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3. PERSPECTIVAS TEÓRICO METODOLÓGICAS

3.2 A publicidade e suas transformações e nuances

3.2.3 O humor no cotidiano uma possibilidade para a publicidade

Outra perspectiva importante para pesquisa é a reflexão sobre o humor e a sua relação com a publicidade. Para isso, é relevante entendermos o humor e o riso na sociedade. Segundo Bremmer e Roodenburg, (2000) e Minois (2003), são poucos os estudos sobre o humor e a sua participação da sociedade. Buscamos então, a partir dos autores, refletir sobre essa forma de discurso do ponto de vista histórico, social e antropológico.

Minois (2003) faz um apanhado sobre o riso e o humor ao longo dos séculos, até chegar à atualidade. O autor afirma que no século XX o riso é humanista. “É um riso de humor, de compaixão e, ao mesmo tempo, “de desforra”, diante dos reveses acumulados pela humanidade ao longo do século e das batalhas perdidas contra a idiotia, contra a maldade, contra o destino.” (MINOIS, 2003, p.558).

O desenvolvimento do humor é fomentado pelos inúmeros problemas sociais, políticos, econômicos da nossa sociedade “como um antídoto ou um

anticorpo diante das agressões da doença. Ele penetra em todos os domínios, em todas as corporações profissionais.” (MINOIS, 2003, p.558).

Do ponto de vista sociológico, entende-se que o humor só acontece com a participação ativa dos sujeitos, com a sua cumplicidade. Sendo o humor uma resposta aos problemas socais, somente na sociedade encontra sentido. Assim,o humor gera um sentido de proteção contra a angústia coletiva. (MINOIS, 2003).

A antropologia, ao estudar o riso, contribui para a consciência “da universalidade do riso e da diversidade de suas significações através do mundo”. Esses estudos sobre o riso ilustram o papel essencial do humor no ocidente contemporâneo, principalmente, se comparado ao papel que tinha nas sociedades tradicionais. “Todos os povos da terra riem, e o elemento cômico mais comum é o sexo.” (MINOIS, 2003, p.560). Inferimos que o sexo seja o tema mais comum justamente por estar presente em todas as culturas e fazer parte do cotidiano de todos os indivíduos. O autor busca diferenciar a ironia do humor. “A ironia está muito perto da tristeza, porque celebra a derrota da razão, portanto, nossa própria derrota.” (MINOIS, 2003, p.568).

Enquanto o humor usa de todas as estratégias para gerar o riso, a ironia não é imoral, pelo contrário, ela expõe a imoralidade “imitando seus defeitos, provocando-os, parodiando sua hipocrisia, de forma que ninguém mais possa acreditar nela. O riso do ironista é sempre calculado, intelectualizado, refletido.” (MINOIS, 2003, p.570). O contexto social permitiu que a ironia fosse democratizada. Com isso, a sociedade do final do século XX, passou a desacreditar e ironizar dos diversos valores.

Enquanto o humor é uma proteção contra os males sociais, a ironia se torna uma necessidade. A internet nos proporciona um apagamento entre o real e o virtual, as fronteiras estão mais fluídas. “A ironia é indispensável para nos manter distantes em relação ao meio, cada vez mais virtual, que nos circunda. Quem não é irônico em relação à internet será devorado por ela.” (MINOIS, 2003, 571).

Vladimir Propp é um dos teóricos que se debruçou sobre o estudo da comicidade e do riso. Ele direciona suas pesquisas no sentido de estabelecer uma tipologia do cômico. Seus objetos empíricos são a literatura e o folclore russo e alemão. Nos chama atenção o fato de sua reflexão ser também empírica

e não apenas teórica.

O empírico é formado pelos clássicos da literatura Russa, que leva ao riso. Também olhou para o Folclore que segundo ele o humor do Folclore se diferencia do humor dos escritores profissionais. Mas não se limitou a isso, também olhou para revistas humorísticas e satíricas, incluindo folhetins divulgados em jornais, o circo, o teatro e a comédia cinematográfica. Como método o autor destaca que o postulado metodológico: em cada caso isolado é preciso estabelecer a especificidade do cômico, é preciso verificar em que grau e em que condições um mesmo fenômeno possui, sempre ou não, os traços da comicidade. (PROPP,1992, p.20).

