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Doze professoras trans das cinco regiões do país constituem o universo investigado, sendo duas da região sul: Marina Reidel e Adry Souza; quatro da região sudeste: Geanne Greggio, Sayonara Nogueira, Edna Ide e Alysson Assis; três da centro-oeste: Danye Oliveira, Sarah Rodrigues e Adriana Sales; duas da nordeste: Bruna Oliveira e Adriana Lohanna; e uma da região norte: Sandra dos Santos.

Com o objetivo de identificar e problematizar os indícios de desestabilização que a presença de professoras trans provoca nas escolas nas quais atuam, definimos como requisito para os sujeitos comporem a pesquisa serem docentes que atuaram/atuassem na docência formal pelo tempo mínimo de um ano. Isto porque, somente a partir de seus relatos sobre suas práticas docentes identificaríamos em qual medida essas professoras geravam ou não o questionamento de normatizações culturalmente estabelecidas e se em suas práticas docentes desencadeavam novas formas de ensino e aprendizagem no que se refere à discussão sobre gênero e sexualidades. Definimos este período mínimo de atuação, sobretudo, por se referir a

um fenômeno que muito recentemente passou a compor o espaço escolar, assumindo uma visibilidade nacional mais especificamente a partir da primeira década do século XXI29. De modo objetivo, podemos descrevê-las30.

Marina Reidel31, 40 anos, cor branca, transexual e religião umbandista. Nasceu em Montenegro-RS e residia em Canoas-RS. Concluiu a Educação Básica em escolas públicas de Monte Negro cursando o Magistério no Ensino Médio. Graduou-se em Artes Visuais no período de 1991 a 2002. Possui pós-graduação latu sensu em Psicopedagogia e Mestrado em Educação realizado entre 2011 e 2013. Iniciou a carreira docente em 1990 como “professor” da Educação Infantil à quarta série, atuava também na área de música. Em 1993, foi aprovada em concurso público na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul; cargo que ocupava até o ano de 2014. Em 2012, passou a atuar na Secretaria de Educação do Estado em projetos na formação de professores/as na perspectiva da diversidade.

Adry Souza, 31 anos, cor preta, transexual, heterossexual e religião espírita. Nasceu

em Itaqui-RS e residia em Porto Alegre-RS. Cursou a Educação Básica em escolas da rede pública em Itaqui, mudando-se para Santa Maria em 1999 para cursar Filosofia. Possui pós- graduação latu sensu em Filosofia Política, Filosofia Clínica e Didática da Língua Portuguesa. Deu início à carreira docente em 2004, após aprovação em concurso público na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Inicialmente atuava nas disciplinas Ensino Religioso, Ética e Cidadania para a segunda fase do Ensino Fundamental; Filosofia e Sociologia para o Ensino Médio. Em 2007 foi convidada para assumir o cargo de vice-diretora da escola na qual trabalhava, tornando-se diretora em 2010. Em 2013 atuava como diretora em outra escola.

Geanne Greggio, 37 anos, cor branca, transexual, heterossexual e religião espírita.

Nasceu em Jaboticabal-SP e residia em Embu-SP desde 1998. Concluiu a Educação Básica na rede pública de ensino de Jaboticabal e se graduou em Licenciatura em Letras no período de 1995 a 1998. Possui outras duas graduações, Pedagogia e Biologia. Em 1995, no primeiro ano da universidade, deu início à carreira docente ministrando as disciplinas Português e Inglês. Quando se mudou para Embu, trabalhou no regime contratual na rede estadual de ensino. Em 2008, já era concursada pela rede municipal e aguardava em 2013 a tomada de posse em

29 Existem exceções. Bruna já atuava há mais de vinte anos como docente e afirmou que desde seu ingresso na carreira já se identificava como travesti. Edna, tempo de atuação similar, vivenciou por vários anos uma ambiguidade de gênero, identificando-se especificamente como gênero feminino a parir de 2006.

