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7.2 A Subordinação Jurídica e a Teoria da Dependência

7.2.3 Dependência hierárquica

O termo hierarquia, conforme o antigo Dicionário Lello da língua portuguesa (1948), pressupõe ordem, subordinação e sugere autoridade eclesiástica; por sua vez,

subordinação, locução de origem latina significa dependência e, precisamente pelo prefixo “sub”, estar abaixo de ou por baixo e o radical “ordin+ação”, ação de ordenar, como “ordenança” que é significativo de ordem, mandato, lei, regulamento de manobras militares (LELLO, 1948, p. 712, 933, 1184). Etimologicamente, hierarquia quer dizer sociedade governada por autoridade sagrada, de pessoas subordinadas umas às outras e unidas por um vínculo, que, em se tratando de relação de emprego, é a razão econômico-social da empresa econômica (MESQUITA, 1950, p. 42).98

Para Russomano (1995, p. 55), o trabalhador que não estiver hierarquicamente

subordinado ao empregador não será trabalhador empregado, pois a subordinação jurídica é o direito de dar ordens nos limites da lei, convenção, contrato e do poder disciplinar do empregador.

Aldacy Coutinho (1999, p. 175), seguindo as orientações de Foucault, indica que a aceitação do poder punitivo advém da lógica do poder de direção é do poder hierárquico; que é uma instância de um micropoder à disposição de um macropoder, um complexo de controle exercido por um órgão de dominação, que recai sobre um conjunto de indivíduos numa instituição, como o Estado ou empresa; portanto, o micropoder revela-se como controle sutil e eficaz dos limites da consciência e das dimensões da alienação, para garantia da aceitação dos comandos, revelada nas pequenas situações.

E na perspectiva de Weber, para Reginaldo Melhado (2003, p. 206), verifica-se a concepção da hierarquia dos postos de trabalho com uma peculiar disciplina que submete desde o movimento mais simples do operário à cadência da máquina; e não só pelo que se produz, mas também quanto ao método de produção, daí a dominação legítima pela vontade e

98 Na relação de trabalho, que se processa na empresa, a palavra “hierarquia” supõe, necessariamente, uma pluralidade de pessoas, a qual constitui um organismo social. [...] A função primordial da hierarquia é manter a unidade de ação dos elementos dispersos e variados. Ora, em se tratando de um organismo social, isto é, composto de diferentes pessoas humanas, é necessário que haja uma conjugação da liberdade das mesmas em relação à unidade para a qual a ação das referidas pessoas deve tender. Esse equilíbrio se obtém graças à

autoridade hierárquica, a qual, por uma diferenciação de funções, faz com que certos elementos do grupo – os

superiores hierárquicos – dirijam a ação dos outros – os inferiores hierárquicos – para o fim comum da empresa (MESQUITA, 1950, p. 42).

opção de obedecer, um consentimento da autonomia privada manifestada pela vontade motivada por razões de tradições, encanto do súdito pelo líder ou à idéia de eficácia do contrato; eis que, na moderna economia, os trabalhadores estão expropriados dos meios de produção e abandonados à concorrência pelas probabilidades de salário, cuja preocupação se dá pela reprodução biológica do trabalhador e de sua família.

Já foi explicitado, contudo, em tópico anterior, que a instituição primeira foi a linguagem. E dela outras advieram, as chamadas instituições segundas, como a família para assegurar a reprodução e a sociabilização da geração seguinte; ou da subsequente polis, que, notadamente, assim como a família se perfaz pela organização de funções hierarquizadas para seu funcionamento (CASTORIADIS, 2004, p. 151).

A empresa capitalista é também uma dessas instituições segundas e carrega consigo um conjunto de dispositivos e regras para almejar o seu objetivo principal, o lucro. Para existir no mercado, a empresa deve dispor de dispositivos e regras para direcionar e controlar pessoas em atividades direcionadas para a obtenção do objetivo principal, impondo-lhes a utilização de utensílios, técnicas, máquinas e equipamentos que, para o desempenho de sua razão funcional, só se resolvem mediante uma organização hierárquica. Ou seja, a instituição empresa capitalista só pode se realizar no mundo concreto mediante uma forte estrutura organizacional hierárquica.99 Nesse sentido, especialmente sobre a instituição como fundamentação para a punição, Aldacy Coutinho (1999, p. 124) expõe que:

Dentre as inúmeras vantagens em fundamentar institucionalmente o poder sancionador, pode-se levantar a transfiguração de um poder em um direito, limitado, bem como a possibilidade de o Judiciário rever os atos praticados perquirindo se haveria abuso ou desvio de poder, ante a ligação com o escopo finalístico da comunidade organizada hierarquicamente. Os limites estariam exatamente no escopo do direito-função; o bem comum de todos é, ao mesmo tempo, limitação ao poder e determinante da ação de cada um.

