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7.1 A Natureza Jurídica da Relação de Emprego

7.1.2 Teoria anticontratualista

Com o objetivo de atenuar a relevância da liberdade do empregador e da sua autonomia de vontade na constituição da relação empregatícia, o que coincide com o da ascensão da empresa como pessoa (CATHARINO, 1982, p. 188), surge a teoria anticontratualista que explica a relação de emprego, independentemente do contrato, com um caráter que pressupõe o direito público. É a concepção objetivista, cuja vontade autônoma não é seu fundamento, mas o interesse social objetivamente considerado com sua força obrigatória. Sua fonte advém da intervenção gradativa do Estado na economia liberal que tinha transformado o trabalho em mercadoria e o salário em preço, desenvolvendo vertentes

84 No processo de codificação do direito, em especial da origem do Direito do Trabalho, reforçando as razões da prevalência da tese de locação de mão de obra, Catharino (1982, p. 178) destaca que o Código de Napoleão continha dois artigos sobre a locação das pessoas de trabalho, o Código Civil Português adotou contrato de prestação de serviços (Liv. II, Tít. II, Cap. IV), o Código Civil Alemão, contrato de serviços (arts. 611 a 630),

no Brasil prevaleceu a concepção locativa das Ordenações Filipinas (Tits. XXIX a XXXV do Quarto Livro), depois a Lei 108, de 11/10/1837, o Código Comercial de 1850 (arts. 74 a 86, art. 226) e o Código Civil de 1916 que disciplinou em um capítulo inteiro a locação de serviços (arts. 1.188 a 1.247).

85 Délio Maranhão (2000, p. 243) anota que, para “Carnelutti, o empregado, ao celebrar um negócio traslativo de energia, tal como ocorre com o fornecimento da energia elétrica”.

teóricas, principalmente, na Alemanha e na França (NASCIMENTO, 1995, p. 287), como: “da relação de trabalho, do ato-condição, do contrato-realidade e a teoria da instituição”.

Na teoria da relação de trabalho, de acordo com Amauri Mascaro Nascimento (1995, p. 288), destacam-se Pottoff, Molitor, Nikich, Wolfgang Siebert, Lotmar, Kaskel, Sinzheimer, Georges Scelle, Angelli, Devealli, Messsineio, Alfonso Madrid, Mario de la Cueva, Francisco Ferrari. O vínculo que une o empregado e o empregador não considera o contrato, eis que o empregado se insere na empresa, independentemente de sua vontade, diante da natureza de ordem pública das normas que regem o Direito do Trabalho. As partes não firmam um contrato, porque, antes mesmo do contrato, elas se tornam membros de uma comunidade estabelecida, o que passou a ser entendido como uma real e fática ocupação de um posto. Esse posto ocupado é um lugar no organismo empresarial, advindo da inserção

(Molitor), da ocupação (Nikisch) ou da incorporação (Seibert) que, conforme Evaristo de Moraes Filho (2000, p. 297), são veios teóricos muito assemelhados, significando relação de ocupação fática e refletem o regime político-social vivido na Alemanha no período que se deu pouco antes e até mesmo se delongando após o interstício do regime nazista.

A teoria do ato-condição é provinda das teses de Léon Duguit, concebendo que todo ato subjetivo que se constitua em ato jurídico não é senão condição para aplicação do direito objetivo – ato-regra -, ou seja, qualquer contrato constitui a condição para aplicação de um estatuto legal, convencional, judiciário, costumeiro, que é aplicado à realização da admissão relacional (MARANHÃO apud SUSSEKIND et al, 2000, p. 239). Essa teoria foi transposta para o Direito do Trabalho, por George Scelle, que a chamou de “embauchage”, o

engajamento que efetiva a relação a partir da inserção do empregado no trabalho, independentemente de contrato (MAGANO, 1993, p. 23).

Contrato-realidade é a teoria desenvolvida por Mario de la Cueva, em que a relação jurídica somente se forma com a prestação efetiva do serviço em determinada empresa, daí que o contrato só produz efeitos jurídicos, porque dele resulta uma relação jurídica de trabalho em que se impõe a aplicação do Direito do Trabalho, o que foi, conforme Délio Maranhão (apud SUSSEKING et al., 2000, p. 239), acolhido pelo art. 4º da Consolidação das Leis do Trabalho86.

86 CLT: Art. 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. Parágrafo único - Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar [...] (VETADO) [...] e por motivo de acidente do trabalho (Incluído pela Lei nº 4.072, de 16.6.1962).

O capítulo precedente deste trabalho propôs reconhecer a instrumentalização da submissão humana tanto na formação do Direito como nas instituições sociais e no Estado. Também se buscou compreender as concepções do imaginário, do simbólico, do real para colocar em relevo as acepções de Freud, de Marx e de Castoriadis com a instituição imaginária da sociedade até a tese jurídica da instituição de Maurice Hauriou. Pois bem, a teoria da instituição, além de ter um lugar consagrado na doutrina justrabalhista, é fonte reveladora das assertivas sobre as contradições da pregação doutrinária tradicional.

