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CAPÍTULO 3 A (r)existência do Sistema Estadual de Assistência Social: entre os

3.1 Projetos políticos do executivo paranaense – o velho vestido de novo

3.1.1 Descontinuísmos

Os debates em torno dos descontinuísmos dentro das políticas públicas desde o ano de 2011, têm suas origens na volta do grupo político ligado ao ex-governador do Estado, Ney Braga, com projetos políticos que se distanciariam ao longo dos anos vindouros do projeto instalado no cenário político nacional e, por conseguinte, no Paraná desde os anos de 2003 simbolizando a volta, na área da assistência social, da política de dimensões macro, em que as políticas sociais seriam alocadas em uma mesma pasta desmantelando a estrutura do Sistema

Estadual de Assistência Social que se desenhara a partir da realidade da implementação do SUAS no Brasil.

Com efeito, a primeira verificação em relação ao descontinuísmos das implementação do SUAS no Estado, refere-se às constantes alterações realizadas na estrutura administrativa do governo nesta área, que passou ao longo dos oito anos de governo (2011/18) por constantes mudanças atribuindo cada vez mais responsabilidade a uma mesma secretaria, Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social (SEDS),21 a qual passou a atuar e coordenar as seguintes políticas públicas: Assistência Social; Direitos da Criança e do Adolescente; Direitos da Pessoa Idosa; Direitos da Pessoa com Deficiência e Direitos da Mulher.

Apesar de anteriormente a assistência social também estar vinculada a outras políticas públicas como renda e trabalho, a decisão de inserir na mesma secretaria políticas afetas aos direitos humanos e a volta do primeiro damismo a frente do Sistema Estadual de Assistência Social advindos do processo de gestão na capital, refletiu significativamente na implementação do SUAS no Estado, sobretudo, pela “nova gestão” trazer ao nível estadual as experiências e práticas adotadas por este grupo em âmbito municipal.

Efetivamente a organização do SUAS em nível estadual foi fortalecido pela sua implementação nos munícipios que logo aderiram à nova PNAS/2004 e as exigências realizadas pelo Conselho Nacional de Assistência Social constantes na NOB-SUAS para o processo de cofinanciamento dos serviços, programas, projetos e benefícios, tais como: a existência em âmbito municipal de Conselhos, Planos e Fundos de Assistência Social.

Em primeiro lugar essa exigência oxigenou as ações do Conselho Estadual de Assistência Social que passou a trabalhar pelo fortalecimento dos conselhos municipais e para o fortalecimento da política através dos planos que trariam uma organização sistematizada para a gestão local em médio prazo, sendo que no Estado do Paraná esses planejamentos culminam com o mesmo período da elaboração do PPA, visando trabalhar o planejamento estratégico da política considerando a realidade e as prioridades existentes que comporiam os planos e, consequentemente, os instrumentos pertencentes aos ciclos orçamentários.

Em segundo, os períodos de realização das Conferências serviram como balizador para a fomentação destes instrumentos de gestão, bem como para o monitoramento e avaliação de como as ações estão sendo implementadas pelos gestores públicos ao longo dos trabalhos,

21 Criada pela Lei 16.840, de 28 junho de 2011, e alterada pela Lei 17.045, de 09 de janeiro de 2012; Lei 18.374,

de 15 de dezembro de 2014; Lei 18.778, de 11 de maio de 2016 e regulamentada pelo Decreto 4988, de 31 de agosto de 2016.

além de subsidiar as deliberações em relação a Política Estadual de Assistência Social. Ou seja, pelo Sistema Estadual de Assistência Social atribuir caráter deliberativo as Conferências, assim como para o CEAS, as duas instituições participativas estabelecem interações constantes entre Estado-sociedade e vislumbram as pautas a serem discutidas e deliberadas pelo colegiado.

Em meio à política de descontinuísmos presente no macrossistema essas instituições participativas asseguram a interação entre Estado-sociedade na implementação do SUAS no Estado, não em processos de articulação e negociação com o governo estadual especificamente, mas com a fomentação de prioridades advindas das Conferências realizadas nos municípios que, conforme demonstram os relatórios conferenciais22, indicam e reivindicam que a gestão estadual assuma sua responsabilidade constantes na NOB-SUAS, ofertando além de apoio técnico especializado, o cofinanciamento do SUAS em nível local.

Em linhas gerais, as Conferências realizadas em 2005, 2007 e 2009 trabalharam em prol da implementação do SUAS, com destaque para a realizada em 2009 que debateu a importância da participação e do controle social na política e deliberou que a gestão estadual garantisse suporte técnico e financeiro para os Conselhos compostos por profissionais de Serviço Social, Contabilidade, Direito e áreas afins, bem como o efetivo funcionamento das Secretarias Executivas. Com o tema “Participação e Controle Social no SUAS”, a VIII Conferência Nacional de Assistência Social, sinalizou ainda a importância do fortalecimento do controle social considerando as especificidades dos municípios indicando a necessidade de se

avaliar o formato, composição e modelo de representação dos Conselhos de Assistência Social (nos três níveis de governo), no que tange a dinâmica, funcionamento, eleição/indicação dos conselheiros, representatividade da sociedade civil (dos três segmentos) revisando e adequando as Leis de criação dos Conselhos23.

