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5. CAPÍTULO 2

5.6. DEMOCRACIA E MERCADOS NA NOVA ORDEM MUNDIAL

Antes de se trabalhar o conceito geral de globalização como processo que contribui atualmente para o enriquecimento de poucos e o empobrecimento de muitos, gerando violência, segregação e alterações na urbanização, optamos por enfatizar a aplicação da globalização em seu inicio com os Estados Unidos desenvolvendo para vários países e inclusive para o Brasil, suas políticas de domínação e exploração, e como o Brasil fez parte da política de globalização americana nos anos 1970, gerando o conhecido “milagre econômico” brasileiro. Isso caracteriza muito bem a preocupação de construção de subjetividades dos Estados Unidos com relação ao Brasil para implantação de ações de dominação capitalística. É uma questão a ser revista sob uma ótica da construção da subjetividade capitalística no terceiro capitulo.

O assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Anthony Lake em setembro de 1993, quando apresentou a Doutrina Clinton, disse: “Durante a guerra fria nós contivemos a ameaça global contra as democracias de mercado: agora deveríamos cuidar de ampliar o alcance delas”. O ““novo “mundo” “que se descortina perante nós, “apresenta” imensas oportunidades” para avançar no sentido de “consolidar a vitória da democracia e dos mercados abertos”, acrescentou um ano depois. (CHOMSKY, 2008, p.7)

Para Noam Chomsky, isso é uma imagem convencional quanto a nova era em que estamos entrando. Para Lake, a “verdade duradoura” é que os Estados

49 CHOMSKY, Noam. Democracia e mercados na nova ordem mundial.(pág.7-45) In:GENTILI, Pablo. Organização. Globalização Excludente; Desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem mundial.

Unidos, na guerra fria fazia a defesa da liberdade e da justiça contra o fascismo e o comunismo e foi apenas uma fase na história de dedicação, visando “ uma sociedade tolerante, na qual líderes e governos existem, não para usar e abusar das pessoas, mas para lhes prover com liberdades e oportunidades” Essa é a “cara constante” do que os Estados Unidos têm feito no mundo e a “idéia” para Lake, que os Estados Unidos estão “defendendo” novamente na atualidade.

É nessa “verdade duradoura sobre esse novo mundo” que pensam poder os americanos, desempenhar a missão histórica “deles” (segundo Lake), de maneira mais efetiva, fazendo frente aos “inimigos da sociedade tolerante” – à qual dizem, sempre foram dedicados e que continuam de pé. E que os desloca da “contenção” para o “engrandecimento”.

Concluindo essa “visão de política exterior” Lake acha que, felizmente para o mundo, os Estados Unidos são a única superpotência na história no sentido de que “não estamos procurando expandir o alcance das nossas instituições mediante a força, subversão ou repressão”, mas utilizando persuasão, compaixão e meios pacíficos.

A temática básica da política externa americana foi expressa de forma mais sucinta pelo diretor do Instituto Olin para Estudos Estratégicos de Harward, na revista acadêmica International Security:

Os Estados Unidos têm de manter a sua “primazia internacional” em benefício do mundo, explicava Samuel Huntington, porque, caso único entre as nações, sua “identidade nacional está definida por uma série de valores políticos e econômicos universais”, particularmente “liberdade, democracia, igualdade, propriedade privada e mercados”; “a promoção da democracia, os direitos humanos e os mercados são [sic] muito mais importantes para a política americana do que para a política de qualquer outro pais.(CHOMSKY, 2008, p. 8)

A apreensão dos valores e objetivos dos americanos para com o resto do mudo pode se dar pela análise de suas posturas e ações relativas a esse mundo.

Os contornos desse mundo foram delineados por Madaleine Albright, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, bem ao tempo em que Lake elogiava “nosso histórico compromisso” com os princípios pacifistas. Ela afirmou ao Conselho de Segurança que duvidava da resolução encaminhada pelos Estados Unidos relativa ao Iraque: os Estados Unidos continuarão a agir de maneira “multilateral quando pudermos, e unilateral quando tivermos que fazê-lo”. Faça o seu jogo como bem quiser, mas no mundo real “se faz o que nós dizemos” (What we say goes), como expressava o presidente Bush, enquanto uma chuva de bombas caía sobre o Iraque. Os Estados Unidos têm o direito de agir unilateralmente – instruía a embaixadora Albright, dirigindo-se ao errado conselho – porque “ nós reconhecemos [o Oriente Médio] como vital para os interesses nacionais norte-americanos. (CHOMSKY, 2008, p.12)

Para Chomsky, o Iraque seria bom exemplo para ilustrar “verdades duradouras” do mundo real, porém afirma que é mais instrutivo olhar para a região onde os Estados Unidos têm tido a maior liberdade para agir a seu bel-prazer, de sorte que a sua versão do “interesse nacional” que representa são exibidos com toda clareza. Chomsky se refere a mesma região do Hemisfério Sul a que se referiu o secretário de guerra Henry Stimson no fim as segunda guerra: “a nossa pequena região logo ali com a qual nunca ninguém se incomodou”. Nessa ocasião, Stimson explicava que todos os sistemas regionais devem ser desmantelados – à exceção do nosso, que deve ser estendido; uma posição razoável, visto que “o que era bom para nós era bom para o mundo” e tudo o que fazemos é “parte de nossa obrigação para com a segurança do mundo”.

