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Teoria eclética ou institucionalismo impuro

7.1 A Natureza Jurídica da Relação de Emprego

7.1.3 Teoria eclética ou institucionalismo impuro

Sem a percepção da ilusão gerada pelo Direito comprometido com o controle do capital pela dependência econômica do trabalho assalariado, a doutrina justrabalhista, de forma majoritária, aponta o entendimento de uma flagrante oposição entre teoria institucional

com a vertente contratualista. Tal como se vê na visão corrente da doutrina especificando a

teoria institucional como anticontratualista! Essa classificação, todavia, merece outra ponderação, pois a escola francesa, ao desenvolver a teoria institucional, de forma correlata, se contrapunha aos excessos do liberalismo e do individualismo, buscando conciliar a institucionalização da relação de trabalho com a clássica noção do contrato, tal como o

contrato caminha para o estatuto, para uma situação institucional, em que o papel do contrato é de confirmar a via de acesso “em fazer entrar o trabalhador na sociedade profissional, determinando-lhe a aplicação individual de sua situação institucional” (MORAES FILHO, 2000, p. 297).

A interpretação jurídica deve considerar os elementos da história, da sociologia, da filosofia, da economia, que não devem ser desprezados. Essa noção deve-se estender ao objetivismo da mens legis e ao subjetivismo da mens legislatoris, desde que estes dois meios hermenêuticos não sejam os fatores de maior relevância na interpretação, sob pena de a interpretação da lei ou de um instituto jurídico se dar como no período passado da escola exegética que tinha como prevalência a interpretação filológica dos elementos gramaticais87.

Dito isso, no Relatório da Comissão Referente ao Anteprojeto da Consolidação das Leis do Trabalho, de 5-1-1942, composta por Luiz Augusto de Rêgo Monteiro, José de Segadas Vianna, Arnaldo Lopes Sussekind, Dorval de Lacerda e Oscar Saraiva, tem-se que a confissão daquele colegiado é importante referencial para a compreensão da influência do institucionalismo, ideologica e historicamente, na formulação da mensagem da Consolidação das Leis do Trabalho. Seguem trechos do referido relatório:

A ordem que presidiu a distribuição da matéria na Consolidação encontra seu fundamento não só no princípio didático e lógico da exposição em grau da

complexidade crescente, como também no espírito supercontratual ou

institucionalista que caracteriza o Direito Social [...] É que as denominadas normas institucionais constituem valores constantes da legislação de proteção ao trabalho, enquanto a estrutura do contrato do trabalho – individual, ou coletivo –comporta elementos variáveis de ajuste, em complementos dos imperativos constantes. [...] A procedência das normas sobre os contratos acentuou, portanto, a ordem estatutária ou a concepção contratualista, e isso porque a liberdade contratual pressupõe a igualdade dos contratantes, enquanto que o Direito Social reconhece, como um fato real, a situação desfavorável do trabalhador e promove sua proteção legal (apud

CATHARINO, 1982, p. 192).

E na Exposição de Motivos da Comissão Elaboradora do Projeto da Consolidação, de 31-3-1943, a respeito, com o subtítulo “Instituição ou Contrato”, constou:

Nesse intuito, a precedência das normas de tutela sobre os contratos acentuou, como afirmamos no primeiro relatório, que a ordem institucional ou estatutária prevalece sobre a concepção contratualista [...] Não admira, portanto, que a sistemática da Consolidação atenda a esse modo de ser do direito social, assinalando que a instituição prima sobre o contrato. (apud CATHARINO, 1982, p. 193).

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Luiz Fernando Coelho esclarece que, superando a interpretação gramatical, com a interferência da teoria crítica, a interpretação filológica assume a postura de ser uma interpretação linguística, valendo-se das noções da semiologia ou teoria dos signos (COELHO, 1981, p. 209).

Por isso é que, José Martins Catharino, na obra já citada, apresenta uma divisão classificatória distinta dos demais doutrinadores, expondo que a última vertente da natureza jurídica da relação de emprego é a teoriaecléticaou sincrética, a absorção moderada das duas concepções radicais, da instituição e do contrato.

Acompanhando o entendimento para interpretar a legislação nacional, Délio Maranhão (apud SUSSEKIND et al., 2000, p. 242), a respeito dos termos do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho88, arremata que essa definição legal é reveladora de um misto de contratualidade e institucionalismo.