Considerando a organização do Sistema Estadual de Assistência Social, os Fóruns Regionais de Assistência Social (FOREAS) desempenharam papel determinante no processo de implementação do SUAS ao lado CEAS até meados de 2010, sobretudo, pela articulação que o mesmo suscitou junto aos municípios com reuniões descentralizadas em todas as regionais em que se localizavam os escritórios da secretaria de estado (antiga SETP),

22 Os relatórios das Conferências Estaduais de Assistência Social do período 2005 a 2017 estão disponíveis no

site http://www.ceas.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=480.

23 Disponível em: http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/CEAS/ANEXOX-

levantando a temática e construindo junto aos técnicos, conselheiros e sociedade civil o apoio necessário para o Projeto de Lei do SUAS (PL n°3077/08).

Ao promover mudanças na estrutura administrativa da SETP, a gestão Richa desencadeou o enfraquecimento dos Fóruns de Assistência Social no Estado, pois a junção da Secretaria de Estado da Criança e Juventude (SECJ) e outras áreas afetas aos direitos humanos aumentou consideravelmente o trabalho das equipes técnicas dos Escritórios Regionais, que além de desconsiderar as deliberações conferenciais para a implementação de um comando único de gestão para a assistência social, agravou a situação da política, integrando-a aos projetos políticos como uma área restrita de atendimento à população com vulnerabilidade financeira afastando-se dos princípios do SUAS de estabelecê-la como uma política pública estruturada para todos os cidadãos que precisam ou venham a precisar dos serviços ofertados pela rede de atendimento socioassistencial.

É neste sentido que ter uma secretaria pensada de forma multifacetada dentro da lógica de atendimento de diferentes políticas sociais, como é o caso da SEDS, não equivale ao mesmo que dizer que a assistência social estadual passou a ter um comando único, sobretudo, quando as equipes técnicas dos Escritórios Regionais trabalhavam também no desenvolvimento de outras políticas setoriais que integraram a “super” secretaria.

Essa realidade pode ser observada no organograma da SEDS, que desconsidera os fóruns dentro de sua estrutura de gestão, algo inédito desde a solidificação da LOAS no Paraná em 1996, separando de um lado a assistência social com a estrutura mínima prevista e exigida pela NOB-SUAS para fins de cofinanciamento e manutenção do pacto federativo e, de outro, as demais políticas setoriais, com destaque ao Programa Família Paranaense instituído como ação política prioritária para a efetivação dos projetos políticos da administração Richa.

Nesta direção, se antes os fóruns eram considerados mecanismos articuladores e contribuíam para o processo de desenvolvimento das políticas públicas de assistência social, a conjuntura política de restrições a essa política presentes no governo Lerner e retomadas por Richa, culminou na retirada da agenda governamental da articulação dos fóruns realizadas pelos técnicos dos Escritórios Regionais ocasionando o enfraquecimento destes em todo o território estadual.

Deste modo, durante a X Conferência Estadual a plenária deliberou que deveria haver a rearticulação e o fortalecimento das instâncias de participação, como os Fóruns Regionais de Assistência Social (FOREAS), e de outros que surgiram a partir da implementação dos

SUAS, tais como: os Fóruns de Trabalhadores/as do SUAS (FETSUAS), dos Fóruns Municipais de Trabalhadores do SUAS (FOMTSUAS) e os Fóruns Regionais de Trabalhadores; enquanto espaços políticos e de aprimoramento dos conhecimentos técnicos, troca de saberes e ampliação do controle social, o que até 2017 não fora efetivado dentro da administração Richa, já que a XII Conferência deliberou mais uma vez pelo fomento da organização dos Fóruns Regionalizados de Controle Social.

FIGURA 3: Organograma da SEDS

Fonte: SEDS, 2019. Disponível em:

http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1 096. Acesso em: 25 jul. 2019.

Mesmo tendo os técnicos da extinta SECJ vinculados a SEDS o número não foi suficiente para suprir as demandas oriundas das demais políticas que integraram a agenda de trabalho, o que simbolizou significativamente retrocessos na política estadual e o

desmantelamento da implementação das propostas conferenciais (2005) e do Plano Decenal de Assistência Social (2006/15), que previam entre as ações a serem implementadas a ampliação do apoio técnico da SETP aos municípios e regiões; a reestruturação da equipe técnica dos escritórios regionais; e a criação de órgão gestor/secretaria específica para a política de assistência social, com quadro de recursos humanos próprios organizado através de concurso público24.

Em 2007 quando se debateu nas conferências os compromissos e as responsabilidades para assegurar a Proteção Social pelo SUAS, foi sinalizado, na etapa estadual, que um dos principais desafios para o Estado em relação a este novo sistema era garantir uma estrutura administrativa para o órgão gestor estadual com a criação de uma secretaria específica para a política de assistência social, possibilitando o aprimoramento da gestão, capacitação permanente dos conselheiros, trabalhadores e gestores25.