Assim, a Guerra do Golfo foi uma reação à proposta de Saddam Hussein de que os assuntos de outra região “vital para os interesses norte-americanos” fossem conduzidos por uma organização regional.

Chomsky analisa a relação dos Estados Unidos com os países sul- americanos e da América Central, mas é importante aqui tratar da análise que ele sugere e faz com relação ao Brasil:

O exemplo que sugiro analisar é o Brasil, descrito em décadas anteriores como “o colosso do sul”, um país com enormes riquezas e vantagens e que deveria ser um dos mais ricos do mundo. “Não há no mundo melhor território para a exploração do que o Brasil” observou o Wall Street Journal há 70 anos. Na época os Estados Unidos cuidavam de deslocar seus principais inimigos, França e Inglaterra, embora estes conseguiram ficar até a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos deram conta de excluí-los da região e apossar-se do Brasil como “área de experimentação para métodos modernos de desenvolvimento industrial”, nas palavras duma muito reputada monografia escolástica sobre as relações Estados Unidos Brasil, escrita pelo historiador e diplomata Gerald Haines, que também é prestigioso historiador de Cia, esse foi elemento componente dum projeto global, onde os Estados Unidos “assumiram por interesse próprio a responsabilidade, visando o bem-estar do sistema capitalista mundial “ (Haines). Desde 1945, a “área de experimentação” têm sido favorecida por intensa orientação e tutela dos Estados Unidos. O resultado é “uma verdadeira história de sucesso americano”; as políticas americanas para o Brasil têm tido enorme “êxito”, gerando “um crescimento econômico impressionante, baseado solidamente no capitalismo”, um testemunho vivo dos nossos objetivos e valores.(CHOMSKY, 2008, p. 14)

Continuando sua análise sobre o Brasil Chomsky afirma que no caso do Brasil o sucesso das investidas dos Estados Unidos sobre o Brasil é real. Os investimentos e ganhos norte-americanos floresceram e a pequena elite brasileira deu-se maravilhosamente bem: um “milagre econômico”, no sentido técnico do termo. Até

1989, o crescimento brasileiro chegou a superar com vantagem o do Chile – muito elogiado- que ora é o aluno-estrela, pois o Brasil “

[...]sofreu um colapso e com isso mudou automaticamente de triunfo de uma democracia de mercado para amostra dos fracassos do estatismo, se não marxismo – uma transição realizada sem esforços e de forma rotineira dentro do sistema doutrinal, conforme as circunstâncias exigirem”. (CHOMSKY, 2008, p. 14)

Enquanto isso, no apogeu do milagre econômico, a esmagadora maioria da população situava-se entre as mais miseráveis do mundo.

Sobre o momento do "milagre brasileiro", Celso Furtado50 se expressa:

Em síntese, nesse período, não obstante um considerável aumento do produto interno, não se assinala, na economia brasileira, nenhum ganho de autonomia na capacidade de auto-transformação, nem tampouco qualquer reforço da aptidão da sociedade para auto-financiar o desenvolvimento". Nesta época, o Brasil tornou-se exportador de manufaturados para muitas empresas multinacionais em busca de economia no custo da mão de obra. Nos centros urbanos das regiões mais industrializadas do país, as pressuposições do individualismo tornaram mais verídicas para a maioria, à medida que aqueles que tinham capital humano procurado pelo “mercado” tiveram a oportunidade de conquistar bons empregos e gozar de um padrão de vida muito melhor. (SINGER, 1998, p. 83)

A história de sucesso para investidores estrangeiros e uma fração da população refletem os valores por que se norteiam os tutores e realizadores dessa política. Seu objetivo, como descrito por Haines, consistia em “eliminar toda competência estrangeira” da América Latina, a fim de “manter a área como um mercado importante para o surplus da produção industrial norte-americana e investimentos privados e explorar as amplas reservas de matérias primas e manter afastado o comunismo internacional”. Com relação ao “comunismo” que pretendiam afastar, assinala Haines que a inteligência norte-americana não encontrou indícios de que o “comunismo internacional” tenha tentado “se meter”, mesmo se isso tivesse sido uma possibilidade. O Temor ao comunismo, e às tentativas de conter a ameaça mundial às democracias de mercado, levaram a preparação do golpe dos militares em 1964 no Brasil. Fato que teve efeito dominó estendendo a repressão a partir do “Colosso do sul” através de todo o continente, com apoio e envolvimento dos Estados Unidos. O modo como alguns se referem aos comunistas é digno de menção:

O termo comunismo no sentido técnico da cultura de elite foi incisivamente esclarecido por John Foster Dulles numa conversa com o presidente Eisenhower, que observara tristemente que no mundo todo os comunistas locais desfrutavam de vantagens injustas. Eles tinham condições de “apelar

diretamente para as massas”, queixava-se Eisenhower. È um recurso “que nós não podemos imitar”, acrescentou Dulles, explicando por quê: “Eles apelam para os pobres, e estes sempre quiseram roubar dos ricos”. Nós achamos difícil “apelar para as massas”, em vista do nosso princípio de que os ricos têm de roubar aos pobres, um problema de relações públicas que fica sem solução. .(CHOMSKY, 2008, p. 16)

Essa visão negativa dos pobres está na base dos processos da segregação, medo e violência urbana.