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1.3. O Estado Contemporâneo

1.3.2. Desafios do Estado Contemporâneo

Para caminhar em direção a esses novos preceitos de governança, é necessário mudar paradigmas. Conforme Moro (2002), enquanto na cidadania tradicional o conceito se traduzia em um conjunto de direitos e deveres, na nova cidadania, denominada “Cidadania Ativa”, inclui poderes e responsabilidades. O autor cita que são necessárias cinco condições para se galgar à essa evolução, quais sejam: 1) os órgãos públicos devem reconhecer o papel dos cidadãos; 2) as organizações civis devem tomar parte no ciclo político (agenda, planejamento, decisão, implementação, avaliação); 3) essas organizações devem ser autônomas e ao mesmo tempo se coordenar com outros atores; 4) as organizações passam a ter poderes e responsabilidades, e 5) a participação dos cidadãos deve agregar valor à elaboração das políticas públicas.

Moro (2002) demonstra ainda que existem obstáculos para a consecução desse objetivo, sejam de natureza cognitiva, como complexo de inferioridade política vis a vis complexo de superioridade moral, e operacionais, como o padrão “demanda dos cidadãos, oferta do Estado”, a desorganização, o isolacionismo do cidadão e pouca informação ou recursos financeiros. Nesse contexto, a participação ativa do cidadão na administração pública é uma vertente nova, favorecida pela evolução educacional e tecnológica nos países desenvolvidos. O papel do cidadão é obviamente o pilar da democracia, mas tem ocorrido

quase que tão somente pelo direito de voto e, por vezes, por plebiscitos e referendos. Assim, a base da democracia participativa pode estar se transformando profundamente.

Evidentemente, os representantes eleitos são o pilar da democracia participativa, mas a participação direta está ocorrendo de maneira crescente, e isto pode implicar em perda de poder dos representantes. Moro (2002) chama a atenção para o fato que a questão mais ampla, já que se tem atravessado uma perda no poder central por três vertentes, quais sejam: para cima, por conta das instituições globais e pan-nacionais como a UE; para baixo, em virtude da descentralização federativa; e para fora, por meio da maior participação da sociedade civil.

Behn (1998) chama a atenção para o fato de que a maior participação do cidadão lança a questão de como conciliar o princípio da responsabilidade (accountability) do administrador público em um ambiente em que as decisões são tomadas pelos cidadãos. Segundo o autor trata-se de uma tarefa difícil, porém necessária. Certamente o problema passa pela questão ética: para Pitschas (2003), a gestão do século XXI deve ser baseada sobremaneira na ética do servidor, aliás valor básico da administração defendido por vários outros autores (e.g.: Mozzicafreddo, 2001; Giauque, 2003).

Há ainda outro problema relevante: o crescente grau de cinismo do cidadão. De acordo com Berman (1997), a democracia prevê um grau de confiança entre o cidadão, os políticos e os funcionários públicos. Todavia, o índice de cinismo, ou seja, a idéia que funcionários públicos e políticos são corruptos, ineptos ou querem ter vantagens sobre os cidadãos, causa alienação política e desengajamento sobre a causa pública. A pesquisa de Berman (1997) demonstra que a resposta para este problema está em programas de informação, participação e reputação56. É necessária, portanto, a criação de um círculo virtuoso da administração pública que busque informar o cidadão, o que produzirá um cidadão mais engajado na causa pública e, por conseguinte, mais cobrador de resultados. Já para Mozzicafreddo (2001), “a melhoria da relação entre cidadão e administração depende fortemente da orientação para a cidadania das Políticas Públicas”.

Um problema pouco lembrado, como indicam Rosenbloom et al. (2008:6), é o fato de que a administração pública diz respeito não somente ao poder executivo, centro de atenção das reformas, mas ao legislativo, que indica como ele funciona, e ao judiciário, que fixa a jurisprudência sobre suas ações, e que muitas vezes tem autonomia para fixar sua

56 De acordo com o teste t efetuado pelo autor (Berman, 1997, p. 107), as variáveis mais relevantes para reduzir

o grau de cinismo são: informação sobre mudança das regras, mala direta sobre como o governo procura satisfazer as necessidades dos cidadãos e sobre aplicação de impostos, pesquisas para sondar a preferências dos cidadãos, discursos positivos dos administradores, sanções éticas e informações sobre padrões éticos.

