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CAPÍTULO 3 A (r)existência do Sistema Estadual de Assistência Social: entre os

3.2 Planejamento estratégico e a Política Estadual de Assistência Social

As formas de relação das organizações políticas com as estruturas estatais têm se alterado constantemente no âmbito das políticas públicas, as quais sinalizam em determinados períodos para o aprimoramento dos serviços, programas, projetos e benefícios a partir de mecanismos de planejamento que aproximem as demandas sociais das agendas governamentais e, em outros, na implementação de projetos políticos que instituem uma relação unilateral nos processos de interação entre Estado-sociedade, na qual os projetos políticos ideológicos sobrepõem as demandas sociais.

Com um repertório de interação diversificado, os atores sociopolíticos vêm utilizando mecanismos de atuação que extrapolam as práticas tradicionais e inserem no campo das políticas públicas novas ferramentas para a apresentação das demandas sociais ao poder público como, por exemplo, o acompanhamento dos instrumentos de gestão presentes no Ciclo Orçamentário Público, que se tornaram, nos últimos anos, janelas de oportunidades para a implementação de alternativas nas agendas governamentais por meio da negociação dos atores que englobam os subsistemas de políticas públicas.

Este movimento dentro dos subsistemas de políticas públicas apresenta-se como alternativa aos governos que travam diálogos unilaterais a partir de dois momentos fundamentais previstos pela Constituinte e demais normas jurídicas brasileiras - o planejamento estratégico e as audiências públicas -, na tentativa de abrir canais de comunicação entre o governo e a sociedade visando balizar os projetos políticos ideológicos (partidários) com as demandas sociais.

Deste modo, o planejamento estratégico é o momento em que um conjunto de especialistas de políticas públicas, que representam tanto o governo quanto setores da sociedade civil (policy communities), buscam estabelecer estratégias para a solução dos

problemas públicos a partir de ações políticas de curto médio prazo estabelecendo conexões entre os projetos políticos do governo com as bases sociais prevendo, além das ações políticas, os recursos financeiros necessários para a implementação das mesmas.

Frente a estes cenários, os especialistas membros da sociedade em governos unilaterais (com objetivos que apontam para um único caminho), em sua maioria, são aqueles convidados a participarem do governo e que de algum modo atuam em determinadas áreas na sociedade, muitas vezes estabelecendo conexões ideológicas com os projetos políticos do gestor eleito, podendo, a depender do caso, entrar em conflito com os funcionários públicos de carreira que atuam e operam os sistemas de políticas públicas pela continuidade dos serviços, programas e projetos vigentes, em detrimento das novas diretrizes que passam a nortear a arena política.

Assim, os formuladores de políticas públicas que se encontram nos diferentes setores do governo podem ter seus repertórios de interação com a sociedade interpelados pelos gestores por não atenderem aos projetos políticos vigentes, sobretudo, fragmentando processos decisórios construídos, rompendo com canais de comunicação democráticos solidificados e desarticulando os espaços políticos de negociações entre governo e sociedade.

Em outra direção, aqueles que atuam em grupos distintos da sociedade, mas se afastam dos projetos políticos governamentais, buscam ou fomentam outros espaços institucionais de diálogos e negociações para poderem apresentar suas alternativas diante, por exemplo, da desmobilização e fragmentação dos espaços de participação e decisão, construindo processos de resistência diante da minimização do Estado em relação as diferentes áreas de políticas públicas.

Ou seja, criam estratégias utilizando das diretrizes presentes nos ordenamentos jurídicos para poderem acessar o macrossistema com o intuito de influenciar a agenda governamental e fortalecer a participação da sociedade nas tomadas de decisão, aproveitando as janelas de oportunidades que se abrem com o início de novos governos, tendo como referencial os marcos jurídicos que disciplinam a gestão pública em todo o território nacional.

