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3. PERSPECTIVAS TEÓRICO METODOLÓGICAS

3.2 A publicidade e suas transformações e nuances

3.2.1 Para entender a publicidade nos vídeos do Porta dos Fundos

Entendemos, então, que a publicidade é um fenômeno complexo e multidisciplinar justamente por sua capacidade de articular aspectos sociais, culturais, econômicos, comunicacionais, psicológicos e históricos. Da mesma forma, percebemos os sujeitos imbricados neste fenômeno. Por isso, nos parece produtivo o diálogo com Bakhtin (1981, 2010) para pensar essa relação de publicidade com a cultura e com os sujeitos. Os estudos do filósofo têm como foco a linguagem e sua relação com a sociedade.

Para Bakhtin (1981, 2010), o texto está ligado às diferentes atividades humanas. O agente enunciador está ligado à atividade que desenvolve. Mas o receptor deve estar no horizonte do enunciador, já que a mensagem deve ser adaptada à natureza do público. Assim, o enunciador e o receptor devem estar dentro do texto. Tanto o locutor quanto o interlocutor possuem um papel ativo no enunciado.

ativa. No contexto da publicidade na internet, essa atitude pode ser visualizada, por exemplo, em atividades como tentar entender a mensagem, dar um like, deixar um comentário e até compartilhar a mensagem.

O enunciado é entendido, então, como Unidade de Comunicação que segue a especificidade de cada uma das atividades humanas, em seu conteúdo temático, estilo e conteúdo composicional. Como conteúdo temático, entende-se o tema ou os temas que se formam e circulam o enunciado. O estilo é o traço do enunciado que pode ser associado àidentidade do locutor e de seu grupo social. E o conteúdo composicional a organização linguística do enunciado e do gênero.

Na realidade, o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social. (BAKHTIN, 2010, p.113)

Do ponto de vista epistemológico o autor entende que, ao contrário de outras correntes dos estudos linguísticos, precisamos ampliar o campo de visão e a complexidade do objeto de pesquisa, sem perder de vista o foco. Para Bakhtin, então, o objeto de estudo não é a língua e suas normas e sim o diálogo.

O objeto de nossa pesquisa, ao invés de ver-se reduzido como seria desejável, viu-se consideravelmente ampliado e tornado ainda mais complexo. Com efeito, o meio social organizado, no qual inserimos nosso complexo físico-psíquico-fisiológico, e a situação de troca social mais imediata apresentam por si só complicações extraordinárias, comportam relações de diversas naturezas e de múltiplas facetas, e, dentre estas relações, nem todas são necessárias à compreensão dos fatos lingüísticos, nem todas são elementos constitutivos da linguagem. Em suma, o conjunto deste complicado sistema de fenômenos e de relações, de processos, etc., necessita uma redução a um denominador comum. Todas as suas linhas devem reunir-se num centro único: o passe de mágica que constitui o processo lingüístico. (BAKHTIN, 2010, p.70)

Seguindo a proposta de Bakhtin, entendemos que possuímos padrões típicos de atividades, a partir das diversas atividades humanas. Para cada atividade, então, tem-se variadas formas de uso da língua e para os padrões de atividades formas típicas de uso da língua, ou tipos relativamente estáveis de enunciados. São esses tipos relativamente estáveis de enunciados que Bakhtin

entende por gêneros do discurso. Os gêneros do discurso são então divididos em dois, os primários e os secundários. Os primários dizem respeito ao discurso do cotidiano e informal. Já os secundários correspondem aos discursos mais técnicos e rebuscados. (BAKHTIN,1997).

Podemos inferir, então que a publicidade possui um gênero do discurso específico, com suas principais regras e características. Assim como, os vídeos de humor possuem outro gênero do discurso. Ao inserirmos a publicidade nas narrativas dos vídeos podemos dizer, então, que se desenvolve um gênero híbrido, que possui características técnicas e regras de dois tipos de enunciados. Tendo em vista que o enunciado é o diálogo entre o locutor e o interlocutor, precisamos compreender o reflexo de um gênero híbrido na produção de sentido dos sujeitos.

Ao pensar na questão do enunciado, nos debruçamos sobre os estudos de Eneus Trindade, que em 2003 já pesquisava a produção de sentido nas manifestações publicitárias, a partir da ideia de enunciação publicitária onde entendia o processo comunicacional das mídias publicitárias como algo que se aproximava da enunciação linguística. Mas o pesquisador, ainda que estivesse naquele processo de pesquisa, percebia a limitação do método de enunciação linguística em relação ao receptor da comunicação. (TRINDADE, 2008).

É importante registrar que tradição lingüística está vinculada aos estudos das mensagens/discursos. Tal perspectiva teórica restringe as abordagens da enunciação de natureza lingüística às intenções do pólo da emissão e das mensagens, praticamente ignorando o pólo da recepção, que no máximo pode apresentar nos enunciados/mensagens uma projeção do enunciatário, um ethos, na idealização do pólo emissor. (TRINDADE, 2007).

De 2003 até 2007 se consolidou a ideia de enunciação publicitária, mas ainda em 2007, o autor reforçou a necessidade de refletir de forma mais profunda sobre a produção de sentido no âmbito da enunciação publicitária. Desde então, vem buscando aprofundar seus estudos no âmbito da recepção e da produção de sentido dos sujeitos. (TRINDADE, 2008).

Em um de seus textos mais recentes Trindade e Perez (2019) apresentam uma reflexão sobre as “possibilidades de compreensão do consumidor no âmbito dos estudos de comunicação e consumo, a partir da articulação teórica entre as

abordagens das mediações culturais do consumo e seus processos de midiatização.” (p.1).

Para os autores, os conceitos de mediação e midiatização parecem ser os elementos-chave para se pensar uma ideia de constituição da realidade, já que elas têm um ponto em comum a presença da mídia definindo a realidade social e cultural. As marcas, assim como o jornalismo, definem as realidades socioculturais, já que os sujeitos compram o sentido de valor das marcas e isso está impregnado em suas vidas, em todos os seus atos. Desde a hora que acordamos até hora que vamos dormir, estamos em contato com marcas. Estamos, assim, vinculados a um conjunto de produtos e serviços durante toda a nossa existência. O que vestimos, o que comemos, a marca da bolsa que usamos, tudo tem uma perspectiva da vida do capital incorporado ao sentido micro da nossa existência.

Tendo em vista a perspectiva da midiatização como processo configurador de todas as realidades sociais, poderíamos afirmar que o consumo também é midiatizado. Indo ao encontro das ideias dos autores, o processo de mediação comunicacional da cultura, teria ligação direta com o que consumimos e com o que é produzido para que a gente consuma. Nossas identidades são configuradas pelo sentido das marcas, com seus valores, que dizem o que somos a partir do nosso consumo. Um exemplo é, se decidimos comer um lanche rápido, pedido por meio de um aplicativo de celular, de uma marca específica, estamos adotando um estilo produtivo de vida, dentro de uma lógica de escala econômica, que diz do estilo de vida que queremos, rapidez, praticidade e conveniência.

A partir da proposta dos autores, podemos inferir que a produção de sentido dos sujeitos estaria então configurada pela mediação comunicacional da cultura, onde está imbricado o consumo. Voltaremos a refletir sobre o processo de midiatização e mediação comunicacional da cultura quando abordarmos os aspectos que permeiam o sujeito em comunicação. Antes, consideramos produtivo refletir sobre a perspectiva do sistema de produção de sentido.