Estendendo ainda mais a respeito da absorção da legislação trabalhista no Brasil, Catharino (1982, p. 195-196) registra o sincretismo legal entre as concepções contratualista e institucionalista na Consolidação das Leis do Trabalho, como expressão dos arts. 2º, 4º, 10, 444, 448, 468, 503, 766, concluindo o jurista baiano que na legislação brasileira pesa mais a vertente contratualista.

Inclusive, acrescente-se que a obra de Luiz José de Mesquita, a despeito de seu caráter disciplinador, tem o caráter eclético confirmado em várias passagens: que a relação de emprego é contratual no que se refere às prestações individuais e aos direitos e obrigações decorrentes, mas, ao mesmo tempo, uma relação institucional, de colaboração econômico-social entre empregado e empregador; e que isso decorre “de um mesmo objeto material existente em ambas as relações: a atividade humana laborativa do empregado, que, considerada de um prisma, constitui o objeto formal da relação contratual, e, de outro, faz o objeto formal da relação institucional” (MESQUITA, 1950, p. 39).

Então, o cenário que se apresenta, não é de prevalência do contratualismo nem do institucionalismo, mas do entrelaçamento de ambas as concepções, não só pelas afirmações a respeito da teoria imaginária da instituição e da doutrina de Maurice Hauriou; mas também porque o contratualismo por si só é insuficiente e até contraditório para explicar a relação de emprego.

Senão vejamos as teses de Barassi e de Carnelutti sobre a venda e compra da força de trabalho e da sua reificação em função da obrigação de dar, o que confundia o objeto cedido (força de trabalho) com o próprio trabalhador, realçando a falta de autonomia deste último. A doutrina reformula a tese contratualista. Verifica-se, assim, um esforço para encontrar a compreensão taxiológica da relação de emprego para conferir-lhe adequação jurídica e

88 CLT: Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de

emprego.Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo

empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. (Incluído pela Lei nº 8.949, de 9.12.1994).

simbólica num sistema imaginário em que todos têm liberdade e igualdade. É nessa direção, de um novo modelo de contrato legitimador do sistema, que se apega a defesa da doutrina, partindo da conexão aristotélica do gênero próximo com a diferença específica para passar em face das figuras similares contratuais.

A sujeição, que era o objeto da obrigação de dar, nas relações escravas e servis, encontrou na teoria contratualista moderna (DELGADO, 2011, p. 303) um novo mecanismo de conexão do trabalhador no sistema produtivo. Sai de cena a sujeição escravista e servil e colocam em seu lugar a invenção da subordinação trabalhista para garantir o gênero contratual da relação de emprego, preservando-lhe validade perante o ordenamento jurídico capitalista, conferindo outro modus operandi, pois troca-se a obrigação de dar pela obrigação de fazer.

Coadunando-se com esse sentido, Magano (1993, p. 29) ao expor o argumento da jurista italiana Luiza Riva Sanseverino, que seleciona como elemento fundamental do contrato a liberdade de consentimento estabelecida na formação e não no conteúdo do vínculo empregatício. E Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 304-305), seguindo a teoria de Renato Corrado89, engendra que é esse detalhe que impõe a especialidade ao contrato de trabalho, diferenciando-o das demais relações jurídicas contratuais similares de que o elemento distintivo e constitutivo da relação de emprego não está no objeto da prestação laboral, “mas precisamente no modo de efetuação dessa prestação – em estado de subordinação” (DELGADO, 2011, p. 304-305).

Passa a ser indubitável a questão da liberdade no fortalecimento jurídico do conceito de consentimento. Sobretudo, é o encontro da vontade livre das partes para o propósito da relação de emprego. Ilustrando essa vontade livre, Amauri Mascaro Nascimento (1995, p. 371) sustenta que é a inequívoca manifestação da vontade das partes, em que o empregador tem a vontade de encontrar o trabalho de alguém que pretende prestar-lhe serviços; e o trabalhador tem a vontade de ser esse alguém. E será inequívoca a vontade se o consentimento for manifestado livremente sem a interferência das modalidades de vícios de vontade que invalidam os atos jurídicos de direito comum, como erro, dolo, coação simulação e fraude

(NASCIMENTO, 1995, p. 269).

Na acepção contratualista, portanto, o consenso é a inserção da igualdade de anuência dos contratantes na relação, a partir de obrigações trocadas, cujo conteúdo deve ser de caráter sinalagmático-comutativo. Mas em se tratando da relação de emprego, especialmente em

89 Vide a respeito o comentário de Délio Maranhão (apud SUSSEKIND, 2000, p. 243) sobre a teoria de Renato

Corrado, e sua crítica à tese italiana que se resumia na obrigação de dar, esvaziando, por consequência, o trabalhador de personalidade moral e dignidade como pessoa humana, e que, para ele, a solução se daria pela admissão de que o contrato de trabalho se origina da obrigação de fazer.

relação ao empregado, não havendo igualdade de obrigações sinalagmáticas-comutativas, é uma imaginação da vontade! E essa imaginação da vontade, repetida sucessivamente na doutrina e na jurisprudência, torna-se fonte da ilusão jurídica.

