metodológico.

Os encontros e desencontros com diversas perspectivas teórico- metodológicas nos remete, à concepção do pesquisador artesão (Mills, 1975). Aos poucos, vamos dando forma ao nosso objeto, como na confecção de um vaso, onde se tem o barro, a água, a habilidade manual e os instrumentos necessários, mas a criação do vaso depende do fazer do artesão. Além disso, depois de pronto, mesmo que o barro utilizado em sua produção seja o mesmo

de outros vasos, todos serão diferentes em suas características principais e em suas particularidades. O artesão, por sua vez, se apropria de informações e processos já desenvolvidos para a confecção do seu artefato, mas com sua habilidade avança e inventa novos procedimentos que facilitam a aprimoram o seu fazer. Essa analogia que faço da confecção de um vaso vai ao encontro da noção do pesquisador como artesão, proposta por Mills (1975), em que o sujeito (artesão/pesquisador) tem domínio do processo e do produto do trabalho. O método, dessa forma, acaba sendo construído ao longo do processo pelo próprio artesão/pesquisador. Nosso objeto nos instiga a buscar novas formas de fazer e olhar para a pesquisa. Essa premissa vai ao encontro, também, do que é proposto por Maldonado (2002, p.3) que concebe o método como instância que,

[...]constrói caminhos, definindo planos, sistematizações, operacionalizações, testes, explorações, observações, experimentações, estratégias e táticas que, no caso da ciência, têm por objetivo produzir conhecimento sobre fenômenos e processos do cosmos”.

Ou seja, não existe um roteiro pronto a ser seguido na pesquisa em comunicação. O processo metodológico é dependente tanto do objeto, quanto do pesquisador.

Outra questão relevante na perspectiva transmetodológica é a de situar o ser humano como elemento central da pesquisa. Com isso “as ações estratégicas devem ser orientadas para o bem comum” (MALDONADO, 2006, p. 36). Nossas pesquisas devem buscar uma sociedade mais justa e igualitária, ou seja, devem favorecer a todos e não um pequeno grupo privilegiado. Na atualidade, muitas vezes o que se vê é uma supervalorização de pesquisas voltadas para o desenvolvimento tecnológico e de gestão de grupos hegemônicos e poucos recursos voltados para pesquisas que buscam compreender e desenvolver a sociedade como um todo e que, principalmente, vão de encontro aos interesses dos seres humanos de forma coletiva e inclusiva.

Embora nos dias de hoje as ciências sociais tenham conseguido um reconhecimento de sua importância para o entendimento de diversos âmbitos da sociedade (WALLERSTEIN,1996), a “superioridade” hierárquica e valorização das ciências ditas exatas ainda é uma realidade, mesmo após a formação e

reconhecimento das ciências humanas e sociais. Na história das ciências, é possível perceber que a matriz de criação das disciplinas, favorece esse entendimento por parte da sociedade em geral, até mesmo no interior das instituições acadêmicas.

No caso da nossa pesquisa, interessa-nos entender como os sujeitos inscritos são vinculados às lógicas da publicidade e do YouTube, indo além de uma reflexão técnica de construção desses discursos e linguagens, para, principalmente compreender como essas técnicas e lógicas envolvem o sujeito comunicante, em certa medida dando-lhe autonomia e espaço de produção cultural, mas em alguma medida, levando-o a repetir padrões dos grupos hegemônicos de controle midiático.

Outro fator presente na perspectiva transmetodológica, que se aproxima da perspectiva da nossa pesquisa, é a importância de vincular a epistemologia ao concreto, ao mundo da vida (NORRIS, 2006). É necessário respeitar as evidências encontradas na realidade, por mais que esses indícios alterem nossas hipóteses e verdades adotadas a priori. Além disso, precisamos descobrir além de indícios, diversos métodos e processos de observação do real. É imprescindível criar formas de observar nossos objetos que a cada dia tornam- se mais complexos. Esta complexidade dos objetos se intensifica na medida em que a sociedade se transforma de maneira acelerada a cada dia. Necessitamos levar em conta as identidades múltiplas e as mudanças nas paisagens culturais (MARTÍN-BARBERO, 2006). Além disso, lembrar que o verdadeiro processo de pesquisa transforma as pessoas, ou seja, transforma tanto o pesquisador, quanto o seu entorno.

É necessário adotar uma postura de pesquisadores que valoriza todos os tipos de conhecimento. Uma vez que, não é apenas o conhecimento científico e teórico que possui valor em uma pesquisa científica, é preciso reconhecer a importância e contribuição dos conhecimentos populares milenares para o avanço da ciência e da sociedade como um todo. “A comunicação e a cumplicidade epistemológica assenta na ideia de que não há só uma forma de conhecimento, mas várias” (SANTOS, 2006).

Na era da internet, onde adolescentes em seus quartos, com uma webcam e uma banda larga, produzem conteúdo e se tornam celebridades,

criam novas lógicas, não só produtivas como de mercado, precisamos nos debruçar e valorizar as diferentes formas de conhecimento se quisermos avançar em nossa pesquisa.

É a partir dessa perspectiva que buscamos construir nosso objeto de pesquisa, no embate entre o empírico e o teórico. Buscando avançar nos aspectos teóricos, mas também no fazer da ciência, da pesquisa e da construção do conhecimento. Buscamos as rupturas propostas por Bachelard (1981).

As novas configurações sociais e tecnológicas modificaram a forma de termos as marcas presentes no cotidiano, a publicidade continua se apresentando e consumimos essa produção cultural mercadológica, agora em instâncias antes não contempladas. Existe uma mudança da forma tradicional de fazer e consumir publicidade. As perspectivas teóricas até então formuladas já não dão conta de explicar a publicidade em suas reformulações, é necessário avançar. A proposta de Bachelard (1981) não se se resume a romper com o tradicional, mas vai além, propondo que a ruptura está em criar novas formas de ver o fenômeno; quando as teorias já não explicam o problema de pesquisa, devemos propor novas formas de olhar e compreender. Entretanto, nem sempre o avanço dará continuidade, muitas vezes é necessária uma ruptura mais expressiva e radical. Nessa pesquisa, pretende-se avançar nos estudos sobre as práticas mercadológicas e simbólicas que permeiam as marcas e o cotidiano dos sujeitos. Nossos movimentos epistemológicos são de entendimento, ruptura, reflexão e avanço.