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DESAFIOS DO TEMPO PRESENTE: CONSTITUCIONALISMO

PARTE I – O CONTROLE DE CONTAS NO CONTEXTO DO

3 DESAFIOS DO TEMPO PRESENTE: CONSTITUCIONALISMO

As expressões ―constitucionalismo estratégico‖, ―imaginação institucional‖ 266 e os correlatos conceitos são trabalhados por José Luiz Borges Horta, máxime nas reflexões consubstanciadas no ensaio ―Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico‖.

Nesse trabalho, que servirá de base para o desenvolvimento da temática deste tópico, o autor demonstra – a partir da história do constitucionalismo moderno, nas fases clássica, social e democrática (dimensão retrospectiva), e de conexões com as vicissitudes do cenário político-social do passado recente e do tempo presente –, o necessário surgimento de novo constitucionalismo, alinhado com as recentes dimensões estratégicas ocupadas pelo Brasil na contemporaneidade (dimensão prospectiva).

As dimensões retrospectiva e prospectiva do constitucionalismo moderno trazem à mente a frase citada por François Ost: ―o passado, quando não mais ilumina o futuro, deixa o espírito andando nas trevas‖ 267.

Entre os acontecimentos, cuja força simbólica ou real contribui para o desencadeamento desse constitucionalismo estratégico, José Luiz Borges Horta268 cita a queda do muro de Berlim, que representa o ―ocaso do socialismo real e o triunfo incontestável das democracias de mercado‖. A retomada de negociações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, no final de 2014, é a pá de cal no decadente socialismo.

Ainda assoma para o surgimento desse constitucionalismo, a ocorrência de fenômeno provocado por conservadores de todas as espécies e que tem duas faces contraditórias e complementares, ao mesmo tempo. De um lado desse fenômeno, mercado, economia de mercado, globalização, Nova Ordem Mundial, novo império,

cosmopolitismo (como ―forma renovada do imperialismo‖), consenso de Washington e

soberania difusa concorriam para o estabelecimento de ―pensamento único, em escala

266Sobre ―imaginação institucional‖, ver UNGER, Roberto Mangabeira. O direito e o futuro da democracia.

Tradução de Caio Farah Rodriguez e Márcio Soares Grandchamp. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 159.

267 OST, O tempo do direito, cit., p. 10.

global e total irresistibilidade‖. Na outra face, a despolitização da vida e a desideologização da política, o que gerou a ocorrência de ―esquerdas neoliberais‖ 269.

No entanto, como ressalta José Luiz Borges Horta, Samuel Huntington, com a tese do choque de civilizações270, profligou o mito do imperialismo norte-estadunidense, mostrou a ingenuidade do cosmopolitismo, reabriu o debate mundial acerca de novos focos de poder (os BRIC, por exemplo), evidenciou o triunfal retorno da cultura ao palco das Humanidades, instaurou o respeito às diferenças entre povos e culturas, igualmente reconhecidas como civilizações.

Nesse contexto global, marcado pelo multiculturalismo, pela pluralidade de civilizações, pelo multilateralismo, em razão da emergência de mega-Estados, que se reafirmam como Estados-polos de suas civilizações, o autor destaca questão ligada à Europa e ao Islã, envolvendo unidade cultural. A unidade cultural do mundo islâmico vive em cheque, notadamente pelos incontáveis e constantes conflitos internos apoiados, não raro, pela mídia ocidental, como ―as falaciosas primaveras árabes. [...] Parece ser fundamental às elites financeiras globais manter a civilização islâmica dividida em facções que se hostilizem em inúmeros fatores, até mesmo em relação à ortodoxia religiosa‖ 271.

O caso europeu é o oposto do islâmico. É que a Europa, no entorno da Alemanha, nação outrora ―enfraquecida belicamente, culpabilizada moralmente, desunida pela Guerra Fria, mas já hoje o Estado-polo da Europa‖ 272, conseguiu (re) construir a unidade cultural europeia.

Segundo José Luiz Borges Horta, ―este novo tempo é tributário, em larga escala, de uma profunda revolução tecnológica‖, que permitiu ao mundo, somente com um clique, a ―tomada de consciência das convergências mundiais em torno de problemas globais, das profundas diferenças verificadas entre culturas e civilizações‖.

269 HORTA, Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico, cit., p. 788-789.

270 Clóvis Rossi, em sua coluna É o choque de civilizações?, no jornal Folha de São Paulo de 8 de janeiro

de 2015, faz incursões sobre possível correlação entre a teoria do choque de civilizações de Samuel P. Huntington e atentados ocorridos pelo mundo, entre os quais o ataque ao jornal satírico ―Charlie Hebdo‖, em Paris, no dia 7 de janeiro de 2015.

271 HORTA, Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico, cit., p. 792-793. 272 HORTA, Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico, cit., p. 793.