30 No Apêndice F apresentamos as trajetórias e as histórias das docentes de forma mais detalhada. Ver p. 237. 31 Os nomes utilizados para identificação dos sujeitos dessa pesquisa correspondem aos seus nomes sociais e, para algumas das docentes, seus nomes civis que foram alterados legalmente durante o processo de construção da investigação. Esta foi uma solicitação realizada pelas professoras com o intuito de ampliar sua visibilidade social.

cargo na rede estadual. Já havia assumido cargo de coordenadora e vice-direção de escola. A coordenação do Programa de DST/Aids da prefeitura de Embu era outro campo de trabalho.

Sayonara Nogueira, 37 anos, cor branca, transexual e religião umbandista. Nasceu e

residia em Uberlândia-MG. Estudou nas redes de ensino pública e privada de Uberlândia. Cursou Licenciatura em Geografia no período de 1996 a 1999 e pós-graduação latu sensu em Metodologia e Técnica de Pesquisa entre 2001 e 2002. Em 2001, vivenciou a primeira experiência como docente na escola na qual cursou o Ensino Médio e realizou seu estágio de licenciatura. Em 2007, tornou-se efetiva na rede estadual de ensino atuando em diversas escolas com as disciplinas Geografia e História. Em uma dessas escolas, coordenou por três anos (2009-2011) o Programa Educacional de Atendimento ao Jovem, o PEAS Juventude, enfocando as discussões sobre gênero e sexualidades. Em 2008, vinculou-se a ONG Associação Homossexual de Ajuda Mútua, o SHAMA, de Uberlândia como representante do segmento trans.

Edna Ide, 40 anos, cor amarela, travesti, homossexual e religião espírita. Nasceu em

Buritizal-SP, cidade onde cursou a maior parte de sua Educação Básica na rede pública de ensino. Estudou em escola privada somente no último ano do Ensino Médio quando em 1992 se mudou para Uberlândia para prestar o exame vestibular. Graduou-se em Licenciatura Plena em Letras no período de 1993 a 1997. De 1998 a 2000 cursou pós-graduação latu sensu em Administração Escolar. Sua carreira docente teve início quando cursava o primeiro ano da universidade em 1993 e foi convidada para substituir uma professora de Português da rede de ensino estadual de Uberlândia. Atuou cinco anos consecutivos na rede pública de ensino, passando em seguida para a rede privada na qual permanecia até 2014.

Alysson Assis, 36 anos, cor branca, transgênero, homossexual e religião católica.

Nasceu em Ituiutaba-MG, cidade onde residia com seu pai e sua mãe e cursou a Educação Básica em escolas da rede pública de ensino. Em 2005, mudou-se para Uberlândia-MG para ingressar no curso de Artes Visuais. Cursava disciplinas também do curso de Teatro o que a/o32 levou a se transferir para o curso de Teatro que concluiu em 2009. Neste mesmo ano, retornou ao curso de Artes Visuais com previsão de concluí-lo em 2014. Deu início à carreira docente em 2005 quando ingressou na universidade. Em 2013 era professora/professor

32 O fato de Alysson se identificar como transitando entre o masculino e o feminino por várias vezes nos deixou confusos/as sobre por qual pronome deveríamos chamá-la/o. Com isso, negociamos que sempre que nos referíssemos a ela/e na pesquisa utilizaríamos pronomes, feminino e masculino, ao mesmo tempo.

efetiva/o na rede estadual de ensino de Ituiutaba atuando nas últimas séries do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) com a disciplina de Artes.

Danye Oliveira, 29 anos, cor branca, transexual, heterossexual e agnóstica no que se

refere à religião. Nasceu em Orizona-GO, cidade na qual residiu com seu pai, sua mãe, sua irmã e um sobrinho até janeiro de 2014 quando passou a viver sozinha. Cursou a Educação Básica na rede pública de Orizona. Em 2002, iniciou o curso técnico em Tecnologia da Informação. Em 2003, ingressou no curso de Licenciatura Plena em Letras, concluindo-o em 2006. Iniciou sua carreira docente em 2006, quando foi convidada para ministrar aulas de Espanhol em uma escola privada de Orizona. Em 2007, tomou posse na rede municipal de ensino após aprovação em concurso público. Permaneceu por dois anos atuando nas duas redes, optando, em 2008, pela rede pública. Atua nas disciplinas Língua Portuguesa, Inglês e Espanhol.

