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CAPÍTULO II POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A VARIÁVEL

2.2 A Economia do Desenvolvimento

2.2.1 Os Modelos de Crescimento Exógenos

Na década de 1940, surge o modelo desenvolvido independentemente por Roy Harrod (1939) e Evsey Domar (1946), hoje conhecido como Harrod-Domar. Partindo das premissas:

(1) o Produto (Y) é função do capital (K), que deve ser não nulo; (2) a taxa marginal do capital (c) é constante;

(3) a taxa de retorno da poupança (s) multiplicada pelo Produto (Y) é igual a poupança (S), e que é igual ao investimento (I) e;

(4) a variação no estoque de capital ( K) é igual ao investimento (I) menos a depreciação do capital ( K), chegaram a conclusão que:

Equação (2) = sc - (Harrod-Domar)

73 Não é objetivo deste trabalho reeditar o formalismo matemático que levou à conclusão das mesmas, mas a

mesma pode ser verificada na bibliografia indicada em cada caso.

Essa equação indica que a taxa percentual de crescimento do Produto ( ) é igual à taxa de retorno da poupança vezes a taxa marginal do capital menos a depreciação deste. Podemos notar que o crescimento do produto (ou econômico) depende da taxa marginal do capital, de diminuir a taxa de depreciação deste (inovação tecnológica, por exemplo), ou mais importante, do aumento da poupança (ou quantidade de capital). Em linhas gerais, o modelo implica que o crescimento depende basicamente da quantidade de capital, que por sua vez depende de mais poupança (Arndt, 1981). Em um círculo vicioso, mais investimento leva à maior acumulação de capital, o que por sua vez, gera mais crescimento econômico, e esse deveria ser o centro da gestão da política do desenvolvimento. O Modelo está em linha com as idéias keynesianas (Keynes, 1935), concluindo que uma economia não pode encontrar o pleno emprego e crescimento estável sem intervenção estatal, principalmente no que tange ao incentivo à poupança.

O modelo também teve implicações para os países menos desenvolvidos, onde o capital não é abundante. Nestes países, os trabalhadores não têm uma renda média que permita a acumulação de poupança nos níveis desejados. Uma das soluções seria a importação de poupança, ou seja, o endividamento soberano (Pereira da Silva et al, 2005). Hoje, sabemos que o modelo traz problemas ao presumir, por exemplo, que a relação entre capital e trabalho é fixa, ou que o retorno de capital é o mesmo para todas as indústrias, ou ainda que a propensão à poupança é constante (Jain e Ohri, 2006 p.127).

Nos anos 1950 e 60 predomina uma “Visão Heróica do Desenvolvimento” (Pereira da Silva et al, 2005), cujo modelo principal conhecemos como Solow-Swan, considerado por muitos a raiz da Economia do Desenvolvimento (e.g. Raj, 2007). Em parte, sintoniza-se com o pensamento de Harrod-Domar: o crescimento é um processo que se dá através da acumulação de capital. Todavia, Robert Solow e Trevor Swan, não partiram das premissas limitantes do modelo anterior, mas sim de premissas mais básicas, como a poupança sendo igual ao investimento (S=I); o produto sendo uma função do capital e trabalho {Y=f(K,L)} e a lei de rendimentos decrescentes75 (e.g. Samuelson e Nordhaus, 2005).

Rober Solow (1956) preocupou-se em demonstrar que o produto per capita é uma função crescente da razão entre capital e trabalho. A força de trabalho cresce a uma taxa exógena, e dessa forma, é necessária uma quantidade de poupança per capita, que deve ser utilizada para dotar os trabalhadores com uma quantidade de capital per capita. Solow

75 Que indica que o produto marginal de um fator de produção decresce conforme o aumento da quantidade

utilizada desse fator. Dessa forma, há um nível em que o uso do fator é maximizado (ex: número de trabalhadores dentro de um hectare de plantação).

estendeu o modelo Harrod-Domar através de (1) a adição do trabalho como um fator de produção; (2) Exigência de retornos decrescentes para o trabalho e o capital separadamente, além de retornos de escala para os dois fatores combinados; e (3) A introdução de uma variável tecnológica distinta do capital e do trabalho. De forma independente, Trevor Swan (1956) indicou que a demanda efetiva pode ser controlada para maximizar o retorno do investimento e que o nível de emprego não pode ser elevado pelo simples aumento de despesas. Dessa forma, o modelo Solow-Swan, como é hoje conhecido, considera elementos como o crescimento da força de trabalho ou população (n) e a depreciação do capital ( , e onde o crescimento marginal do capital (dk/kt) ou (que também denota crescimento econômico), pode ser explicado pela equação diferencial:

Equação (3) = s (k) - (n+ )k (Solow-Swan)

Um caso especial é quando é igual a zero, ou seja, a estagnação econômica. Nesse caso, s (k) = (n+ )k. Dessa igualdade, conclui-se também que para maximizar o consumo (e consequentemente a renda) é necessário acumular o capital de modo que este se iguale ao crescimento da força de trabalho mais a depreciação.

Todavia, faltou ainda no modelo original abordar a questão que nem toda a produção pode ser explicada por capital e trabalho, como fora feito no trabalho pioneiro de Cobb-Douglas (1928) abordado anteriormente: um mesmo milharal de um hectare com a mesma força de trabalho e o mesmo capital pode ter uma determinada produtividade (quilos por hectare) distinta de outro em condições iguais. A equação diferencial (3) não contempla este elemento. Assim, tornou-se necessário introduzir uma variável de produtividade total de fatores ou tecnologia (A), e reescrever a premissa original de Y=f(K,L) como Y=f(K,A,L). Nesse caso, apareceria a variável g76 ou crescimento tecnológico na equação 3, que seria reescrita como:

Equação (4) = s (k) - (n+g+ )k (Solow-Swan ampliado)

Assim, o modelo encampa a idéia que o crescimento também é também afetado pelo progresso tecnológico (ou inovação). Esta variável é, todavia, exógena (não podendo ser explicada) pelo próprio modelo. Em resumo, a essência do modelo Solow-Swan indica que o crescimento é função principalmente do nível de capital (afetado pela depreciação),

crescimento da força de trabalho e pela tecnologia (porém esta permanecendo exógena ou inexplicada pelo modelo).

Eis que surge, porém, um novo ponto central com sérias implicações na questão de políticas públicas. Ao se presumir na equação (4) o uso do modelo Cobb-Douglas (1) com premissas de retorno constante de escala no capital e trabalho77, chega-se a conclusão que existe uma taxa de retorno per capita da relação capital/trabalho (k*) que é atingida a longo prazo, independentemente da existência de políticas públicas intervencionistas, que só teriam efeito à curto prazo. Como indica Barro (1991), essa taxa é inversamente relacionada ao estoque de capital inicial per capita, e assim, países mais pobres deveriam crescer inicialmente mais rápido do que países ricos, mas a longo prazo, havendo igualdade nas outras variáveis (crescimento populacional, depreciação e nível tecnológico), todos os países cresceriam à mesma taxa, independentemente do nível de renda inicial. Assim, o modelo Solow-Swan implica na existência de uma convergência na trajetória de crescimento de longo prazo, a qual não seria afetada por políticas de governo (como corte de impostos e mudanças na taxa de juros). Em síntese, o uso ativo de políticas públicas não seria capaz de mudar a trajetória de crescimento de longo prazo78.

É interessante ressaltar que a visão não intervencionista do modelo Solow-Swan insere-se dentro da denominada Escola Neoclássica, onde a partir da idéia original de Adam Smith (liberalismo) acreditava-se na não intervenção do Estado na economia (Blaug, 1997). Já o modelo anterior (Harrod-Domar), como vimos, abria espaço para a intervenção estatal. Trata-se de um debate existente até hoje com os economistas seguidores das escolas liberais (não intervencionistas) e keynesianas (intervencionistas), e que tem implicações diretas no uso ou não de políticas públicas.

Vale notar, no entanto, que mesmo que as recomendações teóricas do modelo Solow- Swan (premente nas décadas de 1950 e 60) não avalizassem o papel da intervenção pública, seja via planejamento central, controles de preços, ou medidas similares, a intervenção pró- desenvolvimentista existia, e não era afeta somente aos estados comunistas como a Rússia (planos qüinqüenais) e a China (grande salto adiante de 1958 a 1963)79. Muitos países em desenvolvimento de essência liberal como o Brasil praticaram o planejamento central, presente no plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) do governo Dutra (1946-51), no

77 Onde a elasticidade para o capital é complementar à do trabalho (β=1- ).

78 Evidentemente, isto é uma contraposição às crenças intervencionistas do modelo Harrod-Domar abordado

anteriormente.

