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DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TRABALHO COLABORATIVO NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

CONTINUADA DE PROFESSORES

3. DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TRABALHO COLABORATIVO NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

Por tratar-se de uma pesquisa em andamento, cujas ações vêm sendo estruturadas e reestruturadas continuamente, visando atingir seus propósitos, centramos nossa análise sobre as dificuldades na implementação de um programa de formação continuada, e as possíveis contribuições de um trabalho colaborativo para o desenvolvimento profissional de professores que atuam na escola inclusiva. As informações, evidenciadas a seguir, emergem do movimento inicial de aproximação, pela pesquisadora, acerca das necessidades, dúvidas e interesses dos professores referentes à condução do processo de inclusão nas escolas regulares.

3.1 Romper com práticas cristalizadas

As práticas pedagógicas, relativas à filosofia da inclusão, são marcadas por questões culturais, políticas, sociais e afetivas, que revelam as mais diversas tendências de atuação e vieses de compreensão acerca deste processo. Logo, o rompimento com práticas cristalizadas, surge como uma necessidade e, ao mesmo tempo, um desafio: “(...) eu estou vendo que tudo isso que eu fazia, muita coisa eu vou ter que mudar, eu vou ter que melhorar, vou ter que rever, vou ter que rever muita coisa. É isso que eu estou achando a maior dificuldade...” (Diário de campo3).

Observa-se que os professores estão imersos nesta prática, permeada por emoções e conflitos. Por isso, o convite à revisão do seu ensino pode representar um movimento doloroso e desgastante para muitos docentes.

Melo et al (2006) constataram, em seu estudo, que os professores, ao se permitirem rever suas concepções e refletir sua prática, tendem à uma mudança de olhar sobre aspectos de cunho pedagógico e relacional frente a educandos com deficiência. Conceber que “incluir é difícil, mas é possível” (Diário de campo), faz parte desta mudança de olhar sobre a escolarização deste alunado. A pesquisa, ora em desenvolvimento, visa potencializar este processo de “tomada de consciência” pelos professores, contribuindo para a revisão de antigos esquemas homogeneizantes que, por longa data, serviram para legitimar um ensino segregacionista. Busca-se, assim, promover a reflexão docente sobre concepções arraigadas a uma trajetória de vida e de formação, que o preparou para um aluno idealizado, para o igual, para o mesmo, sem atentar para a questão da

diversidade, implícita, a nosso ver, à prática docente. Mas isso não é tarefa fácil exigindo do pro- fessor, repetidas rupturas no modo de pensar o ensino e a aprendizagem, bem como, na maneira de atuar.

3.2 Assumir-se como agente principal do seu processo formativo

Outro ponto que merece destaque refere-se à formação enquanto um ato voluntário, de adesão e compromisso, subentendendo o professor como o principal agente do seu processo formativo. Logo de início, o que se observa é o caminho inverso. Os professores esperam freqüentar cursos que lhes digam ‘o que’ e ‘como’ fazer para ensinar o aluno com necessidades educacionais especiais na classe regular. Querem respostas prontas, seguras e sem risco (PIMENTA; MOURA, 2001). Esta atitude desafia as pesquisas, cujo propósito é o de gerar mudanças nas escolas e no trabalho docente, por meio da investigação e compreensão sobre a natureza dos problemas que envolvem o ensino.

Destaca-se, assim, a dissonância entre o “tempo da pesquisa” e o “tempo da escola” que, segundo Mizukami et al (2003), em muito diferem. A urgência com que os problemas ocorrem na escola, não permite, muitas vezes, no tempo limitado de algumas pesquisas, o desmonte de certas representações e concepções docentes, gerando mudanças efetivas, no campo das práticas. A pesquisa colaborativa, ao situar o professor como um investigador da sua prática, o convida a adentrar num movimento de aprendizagem contínua, e de implicação no planejamento e desenvolvimento do processo de formação, rompendo com as possíveis inércias, presentes no cotidiano escolar. Ensinar e pesquisar são, nessa ótica, ações imbricadas, que se ligam e se complementam mutuamente.

O professor precisa dar-se conta da natureza inconclusa do seu saber. Para tanto, precisa dispor de um tempo para planejar, refletir e estudar o seu próprio “caso”. A formação continuada como possibilidade de desenvolvimento profissional deve, sob esta ótica, ser assegurada enquanto direito do profissional da educação: “eu acho que a formação continuada tinha que ser uma coisa mais sistemática, não fazer um encontro aqui, um congresso ali...” (Diário de campo). Corroborando com esta visão, entendemos que a formação não pode se caracterizar como um “algo a mais” que se acrescenta ao trabalho do professor ou como um somatório de “dias de treinamento”, mas deve ocorrer de maneira sistematizada e contínua, inclusive, no próprio local de trabalho.

Formar(-se) deve ser compreendido como um processo permanente, propiciando um entendimento do que fazemos e porque fazemos, tomando a prática como ponto de partida para a reflexão e ressignificação docente. Trata-se de formar e não de manipular o professorado. Nesse viés, a implementação de um trabalho colaborativo constitui-se tarefa extremamente complexa e, ao mesmo tempo, necessária, não só porque permite imprimir mudanças no trabalho docente, mas na própria concepção de formação.

3.3 Reconhecer que mudar é difícil, mas é possível

Outro desafio premente na construção de uma cultura de colaboração nas escolas tem a ver com a crença de que mudar é difícil, mas é possível. Ou seja, o sucesso de um trabalho desta natureza, implica na possibilidade dos propósitos e objetivos individuais se tornarem projetos coletivos, traduzidos na crença de que é possível se desenvolver profissionalmente, por meio de processos formativos de cunho participativo-colaborativo.

