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Para Yves Pedrazzini53 casos de violência urbana estão na mídia mundial. Ela está em toda parte, em todos os jornais, porém, pouco se sabe a seu respeito porque, cada novo acontecimento contribui para encobrir seus reais problemas.Segundo Pedrazzini, uma nova forma de abordar o problema da violência seria [...] “não se limitar a discutir a relação entre violência e urbanização, mas

questionar como a globalização contribui atualmente para modificar sua natureza”.54

Nesta mesma direção muitos teóricos como Bauman e Wacquant encaminham seus estudos sobre a violência e o medo urbano.

PORQUE A VIOLÊNCIA URBANA ?

Ao falar sobre as causas da violência, Pedrazzini lembra uma frase de Sloterdjick que mostra o quanto pode ser complexa a questão da violência no mundo atual: “Uma das características da condição humana é colocar os homens diante de questões desafiadoras a serem solucionadas”.55 Segundo Pedrazzini, enquanto os problemas parecem cada vez mais complexos, as respostas foram simplificadas desde a pré-história. Enquanto não se responde satisfatoriamente a indagação acima, percebemos que os reais problemas do mundo, como a violência e a insegurança, são administradas por agentes policiais. (PEDRAZZINI, 2006)

Para Pedrazzini, escrever sobre a violência urbana “ [...] significa abstrair-se dos fatos violentos para traçar um panorama urbano genérico, em uma época dominada pela globlização econômica.” (PEDRAZZINI, 2006, p.14)

É importante que se possa compreender o impacto da globalização econômica nas cidades, no destino das grandes aglomerações, na urbanização contemporânea, não se esquecendo de pensar o modo como as indústrias globalizadas reagem e rompem a coesão social para mergulhar os habitantes das cidades na pobreza e violência. Estas ficam no esquecimento, estão nas favelas

53 Yves Pedrazzini é pesquisador do Laboratório de Sociologia Urbana da escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, no âmbito do Programa Nacional de expertise em Pesquisa “Nord-Sud”, ele coordena trabalhos sobre a violência e a segurança urbana na África e na América Latina.

54 PEDRAZZINI, 2006, p.13

em torno das cidades coloniais e modernas, nas casas de tijolo e papelão construidas por gente privada de sonhos de liberdade.(PEDRAZZINI, 2006)

Pode-se entender que para se estudar a violência urbana, significa também tentar compreender:

[...] a tática dos pobres exasperados pela espera, as estratégias permeadas por objetivos incertos e motivações obscuras; é conhecer o método que empregam para alimentar-se, quando suas mesas estão vazias e não lhes é mais oferecida a oportunidade de se proletarizar. Escrever sobre a violência urbana é tentar falar de lutas anônimas. Quando as armas de sobrevivência substituíram a pá, a foice e o martelo, passammos a falar de guerras ocultas que deixam transparecer apenas a violência urbana.( PEDRAZZINI, 2006, p.14)

Pedrazzini ao tratar sobre a violência nas cidades abre uma importante análise a partir da indagação: “se as cidades são mesmo violentas porque nos obstinamos a viver nelas?” Para ele, “[...] a violência das cidades tornou-se um fato consumado, um objeto de civilização, no qual apenas os aspectos técnicos (segurança, repressão) são administrados”. (PEDRAZZINI, 2006, p. 17)

Dentro desse modo de perceber a violência, resta aos habitantes das cidades a busca de proteção individualizada, o que acontece em muitas cidade brasileiras onde o problema da violência não é tratado de modo conveniente, quando muito usando apenas a repressão violenta ao crime, deixando as reais questões sem respostas. Quem é responsável pela insegurança das cidades? Como as cidades poderiam ser menos violentas e mais seguras? São perguntas, que todos preocupados com a violência urbana devem fazer e que Pedrazzini tenta responder. Falando de metrópole e violência:

O olhar centraliza-se no novo umbigo do mundo, a metrópole: o barômetro da modernidade, a beleza de suas vitrines estilhaçadas pelas crianças. A violência urbana é delas, pois é vista muitas vezes na televisão, aprimorada nas esquinas, testada no pátio das escolas e aplicada nas relações familiares e amorosas. Os filhos dos pobres nos assustam porque revelam o futuro. Mas os pobres continuam sendo os bandidos da história, pois esta foi e será sempre contada pelos ricos. (PEDRAZZINI, 2006, p. 18).