Para Orlado Gomes e Elson Gottschalk (2008, p. 68), a empresa, sendo um complexo de bens materiais e incorpóreos (elementos humanos, materiais, intelectuais e tecnologia), tem três características fundamentais: independência contábil e financeira, risco da atividade econômica e subordinação hierárquica, esta última característica é o poder de mando

99 Também no mesmo sentido Santos (2009, p. 35): Fincados em uma concepção positivista-normativista da relação de emprego, os defensores da dependência pessoal (hierárquica) preocupam-se com aspectos operativos ou procedimentais, atribuindo-lhes substância jurídica, sem perceberem que também o recebimento de ordens traduz um aspecto metajurídico, qual seja a relação de poder que decorre da tensão dialética entre o capital e o trabalho. A afirmação de que o empregador possui poder de direção, em decorrência dos riscos que assume no negócio, e que a subordinação do trabalhador é consequência daquele poder, embute uma premissa lógica não expressamente manifestada: a de que o poder diretivo é decorrente apenas do direito de propriedade privada e não do sistema jurídico; este apenas o limita, mas não o constitui.

delegado, pois a racional organização da empresa exige a fragmentação parcial da hierarquia como princípio da desconcentração da autoridade que, em face de seu caráter supremo, permanece com a empresa.

Da empresa, como instituição, instrumentalizando a propriedade privada pelo contrato de trabalho, deflui os poderes do empregador para utilizar a força de trabalho do empregado em benefício dos interesses da empresa:

Tanto o poder regulamentar, anteriormente tratado, como o poder disciplinar

dimanam do direito de direção geral reconhecido pela ordem jurídica ao

empregador. É esse direito de direção geral que revela, claramente, o estado de subordinação do empregado e constitui o elemento característico do contrato de trabalho (GOMES, 2008, p. 70).

Mas é com Luiz José de Mesquita que se verifica a clássica sustentação teórica da

dependência hierárquica. Retido na concepção institucionalista de Maurice Hauriou e nos propósitos humanistas de Jacques Maritain100, define:

[...] a fundamentação do poder hierárquico na empresa-econômica, podemos defini-lo como faculdade em virtude da qual uma pessoa, o sujeito-ativo chamado superior hierárquico, exerce um direito-função sobre a atividade humana profissional de outra, o sujeito-passivo, chamado inferior hierárquico, segundo o interesse-social da instituição, para legislar, governar e sancionar, no que respeita à ordem profissional da empresa (MESQUITA, 1950, p. 49).

Para ele, o que caracteriza a relação de trabalho é atividade humana produtiva. Essa relação é de colaboração com a empresa, entre empregado e empreendedor de forma não igualitária, porque a empresa é, por sua própria natureza, hierárquica de funções e atividades, daí a submissão à autoridade humana do empreendedor, isto é, de subordinação das atividades do empregado às do empregador através de uma dependência hierárquica; portanto, uma

colaboração subordinada (MESQUITA, 1950, p. 40).

Para Galbraith (1984), o que antes era a vontade do patrão é, na atualidade, produto da burocracia que se dá por intermédio da hierarquia organizacional e de que,

Na antiga empresa, a submissão era ao proprietário; sua palavra, como foi dito, era lei. Na grande empresa, a submissão é aos processos burocráticos, em que muitos participam. O patrão, como ainda pode ser chamado, é o agente daqueles que lhe dão instruções; o poder que supostamente exerce é, ao menos em parte, prerrogativa

100 A respeito escreve Mesquita (1950, p. 49) “servindo-nos das lições de Jacques Maritain a propósito de como o homem se subordina à sociedade, podemos dizer: assim como o homem se subordina todo ele à sociedade segundo certas coisas que estão nele, mas não totalmente segundo que está nele, assim também a atividade humana profissional do empregado se subordina toda ela à empresa, segundo certas coisas que estão nela, mas não totalmente segundo tudo que está nela”.

daqueles que, percebendo sua vaidade, atribuem-lhe uma autoridade que, se fosse real, seria desastrosa. Seu título dentro da empresa expressa a realidade: o presidente da diretoria executiva é apenas o chefe entre aqueles com autoridade executiva. O que ocorre na empresa moderna ocorre também no órgão público. Ele, também, concentra o poder e depois o distribui entre participantes individuais. [...] Muito mais importante, entretanto, é a ilusão. Parte dela nasce, uma vez mais, da pomposa deferência que numa organização subordinados prestam aos seus superiores hierárquicos. Talvez mais importante, uma vez que a organização possui poder, o indivíduo sente que uma parcela desse poder é dele próprio. Sua submissão à organização é completa, mas, por algum processo subjetivo de partilha, algo desse poder lhe pertence (GALBRAITH, 1984, p. 187-188).

Essa submissão do trabalhador aos propósitos da empresa e à sua burocracia, é a submissão ao poder interno da empresa, mas cuja “colaboração”, tal como visto acima, vai além do liame contratual e da sua noção de dependência jurídica, pois é uma relação de colaboração condicionada pela submissão social, política e econômica.