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Reflexões acerca da Institucionalidade e da Articulação para o entendimento das

CAPÍTULO 1 Políticas Públicas, Subsistemas de Representação e Participação

1.4 Reflexões acerca da Institucionalidade e da Articulação para o entendimento das

Este cenário em que as IPs estão imersas traduz a dinâmica dos espaços políticos institucionais e os conflitos existentes no processo de participação e representação, nos quais a atenuante singular não se encontra apenas no fato das IPs estabeleceram um processo de interação entre Estado-sociedade amenizando conflitos, mas de desmobilizar exatamente esse imaginário de que as relações intrínsecas e conjecturais são harmoniosas, e evidenciar que os conflitos exprimem uma das características fundamentais das instituições participativas oriundas da onda democrática existente nos últimos 30 anos.

A interação Estado-sociedade resulta dos conflitos emergidos dentro do Estado e da sociedade civil, em que a pluralidade dos atores e de instituições ao invés de os amenizar os adensam, pois a institucionalidade em que as IPs foram introduzidas coloca diferentes projetos políticos, discutidos como pautas específicas nos coletivos, grupos, movimentos, sindicatos e partidos políticos; em uma arena política de construção coletiva, na qual o atenuante central caminhou para projetos políticos em que a força e a influência (econômica, política e social) seriam fatores relevantes para a construção de uma pauta que fosse capaz de articular a multiplicidade de interesses.

O argumento aqui defendido é de que a institucionalidade das IPs por si só não garante qualidade para o sistema democrático, sobretudo, efetividade nos processos de participação e representação, mas que os conflitos intrínsecos ao seu funcionamento apontam para este caminho na medida em que os projetos políticos representados por um conjunto de atores dinamizam a democracia e evidenciam que a interação Estado-sociedade resulta da articulação entre esses atores.

Deste modo, o fio condutor é a articulação exercida a partir da compreensão de que os conflitos agem como polos condutores no processo de políticas públicas. Isto é, a institucionalidade da participação, materializada a partir da representação da sociedade civil na indicação de atores para participarem de instituições participativas como ocorre na composição dos Conselhos Gestores, não interrompe as pautas reivindicativas presentes ao longo das décadas de 1970/80, mas as coloca em novas bases em que os conflitos entre Estado-sociedade exigem novos repertórios de interação para efetivá-las, uma vez que a institucionalidade pode simbolizar a aquisição de um direito, contudo, não exprime o atendimento das demandas oriundas das ruas.

A ideia de que a institucionalidade da participação social apontaria para a solução dos conflitos não ultrapassou o imaginário simbólico democrático. A institucionalidade culminou em outros conflitos como, por exemplo, a definição dos novos espaços de atuação dos movimentos sociais ou da junção do público e do privado dentro dos modelos participacionistas que surgiram ao longo dos anos de 1990.

Por outro lado, a institucionalidade corrobora para a afirmação de que as IPs possibilitaram a concretização da participação popular como ferramenta da democracia, tornando-se uma alternativa aos governos para a descentralização do poder, como também a engrenagem para colocar as IPs como subsistemas na consolidação das políticas públicas dentro da política nacional. Para além do atendimento das diretrizes constitucionais, as IPs

movimentaram-se rumo a consolidação de espaços de participação e representação a partir da institucionalização.

Além do aparato jurisdicional, a institucionalização engloba a capacidade de ação e inferência de uma dada instituição na arena política, considerando a relevância e o reconhecimento destas no processo de representação dos interesses múltiplos advindos da sociedade civil e do próprio governo, bem como no alcance dos fins socialmente estabelecidos, conforme defendido por Putnam (1993), uma vez que a instituição participativa dirige-se para um cenário de maior estabilidade no campo da ação, com regras delimitadas e atores definidos, escolhidos pelas organizações ao qual representam.

Nesta direção, em trabalho recente Martelli; Tonella; Jardim e Romão (2018, p.266) mostram a importância da institucionalização para o alcance dos objetivos em uma dada política pública, defendendo que quanto mais institucionalizado for o setor de política, maior chance terá de conquistar seus objetivos. Ao analisarem as Conferências de Políticas Públicas na área da assistência social, meio ambiente e política para mulheres, os autores mostram que cada um dos setores apresenta especificidades no que tange às variáveis consideradas (marcos legais, arranjos institucionais, recursos, relação entre os entes federados e comunidade de política) e que as especificidades destes setores “os colocam em diferentes níveis naquilo que diz respeito à institucionalidade e à comunidade de política” no avanço das políticas públicas.