Uma das dificuldades, subjacentes a este processo, e que vem sendo vivenciada em nossa trajetória investigativa, é quanto à definição do grupo de colaboradores. Sabe-se que as condições existentes em nossas escolas, nem sempre confluem no sentido de favorecer o encontro e a troca de experiências entre seus profissionais. Assim, mesmo aqueles professores que se dispõe a participar, tendem, em certos momentos, ao abandono de tais projetos, cujos “resultados” nem sempre são visíveis a curto prazo, dificultando a efetivação de ações de formação continuada nas escolas: “acho que esse é o grande problema de todo mundo, falar... falar é muito bonito, aí colocam no papel aquilo que alguém falou, só que raros aqueles que se disponibilizam a colocar em prática aquilo que está no papel, aquilo que é falado” (Diário de campo).

Isso exige, sem dúvida alguma, perseverança, dedicação e coragem para sair de um estado de acomodação e arriscar-se na construção de uma prática alicerçada em outras bases, indagando a cadeia de significados que compõem a lógica das exclusões social e educacional. É necessário investir no desenvolvimento profissional, criando possibilidades para que os professores passem de um estado de curiosidade ingênua para outro, de curiosidade epistemológica (FREIRE, 2003), transformando as escolas em comunidades críticas.

3.4 Construção coletiva do conhecimento nas escolas

Com base na análise precedente, vislumbramos que uma das contribuições da pesquisa colaborativa reside na possibilidade de se construir, coletivamente, o conhecimento nas escolas, por meio da criação de um espaço-tempo para que os professores possam se encontrar e compartilhar saberes e experiências. Acreditamos que a existência deste momento é de suma importância para que os professores comecem a se sentir autores do próprio conhecimento. Falamos aqui, da alternativa de um conhecimento, dependente e subordinado, dar lugar a um conhecimento construído na coletividade docente, de maneira autônoma e processual.

Sinalizamos para a possibilidade, desta pesquisa, deflagrar processos reflexivos, individuais e coletivos, permitindo aos professores construírem seu próprio conhecimento, analisando o que vem dando certo e/ou o que é preciso mudar na sua prática: “para ensinar o diferente é preciso, também, fazer diferente” (Diário de campo). Esse fragmento discursivo esboça a compreensão, pela professora, de que as mudanças geradas pela presença do aluno com deficiência na classe regular, conduzem, necessariamente, a mudanças nos modos de ensinar. Convém, portanto, criar, nas escolas, um espaço de aprendizagem coletiva, em que os professores possam confrontar seus pontos de vista, buscando, uns com os outros, estratégias de enfrentamento para os problemas do cotidiano escolar.

3.5 Coragem para divulgar o trabalho realizado

Para que o saber, esboçado anteriormente, venha a público é preciso coragem para divulgar o trabalho realizado em sala de aula, bem como, crenças e pensamentos sobre os processos de ensinar e aprender. Talvez resida aí, um dos maiores desafios enfrentados no momento em que nos dispusemos a realizar um trabalho de formação pautado no princípio da colaboração. Segundo Nóvoa (2003): “os professores estão na mira de todos os discursos. São o alvo mais fácil de se abater” (p. 26). Por isso é tão difícil darem o primeiro passo, rumo à exposição das suas práticas e de seus pensamentos, sob pena de serem julgados ou mal interpretados.

Percebemos, inicialmente, que os professores sentem vergonha de se expor, questionando se estão no caminho certo, presumindo o que o outro (pesquisadora) deseja ouvir, esperando a confirmação ou a negação de seus dizeres: “... não sei se era bem isso que você queria ouvir?”; “você não concorda comigo?”. Mediante tais indagações, dou-me conta que meu papel, enquanto pesquisadora, é o de promover um ambiente “não coercitivo” e “não diretivo”, gerando um clima de confiança e cumplicidade, sem sobreposição ou hierarquização de saberes. É válido investir num trabalho de socialização e divulgação do que é feito em sala de aula, pois conforme Mizukami (2000), trabalhar a partir das experiências vividas na prática cotidiana com os alunos, permite visualizar o modo como determinado professor procedeu em uma situação específica de ensino, avaliando e organizando estratégias que podem ser desencadeadas em outros momentos. Proporcionar a análise de situações semelhantes, ocorridas em contextos escolares diversos, pode auxiliar os profissionais da educação a encontrarem soluções criativas para os problemas que enfrentam em sala de aula, além de tomarem consciência de seus saberes.

3.6 Desenvolvimento da escola

Por fim, convém mencionar o potencial de projetos de natureza colaborativa para o desenvolvimento da escola como um todo, e para que esta se torne mais responsiva às necessidades educativas de todos os seus alunos. Uma escola inclusiva demanda tempo e comprometimento de todos, além de profissionais abertos e dispostos a assumir o seu papel de agentes transformadores da realidade. Isso exige trabalho em equipe, um esforço coletivo e a preocupação por parte desta instituição em criar condições para que sejam superados possíveis impasses estruturais, funcionais e formativos de seu corpo docente.

Trata-se, como referem Pimenta e Moura (2001), de um trabalho de formação e de pesquisa feito com a escola, e não sobre a escola. Para tanto, escola e universidade devem ser parceiras no planejamento e desenvolvimento de projetos de formação que venham encorajar o encontro com os pares, permitindo o intercâmbio contínuo de experiências, sonhos e frustrações. A garantia de um ensino de qualidade para todos os alunos, independentemente das suas características pessoais, requer o compromisso, por parte da escola, em relação ao aprimoramento e qualificação do trabalho docente, transformando-se em espaço de referência da aprendizagem e do desenvolvimento profissional de professores.