Esses são os traços da sociedade pós-industrial, que é considerada, ao mesmo tempo, uma sociedade do conhecimento e da ignorância, da cultura e da incultura, da informação e da infoxicação273, ―das múltiplas identidades e, ao mesmo tempo, defrontada com migrações inéditas, e suas consequências políticas, sociais e econômicas de difícil previsão‖ 274. Sociedade do tempo presente que tende a organizar-se em grandes blocos ou alianças estratégicas, seja com desiderato econômico, como a União Europeia, Mercosul, ou conglomerados de grandes empresas, por exemplo as do ramo automobilístico275, seja com o objetivo de unir povos, culturas ou civilizações, Pan- Europeismo, Pan-Islamismo, Pan-Africanismo, Pan-Eslavismo, Sul-Americanismo.

José Luiz Borges Horta276, no ensaio que serviu de base para o

desenvolvimento deste tópico, apresenta demandas concretas para justificar a sua reflexão. Entre as demandas citadas pelo autor, destacamos a omissão constitucional em relação à globalização, pois a Constituição de 1988 não prevê ―limitações à globalização econômica ou a ataques especulativos contra a economia brasileira‖; a necessidade de a educação fundamental propiciar meios e condições para que os estudantes compreendam diferentes culturas e se comuniquem de fato em idiomas estratégicos para o protagonismo brasileiro, como o inglês e o castelhano (este o idioma oficial dos outros países sul- americanos).

As vicissitudes que balizam a ambiência global do tempo presente, aqui expostas em apertada síntese, constituem o pano de fundo para que José Luiz Borges Horta traga a lume a ideia da emergência de um constitucionalismo de dimensões estratégicas. Esse constitucionalismo estratégico exige um repensar político-institucional,

273O físico espanhol Alfons Cornella cunhou o neologismo que soma informação com intoxicação em

1996: infoxicação pode ser o nome da epidemia transmitida por vírus de computador, presente em sites, blogs, e-mails, Twitter, YouTube e outras redes sociais — como Facebook e Linkedin. O internauta padece de ―infoxicação‖ quando recebe mais informações do que é capaz de processar. ―No momento em que acaba de digerir algo, chega muito mais‖, explica Alfons, que trocou a Física pela Infonomia, empresa cujo lema é ―cada dia, uma ideia‖, em entrevista ao El País. Disponível em: <http://www.domtotal.com/noticias/detalhes.php?notId=755607>. Acesso em: 28 de dezembro de 2014.

274 HORTA, Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico, cit., p. 794.

275 Exemplos: Grupo Volkswagen: Volkswagen, Audi, Bentley, Bugatti, Lamborghini, Man, Porsche,

Scania, SEAT, Skoda; Grupo Fiat: Fiat, Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Ferrari, Jeep, Maserati, Mopar; Grupo Tata Motors: Tata, Hispano, Jaguar, Land Rover.

com enfoque prospectivo ou visão para o futuro, de modo a identificar deficiências e imaginar possíveis soluções para equacioná-las.

Sob outra perspectiva ou em outras palavras, o constitucionalismo estratégico consiste, tomando como parâmetros elementos de conceitos de estratégia desenvolvidos para o âmbito das corporações empresariais, em ajustar o mais eficazmente possível o Estado e suas instituições às exigências políticas, econômicas, sociais ou culturais do ambiente no qual está inserido, por meio de ações racionais devidamente planejadas277.

Nessa linha de raciocínio, questão que está a merecer análise mais aprofundada dos constitucionalistas, teóricos e filósofos do Estado diz respeito ao real enquadramento constitucional do Tribunal de Contas, diante das transformações políticas, econômicas, sociais, culturais e dos desafios do tempo presente que se apresentam também ao controle externo da administração pública, ou controle de contas.

Ao longo desta primeira parte que ora se encerra, foi delineado, com a apresentação de seus principais aspectos, o contexto do constitucionalismo moderno no qual se insere o controle de contas, que, por constituir-se na fiscalização da gestão dos bens e recursos públicos, também representa técnica ou meio engendrado pelo Direito ou pelo constitucionalismo para limitar o poder politico.

Passa-se, então, à segunda parte deste trabalho, a qual consiste na explanação sobre a teoria jurídica do controle de contas e a sua correlação com o Estado de Direito.

277 WHITTINGTON, Richard. O que é estratégia. Tradução de Maria Lúcia G. L. Rosa, Martha Malvezzi

Leal, revisão técnica de Flávio Carvalho de Vasconcelos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002, p. 01-05.

Nesta segunda parte do trabalho, serão demonstrados os aspectos jurídicos inerentes ao controle de contas, que começa com a noção sobre a origem, o conceito e a abrangência de controle da administração pública.

Na sequência, serão vistas as formas de controle, a origem e a evolução histórica do Tribunal de Contas no Brasil, que inclui abordagens sobre a sua atual normatização constitucional, sua inserção na estrutura do Estado brasileiro e sua jurisdição, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como seu alcance, as atribuições constitucionais do Tribunal de Contas, a modernização do controle de contas e proposições para seu aprimoramento.

4 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ORIGEM, CONCEITO E