Plano de Metas do governo de Juscelino (1656-61) e com os quatro planos Nacionais de Desenvolvimento elaborados durante o regime militar (1964-85)80 (Kohlsdorf, 1976). Uma boa parte dessa confiança vinha do sucesso inegável das políticas intervencionistas implementadas pela Europa e pelos EUA para sair da Grande Depressão. Essa ótica também prevaleceu com êxito no processo de expansão da produção durante a Segunda Grande Guerra e no sucesso da reconstrução da Europa e do Japão (Pereira da Silva et al, 2005).

Nesse ponto, talvez a prática se antecipara à teoria. A crítica mais contundente que se faz ao modelo Solow-Swan é que a tendência de convergência à longo prazo (que como vimos é a base para o não uso de políticas públicas públicas) não é respaldada por evidências empíricas (Barro, 1991). Corroboram neste entendimento Parente e Prescott (2000), que calibraram uma função de produção Cobb-Douglas básica usando estimativas reais da parcela do rendimento do capital (0,25). Nesse caso, dobrar a taxa de poupança levaria a uma mudança na renda por um fator de 1,25 (ceteris paribus), o que é insuficiente para explicar os valores observados, da ordem de 20 para um. Adicionalmente, Mankiv et al (1992: 410) indicam que o modelo, dentro da elasticidade de capital observada ( =0,33) presumiria uma elasticidade da renda per capita da ordem de 0,5, o que também não foi observado empiricamente.

Outra crítica vem de Lucas (1990), que começa o seu paper indicando o que hoje é Chamado de Paradoxo de Lucas. Comparando os dados reais de 1988 dos Estados Unidos e Índia, conclui que o retorno do investimento na Índia deveria ser 58 vezes maior (Lucas, 1990:1), logo o capital deveria fluir totalmente dos Estados Unidos para a Índia, o que evidentemente não aconteceu. A tendência de convergência de crescimento de longo prazo, com países em desenvolvimento (renda inicial mais baixa) crescendo mais que países desenvolvidos também não foi observada. Como indica Ickes (1996) para cada Coréia do Sul há uma Filipinas, que entre 1960-85 cresceu abaixo dos Estados Unidos, mesmo tendo um produto per capita de apenas 10% do valor americano. Em resumo, sob este aspecto do modelo que a trajetória de crescimento é basicamente determinado pelo nível de capital inicial, critica Raj (2007):

“Historical legacies need not be limited to a nation’s inheritance of capital stock or GDP from its ancestors. Factors as diverse as the distribution of economic or political power, legal structure, traditions, group reputations, colonial heritage and specific institutional settings may serve as initial conditions - with a long reach.”

80 O Brasil herdou até hoje a idéia do planejamento central: há a obrigatoriedade do plano qüinqüenal,

Em realidade, tanto o modelo Harrod-Domar como o Solow-Swan indicavam que a base para o desenvolvimento era a acumulação de capital. Assim, havia também nesse ambiente pós-guerra uma preocupação com o desequilíbrio entre o nível necessário de investimento e a capacidade de financiamento dos países em desenvolvimento - o “gap” de financiamento identificado por Polak (1957). Uma das soluções era compensar o desequilíbrio em conta corrente com estratégias de substituição de importações (o que paradoxalmente é uma política pública), o que talvez fosse parcialmente possível em 1950, mas tornou-se impossível nos dias atuais devido ao aumento do número de componentes e complexidade de um bem de consumo durável81 (Wiendahl e Scholtissek, 1994).

Outra crítica ao modelo Solow-Swan (e.g. Pereira da Silva et al, 2005), e também afeta ao Harrod-Domar é a externalidade de variáveis como a poupança, população e mais notadamente a variável tecnológica - daí esses modelos serem denominados exógenos. Essa crítica também é afeta diretamente este trabalho: se a variável tecnológica (inovação) não é explicada, muito menos poderiam ser o papel das políticas públicas voltadas à mesma. Dadas essas críticas, nossa pergunta chave sobre a efetividade das políticas públicas ainda não poderia ser respondida dentro deste arcabouço teórico. Como dita Rebelo (1987:1) até meados da década de 1980 “The belief that policy matters for growth has found some empirical confirmation, but has surprisingly weak theorethical foundations”.