Sarah Rodrigues, 37 anos, cor preta, travesti, homossexual e religião espírita. Nasceu

em Iporá-GO, local em que residiu até 1981. Seu processo de escolarização no Ensino Fundamental se deu em escolas da rede pública em cidades dos estados de Goiás e Mato Grosso. Iniciou o Ensino Médio, em 1995, no curso de Magistério na cidade de Bom Jardim- GO onde residia com sua mãe e irmãos/irmãs. Sua carreira docente teve início junto à entrada no Magistério em 1995. Após a conclusão do curso, em 1997, foi aprovada em um concurso para atuar na rede estadual de ensino de Bom Jardim, na mesma escola na qual cursou Magistério. Em 2000, deu início a graduação em Letras, concluindo-a em 2004. Entre 2008 e 2009, concluiu pós-graduação lato sensu em Psicopedagogia. Atuava como professora de Língua Portuguesa, Literatura, Inglês e Filosofia para turmas do Ensino Médio. Nas horas vagas e finais de semana atuava também como cabeleireira em sua residência.

Adriana Sales, 35 anos, cor branca, travesti, heterossexual e religião umbandista.

Nasceu em Londrina-PR, mas foi criada em Cuiabá-MT, onde residia em 2013. Cursou a Educação Básica em escolas públicas de Cuiabá. Graduou-se em Licenciatura em Letras no período de 1995 a 2000. Em 2000, foi contemplada com uma bolsa de estudos para cursar pós-graduação latu sensu em Cultura e Civilização Francesa em Paris. Iniciou a carreira docente assim que entrou na universidade atuando na disciplina Língua Inglesa, uma vez que já possuía formação nessa área. Efetivou-se na rede estadual de ensino de Mato Grosso como professora de Língua Portuguesa em 2005. Em 2009, foi convidada para trabalhar como técnica da Secretaria do Estado de Educação na Superintendência de Formação Profissional.

Cursou Mestrado em Educação entre 2011 e 2012. Em 2013, inseriu-se como aluna especial do Doutorado em Psicologia.

Bruna Oliveira, 46 anos, cor parda, travesti, heterossexual e religião evangélica.

Nasceu e residia em Aracaju-SE. Cursou parte de sua Educação Básica em escolas públicas de Aracaju, passando, em seguida, para a rede privada na qual concluiu o Curso Técnico Pedagógico. Iniciou os cursos superiores de Letras e Teologia, os quais não foram concluídos. Graduou-se em Pedagogia no período de 2006 a 2009. Entre 2009 e 2010, cursou pós- graduação latu sensu em Direito Educacional. Foi aprovada em concurso para a rede estadual de ensino de Sergipe assumindo o cargo em 1991, nesse período já cursava Letras, o que lhe permitiu atuar na Educação Infantil e na segunda fase do Ensino Fundamental. Após aprovada em outro concurso ingressou, em 1999, na rede municipal de ensino de Maruin, cidade do interior de Sergipe, próxima a Aracaju. Por motivos que interpreta como perseguição política, foi exonerada do cargo em 2002. Após processo judicial, foi reintegrada ao município em 2008. Em 2013, atuava na rede estadual e municipal como orientadora e supervisora educacional. Atuou por vários anos como representante do segmento trans de Aracaju vinculada ao Grupo Dialogay, ONG LGBT de Sergipe.

Adriana Lohanna dos Santos, 27 anos, cor parda, transexual, heterossexual e

religião católica. Nasceu na cidade de Propriá-SE, mas morou e se criou no Povoado Cruz Grande onde cursou a primeira fase do Ensino Fundamental. As séries seguintes da Educação Básica foram cursadas em Aquidabã-SE, cidade para onde se deslocava todos os dias para estudar. No ano de 2006, mudou-se para Aquidabã devido o ingresso na Educação Superior. Graduou-se em Letras no período de 2005 a 2008. No último ano do curso iniciou a graduação em Serviço Social, concluindo-o em 2011. Em 2009, atuou na Educação formal como professora de Português e Redação no Ensino Médio, na rede estadual de ensino de Aquidabã. Em 2011, efetivou-se como Educadora Social, após aprovação em concurso público municipal na cidade de Carmopólis-SE, próximo a Aquidabã. Deslocava- se todos os dias de uma cidade a outra para trabalhar na Coordenadoria de Mulheres do município. Desde 2012, atuava também como tutora do curso EAD de Letras de uma universidade pública.

