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Capítulo 2. DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

2.2. Evolução da Democracia Participativa

2.2.5. Democracia participativa em outros países

Nesse tocante, cumpre destacar primeiramente o estudo intitulado Instrumentos de participação popular no direito constitucional europeu e latino-americano, de Complak (2007), Professor de Direito Constitucional da Universidade de Wroclaw, na Polônia, quando compara a doutrina européia e latino-americana.

De acordo com ele, tanto a doutrina quanto os próprios textos constitucionais europeus mostram-se pouco entusiastas quanto à ampliação da democracia participativa. Assim é que entre os vinte e sete países da União Européia apenas em doze está prevista em sua Constituição uma forma de participação direita do povo na gestão dos assuntos públicos. E mais, somente na Constituição de dois Estados, Eslovênia e Lituânia, o exercício direto do poder do povo precede o exercício por meio de representantes.

Quanto aos países latino-americanos, ainda segundo aquele autor, somente três, Costa Rica, México e República Dominicana, têm um puro regime representativo. Todos os demais têm procurado alavancar os instrumentos de participação direta. No campo doutrinário, o autor assim sintetiza:

Os cultores do direito constitucional de ambos os lados do Atlântico têm – no que tange a democracia – pontos de vista opostos. Os teóricos europeus na sua maioria pronunciam-se a favor da democracia representativa, enquanto que os autores latino- americanos tomam o partido do amplo emprego das instituições populares. Isto não exclui a existência de correntes minoritárias nestes quadrantes científicos.( COMPLAK, 2007)

Note-se que a maior parte da doutrina sempre se coloca receptiva quanto a implantação da democracia participativa, embora poucos realmente trabalhem no sentido de criar modelos ou soluções para os problemas existentes, limitando-se a criticar os desvios identificados. O próprio Complak (2007), em nota de roda-pé, reconhece ser difícil identificar os experts contemporâneos contrários abertamente à democracia participativa, de vez que a sua oposição é normalmente indireta ou oculta.

Especificamente sobre o uso das consultas populares, nota-se diferentes procedimentos na América Latina, Estados Unidos e Europa, conforme também demonstra a obra já clássica Referendums around the world, organizada pelos Profs. David Butler e Ranney Austin (1994).

De acordo com aqueles renomados professores, o uso de consultas populares na America Latina tem obdecido a dois padrões típicos: usadas para reformas constitucionais, ou convocadas pelo Executivo para contornar crises específicas. O referendo para a aprovação de reformas constituicionais é geralmente previsto pelo próprio texto constitucional, mas pode acontecer como resultado de acordo da classe política (como ocorreu no Brasil, na consulta de 1963). Dentre todos, o país que mais se destaca é o Uruguai, que prevê e usa a iniciativa dos cidadãos para a convocação de plebiscito, a qual deu origem a importantes mudanças legislativas. Nos demais pa[ises latino-americanos, excetuando o Uruguai, a maior parte das consultas resultou de iniciativas do Executivo.

Curiosamente, os Estados Unidos é uma das poucas democracias que nunca realizou um plebiscito de âmbito nacional. Em contrapartida, as consultas realizadas pelos Estados são muito frequentes, quase rotineiras para alguns, tendo em vista a autonomia legislativa de cada ente federado. As consultas são realizadas por iniciativa direta dos cidadãos ou por convocação de seus representantes nos Legislativos estaduais.

De acordo com um estudo bastante completo sobre o assunto, de Magleby (1994), trinta e oito por cento das proposições resultantes de plebiscitos convocados diretamente pela população foram aprovadas. Magley ressalta que embora a possibilidade de a população convocar plebiscitos tenha sido constitucionalizada nas primeiras duas décadas do séc. XX, foi somente a partir dos anos 70 que os plebiscitos ou referendos passaram a ser efetivamente usados por mais da metade dos estados americanos.

Relativamente aos principais temas objeto de consultas, Magley enumera os seguintes: impostos (vinte e cinco por centro das consultas versavam sobre matéria fiscal), legalização do aborto, direito dos gays, questões ambientais, pena de morte, desarmamento ou controle de armas, seguro de automóveis, planos de saúde, limite para reeleição dos representantes e questões relativas a discriminação racial.

Na Europa ocidental, ainda de acordo com Butler e Ranney (1994), os referendos e plebiscitos não são muito freqüentes, ressalva feita a Suíça e a Itália.

A Suíça é de longe o país que mais utiliza as consultas populares. Em 1993, dos oitocentos plebiscitos de âmbito nacional realizados em todo mundo, a metade foi de iniciativa do povo suíço. Nesse tocante, a democracia suíça se destaca não apenas pelo número de consultas populares, mas sobretudo pelo poder conferido aos eleitores de impor uma medida contra vontade dos governos.

De todos os países europeus, somente a Itália acompanha a Suíça no uso da iniciativa popular para a convocação de plebiscito. Registre-se que a Áustria também prevê a possibilidade de iniciativa popular para convocação de plebiscito, sendo este meramente consultivo.

2.3. Democracia Participativa no Brasil

A participação direta do cidadão na gestão pública é princípio consolidado na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948 pelas Nações Unidas, na qual se lê em seu art. XXI, inciso I, que “todo homem tem o direito a tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos”.

Contudo, embora tenham decorrido mais de sessenta anos, poucas constituições reproduziram o conteúdo desse dispositivo.

O Brasil o fez apenas na Constituição Federal promulgada em 1988, cujo parágrafo único do art. 1º ordena: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Antes, todas as constituições republicanas expressamente consagraram a soberania popular, a ser exercida pelo regime representativo. 2.3.1. Participação popular: antecedentes históricos

A nossa primeira experiência exitosa de participação direta deu-se com o referendo realizado em 6 de janeiro de 1963, no governo de João Goulart. Nesse período, após a renúncia de Jânio Quadros, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 19615, que garantiu a posse do Presidente Goulart, mas alterou o sistema de governo, facultando à lei dispor sobre a realização de plebiscito para a manutenção do sistema parlamentarista ou o retorno do presidencialismo. Em 16 de setembro de 1962, foi editada a Lei Complementar nº 26, de

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Anexo A - Texto integral conforme publicação original extraída do site:

http://www2.camara.gov.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-4-2-setembro- 1961-349692-norma-pl.html, acesso em: 28/02/2100.

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Anexo B – Texto integral conforme publicação original extraída do site:

http://www2.camara.gov.br/legin/fed/leicom/1960-1969/leicomplementar-2-16-setembro-1962- 541565-norma-pl.html. Acesso em: 27/02/2011.