Ele defende que é possível rir do homem em quase todas as situações. “Em poucas palavras, tanto a vida física quanto a vida moral e intelectual do homem podem tornar-se objeto do riso.” (PROPP,1992, p.29).

Mas o autor destaca que a comicidade tem uma correlação com as condições de ordem histórica, social, nacional e pessoal. “Cada época e cada povo possui seu próprio e específico sentido de humor e de cômico, que às vezes é incompreensível e inacessível em outras épocas.” (p. 32).

Essa concepção vai ao encontro do que entendemos pela produção de sentido dos sujeitos. Nem todos acham graça das mesmas coisas, o contexto em que estão inseridos vai configurar a forma como compreendem e se emocionam. Além disso, ao assistirmos os vídeos do Porta dos Fundos, percebemos uma crítica social intensa, presente em quase todas as histórias. Isso, sem dúvida, fará diferença para um sujeito que está ou não inserido no contexto político, econômico e social brasileiro.

Propp (1992) chama atenção que várias coisas podem ser objeto de riso, desde a natureza, os animais e as coisas inanimadas, mas somente o homem é capaz de rir. Para o autor um animal pode alegrar-se, mas somente o homem ri de algo. “Para rir é preciso saber ver o ridículo; em outros casos é preciso atribuir às ações algum valor moral (a comicidade da avareza, da covardia, etc.). Finalmente, para apreciar um trocadilho ou uma anedota, é preciso realizar alguma operação mental.” (p.40). Ou seja, existe um valor moral atribuído ao riso, tudo que contraria o que é moralmente aceito pode, de alguma forma, causar o riso.

As produções culturais sempre foram uma forma de nos distanciar da vida, mesmo que se baseando no cotidiano. O cinema, mais do que o teatro ou a

literatura, possui as características ideais para a produção do riso.

Desde os primórdios do cinema, o riso está presente, e nele reencontramos as categorias habituais, ilustradas por alguns intérpretes que contribuíram para fazer do riso uma ferramenta universal no século XX. Foi o cinema que mostrou que se pode rir de tudo e que tudo tem um aspecto risível: a miséria, a guerra, a idiotia, a ditadura, a glória, a morte, a deportação, o trabalho, o desemprego, o sagrado. A carreira de Charlie Chaplin costuma ser tomada como exemplo dos diversos tipos de cômico: agressividade, auto derrisão, distorção dos sentidos dos objetos, chegando até o niilismo. (MINOIS, 2003, p. 588).

Tendo em vista o sistema econômico capitalista, que se consolidou no século XX, os meios de comunicação de massa passam a oferecer conteúdo que alimentam o imaginário do seu público, mas que também são fontes de lucro para as empresas que controlam esses meios. O humor acaba sendo um dos principais recursos utilizados pela Indústria Cultural para seduzir os sujeitos. “Seja nos jornais e revistas (por meio de caricatura, da charge, do cartum e da História em Quadrinhos), no cinema, na programação radiofônica e televisiva, e recentemente passou a ser encontrado em sites que podem ser acessados pela Internet.” (SANTOS, p.43, 2012).

Sabemos que as produções culturais, principalmente na TV, possuem uma forte influência ideológica dos detentores desses meios. Mas percebemos que, mesmo assim, esses produtos ficcionais de humor continuam expondo as fragilidades sociais e de alguma forma criticando o que está posto. “Para compreender o humor na era da comunicação de massa, faz-se necessário perceber o quanto ele é crítico e como aponta para os defeitos enquanto provoca o riso.” (SANTOS, p. 44, 2012).

O autor faz um resgate de como o humor foi se apresentando no cinema, rádio e televisão, apontando sempre o poder dos meios de comunicação nas produções, que embora criticassem o cotidiano tinham limitações de críticas sociais e do governo, muitas vezes tendo como tema as relações íntimas e o modo de viver dos sujeitos.

