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Capítulo 1. DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

1.2. Natureza Teórica da Representação

1.2.3. Representação como reflexo de alguém ou de alguma coisa

Esse modelo, também conhecido como representação por espelho, é, historicamente, mais recente e mais realista que o anterior. De certo modo, este modelo deriva da crise do sistema de representação como relação de confiança que se assentava no princípio de soberania nacional (ou vontade popular). Um segundo significado, denominado por Nogueira de sociológico, desdobra a idéia de representação em representatividade, no sentido de “semelhança ou de proporcionalidade da parte com o todo” (NOGUEIRA, 1999). Seria a representação simbólica, segundo a terminologia de Pitkin (2006), em que a materialidade fala mais alto do que a consonância de conteúdos abstratos.

A representação concebida como espelho enxerga a sociedade como dividida entre variados grupos de interesses ou classes sociais. A idéia de bem comum gradualmente cedeu lugar ao princípio de pluralismo e conflito de interesses. Desse modo, as instituições representativas acabariam por "espelhar" politicamente a heterogeneidade de interesses presentes numa sociedade.

A teorização sobre representatividade deriva das idéias relativas ao voto proporcional, que começaram a ser discutidas na Inglaterra, no final do século XIX, embora nunca tenha chegado a ser aplicado naquele país. Um dos principais precursores do sistema de representação proporcional foi John Stuart Mill (1980), a partir das teses expostas em seu ensaio Considerações sobre o Governo Representativo.

Stuart Mill propõe a implantação de um governo representativo como forma de estabilizar o sistema político. O autor, preocupado com um futuro confronto entre a maioria intolerante e a minoria oprimida, que culminaria com a sublevação desta e subseqüente tomada de poder, apresenta como solução um novo modelo de representação política, através da ampliação do sufrágio, que passaria a ser “acessível a todos os que se encontram nas condições normais de seres humanos”, inclusive às mulheres, e do incentivo à educação pública.

Inicialmente, Stuart Mill avalia que há duas grandes formas de entender a política. Uma delas visão imagina a política como um ramo das Ciências Naturais, cuja forma de governo depende dos hábitos, costumes, meio geográfico e outros elementos pré-definidos de um determinado povo. A outra, ao qual se aproxima, enxerga a política como uma arte na qual a determinação de uma forma de governo depende exclusivamente da escolha dos cidadãos.

Tentando conciliar essas duas posições, ele parte do pressuposto que as instituições políticas são produtos da ação humana e ao desejo humano devem sua origem e existência. Todavia, entende que o sistema político não age de forma autônoma, precisa da participação ativa da sociedade. Isto implica no ajustamento do sistema às capacidades e qualidades dos homens disponíveis, exigindo o atendimento a três condições: a) população a qual as instituições políticas se destinam devem desejar esta forma de governo ou, ao menos, não se opor a ela a ponto desta oposição ser um obstáculo intransponível; b) Esta população deve desejar e ser capaz de manter o sistema em funcionamento; c) Ela deve desejar e ser capaz de fazer - ou deixar de fazer - o que é necessário para atingir os objetivos.

As formas de governo, uma vez observadas essas três condições, seria, portanto, uma questão de escolha. A procura e debate sobre qual seria

a melhor forma de governo de forma abstrata seria, assim, um exercício útil do intelecto na medida em que este debate pode colaborar para a superação das condições desfavoráveis e desenvolvimento de uma consciência dos cidadãos que permita o atendimento das três condições estabelecidas por ele.

Stuart Mill reconhece que há profundas forças sociais que atuam sobre o processo político, algumas das quais baseiam sua força na existência de uma maioria de poder apenas potencial na sociedade. É o debate em torno das instituições políticas possíveis que liberta parte deste potencial porque a persuasão pode mobilizar muito mais forças que os meros interesses materiais mais imediatos.

Objetivamente a qualidade de um governo poderia ser medida, assevera Mill, pela eficiência com a qual um governo divide internamente as suas tarefas e responsabilidades, ou seja, no grau de eficiência com a qual ele promove o gerenciamento da distribuição dos negócios da sociedade entre seus membros e o efeito desta distribuição na melhora ou deterioração dos talentos da sociedade.

Seguindo a linha de seu pensamento, a melhor forma de governo para uma determinada sociedade seria, idealmente, aquela na qual se produz a maior quantidade de conseqüências benéficas imediatas ou posteriores. Para ele, um governo completamente popular seria o único que poderia atender a esta exigência por dois motivos: a) os direitos e interesses só teriam uma salvaguarda absolutamente segura nas mãos do próprio interessado; b) a prosperidade geral está diretamente relacionada à quantidade e variedade das energias empenhadas em promovê-la.

A forma ideal de governo para Mill seria, assim, aquela na qual a soberania está depositada sobre a totalidade da comunidade, com cada cidadão tendo direito a voz e, pelo menos ocasionalmente, sendo chamado a tomar parte diretamente no governo ocupando algum cargo. Para garantir a participação das minorias, Mill engendra um sistema de representação proporcional, no qual o voto não tem valor igual, mas com pesos diferentes. O voto das pessoas cultas e com maior grau de educação deveria ter um peso maior em relação aos demais cidadãos. Não faria parte do colégio eleitoral os analfabetos, os que não pagam impostos, os que tiverem recebido ajuda do governo e os inadimplentes. Com tais restrições, estaria garantido, na prática, que nenhuma minoria atingisse a maioria numérica de desequilibrasse o sistema.

A escolha de representantes por meio da adoção do voto proporcional representou o primeiro passo na direção de um sistema representativo com base na concepção de representação política como

reflexo de alguém ou de alguma coisa. Desta forma, concebendo-se a representação como espelho da comunidade, passa-se a tomar como critério de representatividade a correspondência de características existentes entre representados e o corpo representativo. Equivale a dizer que o representante está representando alguém, levando em consideração as suas semelhanças.

Como conseqüência da caracterização desses novos sujeitos coletivos, passa-se a verificar a diversidade de partidos políticos (partidos operários, étnicos, feministas etc.) e a teorização sobre a natureza dos mandatos políticos.