• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1. DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

1.3. Teoria do Mandato Político

Segundo Mezzaroba (2004), há, pelo menos, três modelos distintos de mandato: imperativo, representativo e partidário.

No modelo de mandato imperativo, também chamado de representação delegada, o eleito fica totalmente vinculado aos interesses do eleitor. O mandato imperativo parte do pressuposto teórico de que a soberania está pulverizada em cada indivíduo que compõe a sociedade. De sorte que todos os atos dos representantes para que tenham legitimidade estão sujeitos à aprovação previa dos representados. O princípio da soberania inalienável, indelegável ou intransferível foi o fundamento utilizado por Rousseau para defender esse modelo.

Como já exposto, o modelo surgiu nas sociedades medievais feudais. Atualmente, a teoria do mandato imperativo só é observada, em certa medida, nos países pouco populosos que adotam o sistema de eleições por distritos. Nestes casos, como ocorrem nos cantões suíços, os mandatários representam apenas as circunscrições pelas quais foram eleitos, sendo assim mais fácil receber instruções e cumpri-las. Em caso de não cumprimento, os mandatários podem ter o seu mandato revogado.

O surgimento do liberalismo e o predomínio da doutrina da soberania nacional, una e indivisível condenaram o sistema de mandato imperativo, proporcionando a formação da uma nova teoria sobre representação política nacional, cujo principal defensor foi Sièyes. Em substituição ao mandato imperativo, surge então o mandato representativo ou representação virtual, que pressupõe o deslocamento da soberania nacional para o órgão representativo, assim que decorridas as eleições. O entendimento é de que o titular do mandato político representa o povo na sua totalidade e age livremente. Muito embora as opiniões dos representados devam ser levadas em consideração e respeitadas, os representantes não estão obrigados a seguir à risca as suas instruções.

Esse é o modelo mais praticado nos países com experiências democrático-representativas, constituindo-se típico do governo representativo.

Por fim, o modelo de mandato partidário, que vem gradativamente superando o modelo de mandato representativo. Por esse modelo, o eleito deixa de estar vinculado ao eleitor, passando a vincular-se ao partido que o elegeu.

O partido político passa, assim, a protagonizar todo o processo, tendo por atribuição agrupar as vontades individuais coincidentes e interpô-las, de forma conjunta, na esfera estatal. Portanto, a organização partidária nasceria de um processo sócio-político que envolveria um conjunto de pessoas com afinidades ideológicas e com um projeto definido de ação de governo. Nesse novo modelo, os verdadeiros candidatos são os partidos com seus programas e não os indivíduos que postulam cargos eletivos.

Entre nós, a partir da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, exarada no Mandado de Segurança n. 26.603-DF, verifica-se que o nosso modelo encontra-se em transição. De acordo com a inteligência daquela Corte, o detentor de mandato eletivo encontra-se vinculado a agremiação que o elegeu por determinação e vontade do eleitor, conforme se depreende no trecho daquele acórdão in verbis:

[...] A NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O "SISTEMA PROPORCIONAL". - O mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da

indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas conquistadas

no processo eleitoral resulta de "fundamento constitucional autônomo", identificável tanto no art. 14, § 3º, inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade) quanto no art. 45, "caput" (que consagra o "sistema proporcional"), da Constituição da República. [...] A ruptura dos

vínculos de caráter partidário e de índole popular,

provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem,

frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores. [...] Sem dúvida essa decisão do Supremo Tribunal Federal foi de todo louvável, oportuna e acertada, pois a partir dela firmou-se o entendimento de que o nosso modelo de democracia representativa é partidário. Tal decisão repercutiu de forma positiva e bastante significativa para a melhoria do quadro partidário, com a contenção do movimento migratório entre partidos, especialmente antes do esgotamento do prazo de filiação e após as eleições, e com o consequente desestímulo para a criação dos partidos de ocasião, também chamados de legendas de aluguel.

Contudo, apesar desse avanço que essa nova orientação jurisprudencial representou para a moralização da vida partidária, recentemente, o Supremo claudicou quando do julgamento de dois mandados de segurança4, que versavam sobre a assunção de suplente.

Aquela Corte entendeu que embora o mandato pertença ao partido, em caso de vacância, quem tem direito ã suplência não é o suplente do partido, mas o da coligação. De acordo com a explicação dada pelo voto do Ministro Joaquim Barbosa, diante da ocorrência de coligação não há mais que se falar em partido, porque no quociente eleitoral passa a se referir ã coligação.

Assim, embora o entendimento em favor do fortalecimento dos partidos tenha sofrido esse retrocesso, estima-se que seja temporário, haja vista as duras críticas feitas naquela ocasião pelos ministros ao sistema de coligação partidária. Par a maioria da Corte, as coligações embora sejam ainda constitucionais”consistem em arranjos circunstanciais que, na prática, acabam por debilitar os partidos políticos e o sistema partidário, em prejuízo do próprio sistema democrático. A tendência claramente perceptível é que entre nós o instituto da coligação está com data de validade vencida. A expectativa é, portanto, a extinção das coligações nas eleições proporcionais e afirmar-se a concepção do mandato partidário.

4