Deste modo, se na administração pública a importância da institucionalidade está no reconhecimento legal e na capacidade organizativa de uma instituição, aqui coloca-se a ênfase no reconhecimento das IPs pelos três poderes existentes (executivo, legislativo e judiciário) no cenário político como instituições que podem corroborar para articularem interesses e apresentarem alternativas para as políticas públicas nacionais.

O objetivo aqui não é discutir modelos e desenhos institucionais das IPs, trabalho já realizado em grande medida por Avritzer (2008), mas é demonstrar que a institucionalidade é essencial para a compreensão das IPs como subsistemas políticos, pois “as formas para institucionalizar a participação civil são diversas e os desenhos institucionais não são necessariamente excludentes” (MAIA, 2010, p.168) e precisam ser analisados caso a caso de acordo com os objetivos propostos.

O cerne da discussão é que a institucionalidade das IPs deve ser pensada na sua relação com a sustentabilidade, ou seja, como algo que se mantém no tempo e que aponta para a consolidação de um projeto político que supere a lógica eleitoral, sem perder de vista a necessidade do diálogo com os projetos de governo, principalmente na definição de

estratégias políticas e institucionais para a implementação de políticas públicas, configurando- se como um elemento essencial para a definição das IPs como subsistemas políticos. A institucionalidade das IPs em seu escopo aponta, ainda, para questões como a importância histórica das pautas defendidas, o desenho das instituições, as finalidades de atuação dentro de uma dada política, as estratégias a serem utilizadas, o planejamento, o monitoramento e a avaliação dos objetivos e metas traçadas, bem como o financiamento que possibilitarão o trabalho de seus membros.

Por fim, entende-se que a institucionalidade das IPs possui caráter híbrido à medida que aglutina questões jurisdicionais e de reconhecimento cultural e social, e consiste em um dos pilares de sustentação para que as IPs possam ser estudadas sob a ótica dos subsistemas que integram as políticas públicas.

Ao se institucionalizarem a partir de decretos e/ou leis de criação as IPs caminham em direção da construção de uma identidade de representação de interesses e de promoção da participação popular nas tomadas de decisões objetivando articular as demandas específicas em benefício da construção de uma agenda coletiva, sobretudo, na necessidade de um diálogo multidimensional entre as IPs, as IPs e a sociedade civil e, consequentemente, entre as IPs e o governo.

É fundamental que se compreenda que o conceito de diálogo utilizado aqui não traduz o seu sentido literário de interação entre dois ou mais indivíduos, ele aproxima-se mais da ideia de que a interação estabelecida resulta da articulação de projetos políticos ideológicos que tanto pode produzir consensos quanto conflitos.

O conceito de articulação pode ser comparado a medula espinhal, que transmite os impulsos do sistema nervoso central e dá sustentação para todos os sentidos neurológicos do corpo humano, que quando inexiste leva o corpo a produção de múltiplas deficiências, rompimento ou a estagnação. Deste modo, a articulação é fundamental para o processo de interação e negociação no sistema político democrático, uma vez que ela garante que os processos de participação e representação não sejam unilaterais dinamizando e garantindo que os debates e embates se estabeleçam nos processos de decisão pluralizando as agendas governamentais afastando-se de regimes autocráticos e autoritários. Em outras palavras, ela concebe a força de motricidade dos subsistemas políticos, pois a interação Estado-sociedade desempenhada a partir da atuação das IPs produz resultados multifacetados que precisam de análises específicas para a compreensão dos repertórios de interação.

Precisamente a falta de articulação entre as instituições que compõem o sistema democrático brasileiro resulta em governos ineficientes e em políticas públicas de pouca efetividade. Contudo, como pensar essa desarticulação entre as instituições participativas? Qual a capacidade efetiva destas instituições de propor alterações na agenda governamental?

Diante disso, defende-se que a ausência de articulação entre as IPs fragmenta a participação e prejudica a capacidade destas de incluírem pautas de forma direta e sistemática nas agendas governamentais, porém isso não significa substancialmente que estas não possuem efetividade. O fato delas estarem presentes no cenário político institucional já sinaliza para a existência de maior ou menor grau de efetividade, uma vez que diante de múltiplos projetos políticos oriundos de outras instituições, as IPs proporcionam, de um lado, a contenção do desmonte de uma política pública refreando ações governamentais que podem desmobilizar os avanços conquistados nos últimos anos e, de outro, mobilizam diferentes atores para a defesa de direitos.

Assim, na tentativa de responder ao primeiro questionamento, o tópico a seguir trará uma reflexão acerca da articulação entre duas importantes instituições de participação - os Conselhos Gestores e as Conferências de Políticas Públicas – no fomento de políticas