• Nenhum resultado encontrado

Nesse capitulo, evidenciamos caminhos percorridos e obstáculos enfrentados pelas professoras trans ao se depararem com demarcadores dos gêneros em suas trajetórias escolares e carreira docente. Esses, de alguma forma, consistiram de fatores que culminaram para a redução do acesso e da permanência de pessoas trans em instituições escolares, ampliando de forma ainda mais significativa, processos de exclusão social vivenciados por essas pessoas em nossa sociedade. Partindo das argumentações disponibilizadas no folder “A travesti e o educador” (BRASIL, 2004a) que muito se aproximam dos obstáculos enfrentados pelas professoras trans em suas trajetórias escolares e de docência, o nome social, o banheiro, a aula de Educação Física e a associação de pais/mães e mestres foram os demarcadores apresentados pelo documento que elencamos como parâmetros de análises. Contudo, as narrativas das docentes nos conduziram também a um quinto parâmetro, “transfobia e corpo discente”, integrando também nossas análises.

Nos encaminhamentos no setor de políticas públicas que lutam pela garantia do reconhecimento das diferenças e à singularidade de pessoas trans encontramos planos, programas e projetos que apontam prerrogativas de inclusão para as demandas do segmento LGBT.53 Contudo, a Educação representa nessas políticas públicas uma das demandas voltadas para esse segmento e não a precursora dessas inquietações, o que justifica a maioria dessas políticas terem partido de iniciativas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, mais especificamente na perspectiva da prevenção às DST/Aids.

Dentre as propostas voltadas ao combate ao preconceito e discriminação à população LGBT vinculadas aos planos, programas e projetos, a primeira iniciativa específica para o segmento trans no campo educacional foi mobilizada pela campanha do Ministério da Saúde “Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida.” (BRASIL, 2004a, 2004c). A campanha foi elaborada com a

53Dentre eles citamos o Plano Nacional de Direitos Humanos II (2001), o Programa Brasil Sem Homofobia (2004b) e Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006).

participação de lideranças do movimento organizado de pessoas trans junto ao Programa Nacional de DST/Aids tendo como foco de atuação as escolas, os serviços de saúde, a comunidade e os/as clientes das travestis profissionais do sexo (BRASIL, 2004c).

Como descrito no site do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais (BRASIL, 2004c), cartazes, cartilhas e folders foram produzidos e parte do material ilustrados com fotos das vinte e sete trans que atuaram na elaboração da Campanha. Dois folders foram produzidos, um voltado aos/às profissionais da saúde e outro voltado aos/às profissionais da Educação com o intuito de sensibilizá-los/as em relação aos maiores constrangimentos enfrentados por pessoas trans nesses espaços. Destinada à relação universo trans e Educação, o folder “A travesti e o educador: respeito também se aprende na escola.”54 aborda de forma

sucinta os principais aspectos que geram obstáculos para permanência de alunas/os trans na escola, quais sejam: a questão do nome social, a utilização do banheiro, a adequação à prática da disciplina Educação Física e a associação de pais/mães55 e mestres.

O segundo folder é voltado para o educador[a], lembrando que a exclusão social das travestis deve-se, fundamentalmente, ao abandono da escola, primeiro lugar onde elas encontram dificuldade de adaptação. As piadinhas maldosas dos colegas, a proibição de usarem os banheiros femininos e o desrespeito ao nome de mulher que adotam, entre outras atitudes preconceituosas, terminam por fazê-las desistir de estudar (BRASIL, 2004c, p. 1).

Esses aspectos foram destacados de forma significativa nos relatos das professoras tanto no processo de escolarização quanto na atuação docente no que se refere à vivência do preconceito e da discriminação em razão da forma como constroem seu gênero e vivem suas sexualidades. Por este motivo optamos problematizar os relatos das docentes utilizando dos demarcadores elencados no folder como parâmetros de análise. O fato de este folder ser o

54 Propomos análises do folder “A travesti e o Educador” na dissertação de Mestrado, porém, não dispúnhamos de elementos empíricos que nos permitissem contextualizações mais coesas de suas argumentações, resultando, na verdade, em algo mais próximo de uma descrição desse material. Contudo, identificamos o desconhecimento desse material por parte dos sujeitos investigados. Ver Franco (2009, p. 111). Essa proposta se amplia no Doutorado em que nos detemos especificamente nas trajetórias escolares e construção docente de pessoas trans em que as argumentações apresentadas no folder vêm à tona a todo o momento. Percebemos um equívoco quanto à data de publicação do folder. No material impresso da campanha “Travesti e respeito” não há registros sobre o ano de lançamento da Campanha e nossas buscas referenciavam o ano de 2001, portanto, foi o que utilizamos no Mestrado. Henriques et al. (2007) descreve o lançamento da Campanha em 2003. No entanto, aderimos às informações disponibilizadas no site do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais em que é descrito a Campanha como lançada em 2004, assim como também nos informou militantes do movimento social organizado de trans brasileiras (BRASIL, 2004c).

55 No folder aparece apenas “associação de pais e mestres”. No entanto, como apostamos numa abordagem teórico-metodológica na qual a generalização dos gêneros pela utilização de expressos no masculino torna-se postura inadequada e insuficiente, alteramos a apresentação dessa expressão ao longo da tese, permanecendo “associação de pais/mães e mestres”.

único material que aborda exclusivamente a relação universo trans e Educação, mesmo que de forma breve, também justificou nossa opção em utilizá-los para nortear as discussões deste capítulo.

A questão do nome social e a utilização do banheiro foram os aspectos mais segregadores. Sobre a questão da Educação Física, poucos elementos nos foram disponibilizados para essa análise em razão do período em que as professoras passaram pelo processo de transformação que, para a maioria, ocorreu durante ou após o Ensino Médio. Buscamos, contudo, analisar como a disciplina Educação Física era interpretada legalmente na Educação Superior no período em que estiveram na universidade.

Outro aspecto interessante emergiu na discussão a respeito da associação de pais/mães e mestres, sendo um dos aspectos mais representativos de nossas análises, retomando também as problemáticas contextualizadas nos parâmetros anteriores quando as professoras contam do uso do nome social, do banheiro e da aula de Educação Física. Enquanto o folder apresenta pais/mães como os/as principais desencadeadores/as de possíveis obstáculos para a presença de pessoas trans na escola, os relatos das docentes investigadas descrevem conflitos acirrados na relação com gestores e colegas de docência. O preconceito e a discriminação advindos de alunos/as, que caracterizamos como “transfobia e corpo discente” foram aspectos de baixa recorrência, mas que também foram evidenciados nos relatos de algumas das professoras, representando, em nossa compreensão, outra possibilidade de demarcação dos gêneros possíveis na escola.