Por estes motivos, o planejamento caracteriza-se pelos procedimentos de negociação interna da gestão pública, nos quais os policy makers (decisores políticos) estabelecem prioridades após o trabalho realizado pelos policy entrepreneurs (empreendedores políticos) na apresentação de alternativas para a composição da agenda governamental, traduzida, no âmbito da gestão, no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), instrumentos legais que normatizam e regulamentam o

planejamento estratégico de uma administração pública a curto e médio prazo (SANTOS, 2012).

Assim, os empreendedores políticos, após definirem os objetivos comuns dentro dos subsistemas, apresentam as alternativas para os decisores do macrossistema que podem ou não as incorporar na agenda de governo que serão expressas nos instrumentos de gestão pública para poderem ser colocadas em prática ao longo do governo. Os projetos políticos ganham forma e são normatizados pelos ordenamentos jurídicos com a apresentação dos instrumentos de gestão, os quais tornam possível compreender como e quais políticas públicas comporão de forma prioritária as agendas governamentais.

O segundo momento importante, depois do planejamento, refere-se às audiências

públicas previstas na Constituição Federal de 1988, no artigo 58, § 2o, inciso II, que

consistem em espaços de participação utilizados para a apresentação das alternativas, elaboração dos planejamentos estratégicos e/ou de diálogos com a sociedade para a apreciação das propostas, validação, monitoramento e avaliação do que foi estabelecido no plano de ação, oportunizando mais uma vez aos empreendedores de políticas a inclusão de suas pautas nas agendas governamentais apresentando ou reapresentando alternativas ao que já foi decidido dentro do macrossistema.

As tentativas de estabelecer canais de comunicação em governos unilaterais, que delimitam os espaços de participação e estabelecem pautas conforme os interesses particularistas de acordo com os projetos políticos em questão, são uma constante dentro do sistema de políticas públicas, uma vez que essa forma de governo promove as audiências públicas como mecanismo de atendimento das legislações e as distanciam de um canal democrático de promoção e recepção de alternativas, dificultando, desta forma, a inserção de outras demandas nas agendas governamentais oriundas das diferentes comunidades políticas. Governos autoritários que buscam manter seu projeto político em detrimento da vontade da população, podem usar das audiências públicas não como prevê a Carta Constitucional, como espaço aberto para as demandas populares, mas como espaços para legitimar seu projeto político.

Ambos os momentos – planejamento e audiências públicas – podem apresentar cenários de conflitos, uma vez que tanto na elaboração interna de um planejamento estratégico quanto nos espaços externos (audiências públicas), os interesses são plurais e os projetos políticos são demarcados ideologicamente de acordo com o campo de atuação dos atores envolvidos, podendo ser mais ou menos democrático/autoritário.

Neste sentido, estes instrumentos de gestão pertencentes ao Ciclo Orçamentário Público denotam, por vias legais, a abertura constante de janelas de oportunidades para aqueles que atuam no subsistema consistindo em uma ferramenta de interação entre Estado- sociedade através dos espaços de participação e representação que os envolvem, como os conselhos gestores, as conferências e as audiências públicas.

Além disso, o início de um novo governo, segundo Kingdon (2003), consiste num dos momentos mais propícios para mudanças na agenda e podem ser percebidos a partir dos planos de governos apresentados no PPA no segundo ano de mandato e, consequentemente, na LDO e na LOA anualmente, permitindo assim janelas de oportunidades, mesmo em governos que se clivam no atendimento de interesses de uma única parte, visto que estes instrumentos, cunhados no ordenamento jurídico brasileiro, preveem elaborações com a participação de especialistas governamentais e de diferentes setores sociais imersos institucionalmente nas estruturas públicas, ampliando as chances dos empreendedores de políticas incluíram ações diante das tomadas de decisão.

Diante destas prerrogativas, o orçamento ultrapassa a característica de uma ferramenta contábil e se estabelece como um mecanismo de negociação entre as necessidades sociais e o planejamento público para a superação dessas demandas, o que determina que qualquer ação a ser implementada precisa estar prevista para que possa ser executada.