Sandra dos Santos, 34 anos, cor parda, transexual, heterossexual e religião

umbandista. Nasceu na região do Guaniamo, na Venezuela. Em 1996 se mudou para o Brasil com sua família e foi morar em Boa Vista/RR. Cursou sua Educação Básica na Venezuela onde se graduou em Ciências Humanas e da Natureza no período de 1995 a 1996. No Brasil,

seu Ensino Médio e sua graduação não foram validados. Em 2002, reiniciou o Ensino Médio na rede estadual de Roraima. Em seguida, iniciou a graduação em Tecnologia em Gestão Pública, concluindo-a em 2011. Cursava em 2012 duas pós-graduações latu sensu, MBA Gestão Empresarial e Gestão de Recursos Humanos. Atuou como professora de Língua Espanhola no Ensino Fundamental e Médio durante os anos de 2003 e 2004, vinculada à Secretaria da Educação, Cultura e Desporto de Roraima. Em 2012, voltou a ministrar aulas particulares de Espanhol para garantir seu sustento, pois se encontrava desempregada. Em 2014, aprovou-se em processo seletivo para ministrar aulas na área de Gestão e Negócios no SENAC/Roraima. A participação no movimento social organizado foi outra área de atuação que iniciou aos vinte anos, sendo uma das fundadoras da primeira ONG LGBT do Estado.

De acordo com as descrições informadas, essas docentes se encontravam na faixa etária de vinte e sete a quarenta e seis anos. A cor branca prevaleceu no grupo, seis delas, seguida de três pardas, duas pretas e uma amarela. Sete das docentes se identificaram com a identidade de gênero transexual, quatro como travestis e uma como transgênero. Como identidades sexuais, seis se interpretaram como heterossexuais; três como homossexuais; três não identificaram. Quatro docentes seguem a doutrina espírita e outras quatro a umbanda, duas se disseram católicas, uma evangélica e outra agnóstica.

A área de formação nas ciências humanas e sociais foi predominante no grupo, sendo a licenciatura em Letras o curso destacado por seis delas. Quatro das docentes possuíam duas formações acadêmicas, especificando que apenas Sandra dos Santos cursou a segunda graduação fora da área pedagógica: Tecnologia em Gestão Pública. Seis docentes concluíram pós-graduação lato sensu e duas stricto sensu.

A atuação em escolas da rede púbica de ensino é uma das características marcantes do grupo, sendo que, apenas uma delas, Edna, de Uberlândia, constituiu a maior parte de sua carreira na rede privada de ensino.

O tempo de experiência na docência formal variou de um a vinte e um anos. A atuação na Educação Básica foi uma experiência vivenciada por todos os sujeitos da pesquisa. Entretanto, em 2013, onze delas permaneciam vinculadas à Educação formal, sendo que dez estavam efetivadas em seus cargos. Duas docentes atuavam na categoria que denominaram como Educação Social33. Sandra vinculada a ONG destinada à população LGBT de Roraima e

33 Marlene Ribeiro (2006) remete as bases da Educação Social ao período de reestruturação social da Europa após a Segunda Guerra Mundial quando uma quantidade significativa de crianças e adolescentes perderam seus pais nas batalhas tornando-se órfãos. Isso exigiu a criação de uma forma diferenciada de assistência educativa,

Adriana Lohanna por aprovação em concurso público, em 2011, na prefeitura de Carmopólis- SE. O quadro 01, na página seguinte, apresenta de forma esquemática uma síntese da identificação desses sujeitos destacando seus nomes, idades, identidade de gênero e sexual, raça, cidade na qual residem, formação acadêmica e área de atuação.