A Conferência realizada em 2009 ratificou as deliberações anteriores e delimitou, como prioridade na implementação do SUAS, a necessidade do Paraná garantir comando único para a assistência social com a instituição da Secretaria Estadual de Assistência Social e a contratação de equipe técnica multiprofissional através de concurso público para compor as equipes da sede e dos Escritórios Regionais da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social (SETP/PR)26.

Ao tratar do comando único far-se-á necessário dizer que o estabelecimento de uma secretaria afeta as políticas públicas de assistência social, como é o caso da criação da SEDS, simboliza avanços, contudo, não efetiva as determinantes de uma política pública autônoma e que garante em suas estruturas atendimento não apenas aos desprovidos, mas àqueles que dela necessita independente de renda. Isto é, “ela é aliada ao desenvolvimento humano e social e não tuteladora ou assistencialista, ou ainda, tão só provedora de necessidades ou vulnerabilidades sociais” (PNAS, 2004, p.16).

Diante disso é que na IX Conferência Estadual fica demarcada, como um dos principais desafios para a consolidação do SUAS no Estado, a necessidade de se garantir equipe técnica específica para a gestão do SUAS, conforme preconizado pela a NOB/RH, bem como a criação de uma secretaria específica para a assistência social separando a gestão da política de outras políticas setoriais, garantindo a autonomia de gestão.

24 Disponível em: http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/2005/VIconf/delb_plan_decenal.pdf. Acesso em: 02

ago. 2019.

25 Disponível em: http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/VII_conf/rel_final_VII.pdf. Acesso em: 02 ago. 2019. 26 Disponível em: http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/CEAS/ANEXOX-

Na mesa redonda “Avanços e Desafios da Política de Assistência Social para o

próximo biênio” durante a X Conferência Estadual de Assistência Social, Elenice Malzoni,

coordenadora da Proteção Social Especial da SEDS, retoma a reorganização da secretaria e sinaliza como os dois anos de governo teriam (2011-2013) trazido avanços.

[...] Nós temos uma secretaria que foi novamente constituída em 2010 o início da gestão do nosso governador Beto Richa a frente a Dona Fernanda, a nossa secretária, instituímos a Secretaria de Estado e Desenvolvimento

Social novamente estruturada para dar conta das principais proteções e os

principais pontos importantes previstos para o desenvolvimento da política mais adequada. E passa aqui pela proteção básica, pela proteção especial, por uma assessoria técnica, pelas unidades de política da criança e dos adolescentes uma vez que também a antiga secretaria da criança e a juventude a secj ela também foi extinta no início da gestão, todo esse trabalho também por garantia da questão da discussão da política da criança e da juventude, essa política também está agregada a nossa secretaria de estado, então nós temos unidades técnicas que se responsabilizam também pela política da criança e do adolescente, e a unidade técnicas do programa

da família paranaense, que é um programa estratégico do governo para o enfrentamento da pobreza no nosso estado do Paraná, gestão Suas, medidas socioeducativas também, que nós também incorporamos os censes

estamos também trabalhando com toda essa complexidade dos nossos meninos e meninas, a rede cidadania, a proteção social especial e proteção básica [...] (2013, p.48)27.

Mediante a fala, é importante sinalizar que há um erro na data citada pela técnica, uma vez que o início do governo em questão ocorreu em 2011, onde de fato iniciaram as mudanças administrativas. Outrossim, cabe destaque para a dimensão da avaliação que em momento algum de sua exposição houve sinalização para ações efetivas para o fortalecimento das instâncias de participação e representação para além das determinações legais como, por exemplo, os Fóruns de Assistência Social, assim como fica claro que o objetivo da gestão é o Programa Família Paranaense utilizado como instrumento de operacionalização do SUAS e demais ações afetas a Política Estadual de Assistência Social.

Ainda, tais mudanças tornaram-se questionáveis no mesmo ano na IX Conferência como demostrado acima, uma vez que as alterações realizadas desconsideraram as normativas do SUAS e o processo de consolidação do sistema único no Paraná, o que de fato é retomado em plenária pelos delegados da X Conferência que deliberam que um dos maiores desafios existentes para o sistema estadual era o de efetivar o Pacto de Aprimoramento do SUAS no Estado, o qual em seu art. 3º traz entre suas prioridades e metas específicas para os estados, o

27 Confira na integra em: http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/2013/x_conferencia/rel_final_xconf.pdf.

“I - reordenamento institucional e programático dos órgãos gestores da assistência social dos Estados para adequação ao SUAS”28.

Por fim, a situação administrativa da SEDS pode ser observada também por meio das deliberações das XI e XII Conferências que atentaram mais uma vez para a necessidade de ampliar o apoio técnico descentralizado da equipe do Estado disposta nos respectivos Escritórios Regionais, para que realizassem de forma continuada, permanente e sistemática o processo de orientação, qualificação e gestão administrativa, orçamentária, financeira e técnica da política de assistência social in loco nos municípios.