Aldacy Coutinho (1999, p. 201), em relação ao trabalhador, antevê a ausência do aspecto subjetivo pressupondo o consenso, isto é, a presunção da vontade do trabalhador,

constituindo um mecanismo de legitimação do poder do empregador (COUTINHO, 1999, p. 185) que se manifesta na subordinação como característica do trabalho prestado. Ou, tal como justifica Evaristo de Moraes Filho (2000, p. 239), que o trabalhador, ao celebrar o contrato, abdica da sua vontade, para subordinar-se. Uma farsa, portanto, da consensualidade que se sobrepõe à vontade livre do empregado enquanto sujeito na relação de emprego.

Isso permite afirmar a ocorrência do fenômeno da ilusão jurídica de que os sujeitos são iguais na liberdade para contratar quem, quando e enquanto desejarem o negócio, mas, retirado o simulacro, o que se tem é que o “contrato de trabalho continua desempenhando a função ideológica de manutenção da estrutura capitalista”(COUTINHO, 1999, p. 94). Tanto é que jamais “um contrato de trabalho poderia, fruto de um consenso, ser admitido como válido ao assegurar a situação de supremacia de uma das partes para punir a outra” (COUTINHO, 1999, p. 199). Há, por conseguinte, um destempero no contrato, de incompatibilidade do seu conceito de bilateralidade na relação de emprego, considerando que ao trabalhador não é dado o poder de punir o empregador pela prática de falta contratual90 (MELHADO, 2003, p. 57). O poder de punição maior do empregador é a justa causa que, porém, vai além da rescisão contratual e além da situação patrimonial, atinge o Direito ao Trabalho e outras sanções morais, pecuniárias, profissionais, todavia, o “empregador não pode ser punido, se inadimplente, e tem contra si apenas a rescisão contratual, se for grave a conduta faltosa do empregador. Se for leve, nada pode fazer o trabalhador senão sujeitar-se ante tal falta”. (COUTINHO, 1999, p. 233).

A consensualidade, forjada pelo contratualismo de duas vontades convergente na relação de emprego, oculta a relação de ambivalência entre sujeição e liberdade, ou seja, de subserviência do trabalho alheio a outrem em troca de salário; e da ilusão do desejo de liberdade na conquista de segurança e proteção, na conquista de afeto e até mesmo de gozo em

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Especificamente, registra Melhado (2003, p. 57): “Com efeito, o empregador pode não apenas deixar de entregar sua obrigação (salário) ou dar por resolvido o contrato (se se trata de infração de natureza grave) diante do inadimplemento do empregado. Seus instrumentos de poder vão muito mais longe [...] Nesse aspecto evidencia-se claramente a incompatibilidade entre o conceito de bilateralidade contratual e a relação de emprego, pois ao trabalhador nunca é dado punir o empregador pela prática de uma falta. O poder punitivo desequilibra, portanto, a situação de isonomia jurídica que o discurso dos cânones taxiológicos tradicionais do direito contratual em apresentá-lo como um contrato sinalagmático.”

relação à compulsividade consumista que, nas palavras de Santos (2009, p. 23)91, “sem essa ambivalência o próprio capitalismo não subsistiria, pois as condições psicológicas ou morais para exploração da mão-de-obra não estariam presentes”.

E essa ilusão instada pelo capital, intermediada pelo contratualismo, persiste e se fortalece no institucionalismo. Pois a ilusão se dá na ideia de que a constituição da comunidade é fundada na igualdade e na liberdade. Ao subir, porém, nos calcanhares da crítica, o que se vê é a relação direta da hegemonia dos grupos dominantes fortalecidos pelos meios de produção no campo industrial, comercial, financeiro e pelos ideais de mantença dessa dominação. É a farsa dos interesses sociais promovidos pela empresa-instituição, notabilizando-se como a máscara oculta do protagonista da trama encenada, o capital. Esse ente encontra o elixir da juventude eterna nas corporações empresariais, a nova personificação jurídica do capital, com o dom da perenidade (MELHADO, 2003, p. 63).