própria estrutura de funcionamento, remuneração e benefícios. Dessa forma, deve-se buscar a harmonia do funcionamento dos poderes, sem, no entanto ferir sua autonomia decisória. Também há o problema apontado por Mozzicaffreddo (2007): o clientelismo impede distinguir claramente o que é o interesse do Estado ou dos seus segmentos de poder e o que é o interesse público, nomeadamente na gestão equitativa dos recursos públicos. A ética, por um lado, e o enforcement, por outro, podem estar nas soluções. Outro fenômeno a ser considerado pela administração pública neste século é aquela considerada por Peters (2000): no mundo globalizado, a administração do Estado é cada vez menos autônoma, influenciada desde instituições supra-nacionais até locais.

Como vimos, o Estado do século XXI é diferente do dos séculos anteriores e, conseqüentemente, sua administração deve observar os novos fenômenos e reagir a eles. No tocante ao Estado-providência, segundo Esping-Andersen (2002), devemos recordar que há três pilares de bem-estar social: indivíduo, famílias e governo. Vimos que no ápice do estado liberal, o último pilar era negligenciado, mas no ápice do Estado-providencia o pêndulo vertia fortemente em sua direção. Essa situação leva à dicotomia privado/público (“por que poupar se o Estado irá satisfazer minhas necessidades básicas?”), que é parte do debate contemporâneo. De fato, na China, onde não existe Estado-providência, as famílias poupam muito mais que no ocidente, uma vez que devem preparar-se para a velhice, doença e outras intempéries. Outro dilema abordado peor este último autor é a diferença da estrutura familiar atual. Mais mulheres com maior grau de instrução são inseridas no mercado de trabalho, o que remete ao problema de como conciliar a necessidade de empregar as mulheres vis a vis manutenção da quantidade populacional. Dessa forma, ao mesmo tempo em que é um desperdício as mulheres qualificadas não trabalharem, o decréscimo populacional traz insuficiência de recursos para aposentados e pensionistas.

Outro fenômeno relacionado, segundo Esping-Andersen (2002), é que diferentemente do início do século, onde os empregos fabris eram similares, cada vez mais os empregos necessitam de qualificação. O Estado-providência clássico, ao incentivar o “nível mínimo abaixo do qual nenhum homem pode estar”, conforme Lord Beverige, não necessariamente incentiva a capacitação do indivíduo em seu nível mais alto. Sob a lógica rawlsiniana57, as inegualidades são frutos de oportunidade escolar e habilidades individuais, e, por conseguinte, ao propriciar este padrão mínimo, o Estado-providência pode não propiciar o

57 Nesta ótica, “desigualdades” seriam aceitáveis apenas se permitirem maximizar as possibilidades de

máximo desempenho nesta nova era da “economia do conhecimento”. Em uma análise correlata (ainda que de lógica inversa) à anterior, Mozzicafreddo (2007) aponta que uma economia do conhecimento, baseado no uso intensivo da qualificação e dos avanços tecnológicos irá criar novas desigualdades que, mesmo uma evolução no processo educacional enfrentará dificuldade em evitar. Em comum a ambas as análises, o paradigma de igualdade do Estado-providência poderá criar novas desigualdades, seja por apoiar a inércia individual, seja por não estar apto a prover capacitação adequada. A resposta a esses desafios, pela lógica utilitarista58, parece mais ligada à motivação individual do que à responsabilidade do Estado.

Bouvaird e Löffler (2003) sintetizam um caminho para o futuro: a) maior governança: políticas públicas e princípios avaliados pelos usuários; b) melhoria na política, princípios e processos; c) metas de “bem estar” para a população ao invés das metas genéricas de renda, escolaridade e expectativa de vida; d) políticas públicas serem desenhadas de acordo com o interesse dos usuários. Vimos alguns (poucos, face à complexidade do mundo contemporâneo) desafios do Estado contemporâneo, certamente aplicáveis aos Estados industrializados. Para os países em desenvolvimento, o desafio é ainda maior, o de atingir a estabilidade política e econômica e a igualdade social com vistas ao crescimento, problema que motivou o surgimento da Teoria da Economia do Desenvolvimento, objeto do segundo capítulo deste trabalho. Tanto a questão do bem-estar levantado por Bouvaird e Löffler (2003) quanto a questão do desenvolvimento remetem à questão da utilização e avaliação das ferramentas que dispõe o Estado – as políticas públicas, escopo da próxima seção.