As ideias preconcebidas sobre a violência dos pobres e a sua crueldade ameaçam mais a coesão social do que “[...] as supostas classes perigosas que procuram construir uma paz generalizada no caos das grandes cidades diante do drástico crescimento das desigualdades sociais”. (PEDRAZZINI, 2006, p. 18). Pedrazzini considera a pobreza:

[...] a última violência das sociedades pacificadas e democráticas, mas é a mais terrível, porque o castigo imposto pelas camadas dominantes não a elimina. Quando os pobres tornam-se violentos, são logo exterminados pela

polícia56, sem levarem um centavo, contrariando o que diz uma certa elite internacional. Para combater as idéias que deturpam a realidade e nos inserem em uma sociedade do medo, devemos propor novas idéias sobre a relação entre a violência e a cidade. (PEDRAZZINI, 2006, p. 18).

A percepção de Pedrazzini de que os pobres são considerados como “produtores” da violência urbana é compartilhada por Bauman, Wacquant, Malagutti e outros estudiosos da violência nas cidades. Os pobres são vistos como os únicos responsáveis pela derrota da coesão social. Esse “reconhecimento” perverso do pobre ocorre na maioria dos países por meio de operações como “tolerância zero”.

Teresa Pires Caldeira mostra como a imagem do trabalhador pobre, é confundida com a imagem de bandido, e por isso muitas injustiças são cometidas.

Para a polícia, como para muita gente, a fronteira que separa a imagem do trabalhador pobre da do criminoso é de fato muito tênue. Em conseqüência, membros das classes trabalhadoras podem ser molestados pela polícia, mortos como criminosos e suas reações naturais de medo (como fugir) podem ser interpretadas como comportamento de criminoso. (CALDEIRA, 2000, p. 182)

Segundo PEDRAZZINI:

No progresso da humanidade qualificado pelo filósofo Norbert Elias de

processo de civilização, nossa sociedade teria domesticado progressivamente sua violência a partir da Idade Média ou fim das conquistas coloniais, tornando-se uma civilização contra-a-violência, na qual a violência seria considerada arcaica, selvagem e animal. Os atos de barbárie cometidos desde então – guerras, pilhagens, extermínio, revoluções, genocídios, guerras civis, guerrilhas, revoluções, deportações, assassinatos políticos, mortes passionais, violências domésticas, incestos, pedofilia, campos de concentração, terrorismos, penas de morte, máfias, tráficos, corrupções, segregações, explorações, exclusões, sadismos – seriam resíduos de épocas remotas, condenados a desaparecer com o progresso moral da humanidade. Seria um exagero acreditarmos que nossa violência tenha deixado belas ruínas.57 (PEDRAZZINI, 2006, p.19).

“A urbanização é o mercado espetacular da violência”

A violência urbana é considerada um fenômeno de múltiplas relações, longe de ser um fenômeno isolado, percebe-se que sua relação com processo de urbanização assume aspecto caótico onde a densificação ou a privatização dos espaços públicos, as segregações sociais e raciais tendem a levar a percepção e consideração das atividades informais e ilegais, violentas ou não (PEDRAZZINI,

56 Nos bairros populares, não é raro que seus habitantes temam mais a polícia que os próprios “bandidos”. Sobre o caso africano, ver, por exemplo: Pérouse de Montclos (1997). Nota do autor da citação.

57 Para compreender a história dessas violências e conhecer sua procedência, ler: Chesnais (1981). Nota do autor da citação.

2006) “[...] indicadores de uma transformação mundial da civilização urbana. A informalização da urbanização é uma resposta das populações carentes à globalização e às políticas de segurança, na medida de seus meios”.(PEDRAZZINI, 2006, p. 20).

Para PEDRAZZINI:

[...] a cidade contemporânea é perigosa na medida em que a globalização a divide em fragmentos antagônicos, transformando-a em um conflito de forças e interesse. Esse fenômeno já era manifesto em 1862, quando Karl Marx analisava o que poderíamos qualificar de atividades criminosas da globalização, pois “deixando a esfera do crime particular, se não houvesse crimes nacionais, teríamos um mercado mundial ou simplesmente das nações”? (Marx, 1971, p 218). Nesse sentido, não poderíamos excluir a violência do campo político. A violência das gangues de rua de Abidjan é tão política quanto a dos índios zapatistas, pois ambas respondem, de maneiras diversas e em contextos diferentes, a uma mesma violência genérica, a esse mesmo crime que é a globalização da economia neoliberal.58(PEDRAZZINI, 2006, p. 70).

58 O subcomandante Marcos, chefe do exercito zapatista mexicano de libertação e herói da

antiglobalização, fala do combate contra o neoliberalismo como a Quarta Guerra Mundial (a Terceira foi, supostamente, a Guerra Fria). Ver: Subcomandante Marcos (1997). Nota do Pedrazzini.