O sistema jurídico laboral, contudo, com esse amálgama misto de sujeição e liberdade, mantém o contratualismo para proteger o capital, a propriedade expropriada pela força de trabalho e a crença fomentada pela empresa e demais instituições como o imaginário garantidor da repetição do próprio sistema. Assim, diante das ineficiências do contratualismo, o institucionalismo se sobressai, mesmo demonstrando suas próprias debilidades, uma vez que está fundamentado na base comunitária, na aceitação de uma comunidade entre trabalhadores colaboradores e empregadores proprietários, que, a despeito de “existir uma cooperação, revelando solidariedade objetiva, está, entretanto, ausente no aspecto subjetivo, que pressupõe sempre e necessariamente um consenso” (COUTINHO, 1999, p. 200-201)92. Esse panorama contraditório é descrito por Catharino (1982, p. 188):

Em holocausto ao progresso material, o trabalhador ainda era „coisa‟ imolada, e os patrões, sacerdotes da prosperidade geral, realizando o culto da propriedade absoluta, para satisfação dos fiéis e com a ajuda do Estado abstencionista, ou repressivo. Nesse panorama, é fácil compreender-se não apenas o contratualismo radical e falso, verdadeiro unilateralismo, necessariamente anticontratual, como também o aparecimento do „contrato adesão‟, concepção já reveladora da desigualdade então existente. O contrato é, por definição, uma manifestação de bi-individualismo, pelo menos, para composição de interesses opostos, mediante

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A tarefa de determinar a essência, a substância primordial da relação de emprego, portanto, só poderia resultar em fracasso, pois esse é um fenômeno de contrafluxo, uma limitação ao capital simbólico, um paradoxal brado de liberdade, um marco de resistência. O conceito de subordinação jurídica é o reconhecimento da sujeição, mas também é o anseio da liberdade, da liberdade por meio da proteção jurídica (SANTOS, 2009, p. 23).

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No mesmo sentido, Melhado (2003, p. 67) afirma: “A ideia de um „interesse comunitário‟ é ainda mais utópica se lembrarmos que, para referidos autores, mesmo no seio de cada um dos pólos do mercado laboral há conflito de interesses e relações de concorrência, seja entre os que oferecem trabalho, seja entre os que demandam a força de trabalho. No que se refere a estes últimos, aliás, a disputa mercadológica intensiva é a tendência natural, ao passo em que a solidariedade, ao revés, e resultado contingente de estratégias racionais de enfrentamento interno e externo.”

obrigações e direitos recíprocos. Constitutivamente, todo contrato é bilateral ou plurilateral. Pois bem, contratos há em que o individualismo de um dos seus sujeitos, dominante a sua vontade, desencadeia um processo de descontratalização. Não há

consentimento, e sim assentimento de um sujeito àquilo ditado pelo outro.

O que se pode abstrair do debate que resgata a relação de emprego a partir do fator institucionalista é que essa concepção predispõe, além de fatores históricos e até hereditários, que o imaginário é a fonte instituidora, tal como sugere a teoria da instituição imaginária de Castoriadis. E é até possível que a institucionalidade seja anterior à contratualidade, sem que isso tenha relevância. Mas, especialmente, em se tratando de direito do trabalho, independente do que consta no relatório e na exposição de motivos da Consolidação das Leis do Trabalho, independente dos dispositivos normativos da CLT denotarem a presença da teoria contratualista e da institucionalista, o reconhecimento do entrelaçamento das duas teorias na doutrina é inegável. Dessa forma a teoria da instituição não pode ser descartada ou excluída do debate teórico sobre a relação de emprego.

Na averiguação da natureza jurídica da relação de emprego, portanto, fica evidente a presença do imaginário, do simbólico e o isolamento do real. O que se denota é a tentativa de ocultação da realidade. E o que se tenta ocultar é a coação da dependência econômica. Não reconhecê-la significa cair em equívoco, tanto quanto é equívoco crer que pessoas saiam de suas residências, afastem-se de seus pares afetivos, da sua comunidade, porque essas mesmas pessoas estão desejosas de trabalhar em proveito de outrem!

Se as pessoas se sentem imoladas para trabalharem para outrem é porque persiste a imposição coativa do princípio de realidade comandado pelas pulsões de ego, de autopreservação, e que foi ensinado desde a remota existência de cada um pela educadora

ananke (necessidade), de suprir a ansiedade provocada pelos perigos como a falta de suprimentos para subsistência material, social e cultural que, no sistema capitalista, se obtém pelo socorro do salário.

E é aqui que se encontra o núcleo da subordinação jurídica, o alicerce elementar da constituição hegemônica da doutrina e da jurisprudência para a formação da relação de emprego.