Assim como os produtos culturais nos aproximaram do humor, a publicidade e a comercialização, segundo Minois (2003), ameaçam o riso. Quando o humor passa a ser mercadoria, ou seja, visto como um produto para fins de comercialização, ele sofre a ameaça de deixar de gerar o riso.

Neste ponto, pensamos que a migração do Porta dos Fundos, que iniciou como um coletivo de humor independente na internet, tinha como propósito a criação livre e talvez por isso tenha alcançado o sucesso de forma rápida e expressiva. Não temos dados, mas a venda do canal para VIACOM pode de alguma forma, ter modificado o conteúdo e a produção do canal, refletindo assim, na queda de assinantes.

Além disso, inferimos que os vídeos que são produzidos como product placement tendem a ser menos engraçados do que os que não possuem a intenção de mostrar as marcas. Podemos perceber isso no caso do Spoleto, quando o primeiro vídeo alcança um sucesso enorme justamente por fazer piada sobre o péssimo atendimento do local e os dois vídeos resposta, encomendados pela marca, terem um caráter comercial, que elogia a marca e destaca os pontos positivos do produto.

Outro aspecto que liga o humor e a publicidade, muitas vezes é o reforço de estereótipos e preconceitos. Quando a publicidade usa o humor para exaltar as características de um produto, algumas vezes percebe-se uma pobreza estética e artística que permeiam, também, os programas de humor das mídias comerciais.Um exemplo de 2015 são os filmes publicitários da cerveja Itaipava39 que exploram a imagem de uma mulher, com trajes de banho, que serve a cerveja para alguns homens em um bar na beira da praia. O trocadilho “Vai Verão e Vem Verão” se refere à estação climática do ano, mas denomina a personagem feminina, chamada Vera.

Jesus e Cardoso (2012) afirmam que o uso do humor como estratégia de comunicação publicitária se intensificou na década de 1970 nos EUA. Isso fica claro, pois antes a publicidade era mais informativa. Com a necessidade de chamar atenção do público para um produto que, muitas vezes, era commodities, as marcas passaram a usar diversas estratégias, que ao longo do tempo foram se modificando. Casos clássicos da publicidade brasileira, como o garoto propaganda da Bombril e da marca Havaianas, criam vínculos com os sujeitos que vão além da aquisição do produto. O conteúdo de humor cria uma relação de empatia com os sujeitos.Para Alfredo Fedrizzi (2003), o humor na propaganda

funciona porque é generoso. Ele dá alguma coisa à pessoa que está lá na outra ponta da comunicação, respeita a sua inteligência e permite que ela possa interagir com a mensagem, completando o círculo da informação. Como tudo na vida, o humor sinaliza e mostra que há uma pessoa real no ponto de onde a mensagem está sendo emitida.

Castro (2003) desenvolve uma perspectiva para pensar o humor na publicidade e os motivos que tornam essa uma boa estratégia de persuasão.

Quando se fala em discurso de humor, há que se examinar como se articulam essas três angulações. No plano cognitivo, o discurso de humor opera no campo da imprevisibilidade, centrando-se no dizer distinto ao que dele se espera. [...] No plano interativo, o humor exige cumplicidade, partilha de conhecimento, sintonia entre sujeitos envolvidos, a fim de que a ruptura proposta possa ser suficientemente reconhecida, acarretando a banalização da informação e sua transformação em brincadeira e pilhéria. [...] No plano emocional, sua força maior, o discurso de humor instaura, pela natureza do jogo proposto, a ideia de liberação. O humor, e dele o riso, consegue liberar no outro o sentimento de opressão e funcionar, então, como alívio de tensões. (p.132, 133, 134).

Nessa pesquisa, nos interessa a publicidade ou as marcas que estão presentes no humor, ou seja, é a publicidade no humor e não o humor como estratégia publicitária. Não conseguimos, por meio da pesquisa da pesquisa, identificar muitos estudos ou bibliografias com este viés, mas compreender as nuances do humor na sociedade e como estratégia publicitária nos ajuda a compreender o fenômeno pesquisado.