Especificamente sobre a teoria da instituição, dois momentos de desenvolvimento são considerados por José Martins Catharino (1982, p. 185): o insitucionalismo puro, que foi influenciado pelo tomismo e pela sociologia e que propunha o “bem comum” em face do contrato, mas, de tanto combater o individualismo, contraditoriamente, abriu um caminho oposto, o do autoritarismo, contrário à liberdade por meio de um forte poder diretivo e disciplinador do empregador, em que o trabalhador vincula-se à relação institucional de emprego, prevalecendo o interesse da “instituição-pessoa”, ou seja, de um grupo comunitário como expressão de interesse nacional; e o institucionalismo impuro advindo da escola francesa, o qual ele denomina de teoria eclética ou sincrética.

É nesse segundo momento, do institucionalismo impuro, que se consagra a tese de Maurice Hauriou e que foi seguida por Georges Renard, Paul Cuche, Paul Durand, René Savatier, Brèthe de la Gressaye, R. Jaussaud. No Brasil, essa tese se firmou, principalmente, entre os paulistas, como Ruy de Azevedo Sodré e, especialmente, com Luiz José de Mesquita, por meio de sua obra Direito disciplinar do trabalho: uma interpretação institucionalista do direito do trabalho (1950). A teoria institucionalista está presente em toda a obra mencionada, tanto é que, já em preâmbulo, Mesquita (1950, p. 11), ao denominar uma “explicação necessária”, enfatiza ao leitor a interpretação do conteúdo do subtítulo da obra: Uma Interpretação Institucionalista do Direito do Trabalho (MESQUITA, 1950, p. 39).

Confirmando esse entendimento no curso da referida obra:

Sabemos que uma empresa-econômica nada mais é do que um fundo patrimonial constituído com a finalidade de ser explorado economicamente pela força-trabalho, por um grupo de homens. Estabelecem-se, então, nesse organismo, relações jurídicas não só entre os membros do grupo, como também entre este e terceiros. As primeiras constituem a vida jurídica interna da instituição e as segundas redundam na sua

atividade jurídica exterior. Só as primeiras nos interessam, e a elas podemos aplicar a moderna teoria institucional, tal como foi exposta por Hauriou. Assim, as relações de direito do trabalho, que se desenvolvem na empresa-econômica moderna, podem ser encaixadas nos três elementos existentes em toda instituição corporativa. [...] A instituição é um organismo, não de tipo biológico, mas moral, em que seus membros integrando-se num todo, são, contudo, diferenciados, não orgânica, mas hierarquicamente. É preciso, pois, que haja um princípio unitivo e diretivo do

organismo, o qual é a autoridade. É por causa desta organização que o grupo institucional é estável e permanente, apesar das mudanças do pessoal que se substitui continuamente (MESQUITA, 1950, p. 19, 22).

E Ruy de Azevedo Sodré, sobre a concepção institucional do direito do trabalho a partir da obra de Luiz José de Mesquita, explica:

O conceito de empresa, como instituição, justifica e fundamenta a estabilidade. Como um conjunto de bens materiais, morais e pessoais a serviço de uma finalidade econômico-social, na empresa existe um vínculo social entre todos aqueles que nela colaboram. Quando o empregado ingressa na empresa, além das suas obrigações, estritamente contratuais, ele assume o encargo de colaborar nos seus fins. Ele não executa determinado serviço como se este fosse em si mesmo. Ele se desempenha daquele serviço porque ele é útil e necessário ao fim a que se destina à própria empresa. O limpador, por exemplo, não varre os escritórios de uma empresa só porque seus assoalhos devam estar limpos, mas também porque, sem aquela limpeza, a empresa não poderia funcionar, ou seja, atingir sua finalidade econômico-social. Dessa forma se explica a comunhão de cada empregado com a ideia finalista, ou seja, com o bem comum da empresa. Como um colaborador da empresa, um artífice do seu bem comum, o empregado com ela se identifica. Se aquela é uma organização permanente, este como seu colaborador deve ter garantia a sua permanência no

emprego, porque dela faz parte integrante (apud MESQUITA, 1950, p. 10).

A obra de Mesquita édestacada por Magano (1993, p. 26) como referência de que a relação de emprego, além do seu aspecto contratual, assume uma feição institucional diante do aspecto integrativo do empregado e do empregador na comunidade econômica, a empresa, constituindo uma relação de pessoas, não de trabalho por objeto correspondente, a contraprestação, mas de colaboração econômico-social entre os membros desse vínculo interindividual e intersocial. O próprio Magano (1993, p. 29), que é adepto da teoria contratualista, confessa que não faz oposição à teoria institucional, desde que esta teoria seja entendida como uma explicação complementar à teoria contratual.