Outrossim, o sistema operacional de uma máquina pública torna-se dependente dos recursos orçamentários, já que não poderão ser efetuados gastos sem que estes estejam previstos e autorizados pelo legislativo e, em algumas áreas de políticas públicas como a assistência social, educação, criança e adolescente, saúde, necessitam, antes mesmo de ser encaminhados para o legislativo, que os mesmos sejam discutidos dentro dos respectivos Conselhos Gestores a fim de possibilitar a desvinculação dos desejos individuais em prol de interesses particulares para o atendimento das demandas coletivas, independente de governos e vontades políticas.

Pode-se perceber, deste modo, que o orçamento não é apenas um instrumento contábil de gestão e controle, mas fundamentalmente um instrumento político de alocação de recursos econômicos e sociais entre segmentos da sociedade (SANTOS, 2012), assim como um importante mecanismo de articulação política para a efetivação dos projetos políticos partidários daqueles que estão à frente da gestão pública.

Os instrumentos que o compõem são essenciais para a compreensão de como tais projetos são inseridos dentro da máquina pública por determinados grupos, retratando como

as políticas públicas foram pensadas e ofertadas à população, além de permitirem análises de como as instituições de participação reagiram diante das atividades finalísticas programadas pelo poder executivo e sancionadas pelo legislativo.

Ao considerar os programas que compõem o PPA, principal mecanismo de planejamento de uma gestão pública de médio prazo, é possível verificar os direcionamentos dados pelo gestor executivo após a identificação dos problemas a serem solucionados, dos objetivos a serem alcançados e das decisões que foram tomadas na execução das ações necessárias à consecução dos objetivos para o desenvolvimento “humano, social e econômico” da população.

Em síntese, o PPA é um instrumento de gestão, elaborado pelo Poder Executivo (junto com seus diversos setores) e aprovado pelo Poder Legislativo, a fim de consolidar um plano de ação que, partindo de um planejamento estratégico, discrimine os objetivos de governo a serem perseguidos durante o mandato do chefe do poder executivo, estabelecendo programas

setoriais a serem implementados, bem como definindo as fontes de financiamento e as

metodologias de elaboração, gestão, avaliação e revisão dos programas (SANTOS, 2012). O escopo das ações constantes do PPA é contribuir para a consecução dos objetivos do programa, no qual essas ações estão inseridas. Sua elaboração segue duas etapas: a formulação da proposta inicial pelo Poder Executivo; e apreciação e votação da proposta pelo Poder Legislativo, devendo ser feita por técnicos que consigam inserir/formular um plano de

ação que esteja em consonância com o programa, bem como com a realidade existente32

(idem).

Por este ângulo, o processo de elaboração do PPA deve ser ordenado pelos agentes políticos governamentais (macrossistema) na perspectiva de mobilizar recursos, articular apoios e parcerias e adotar procedimentos criativos para contornar obstáculos e carências, garantindo, desse modo, o cumprimento dos objetivos e das metas estabelecidas, formulando ou adequando metodologias para que a sua execução ocorra de forma contínua. Assim como, prever a realização de audiências públicas para a escuta e o referendo dos diferentes atores governamentais e atores da sociedade civil (subsistemas) envolvidos na definição das diretrizes, dos objetivos, das prioridades do governo e da estimativa dos recursos orçamentários para cada setor.

A participação democrática abre espaço para alterações na LDO e, consequentemente na LOA, já que a LDO é a lei orçamentária responsável pela ligação entre o PPA e a LOA,

estabelecendo metas e prioridades do governo para cada exercício e as regras a serem observadas na elaboração e na execução do orçamento anual.

A LDO tem assumido a função de definir a estrutura do orçamento, de dispor sobre as classificações orçamentárias e de tratar de diversos outros assuntos relativos à elaboração e à execução do orçamento, envolvendo um grande número de atores e a consulta aos órgãos setoriais nas diversas áreas de governo com o intuito de traçar o cenário fiscal e definir as prioridades para o orçamento anual expresso na LOA, que por sua vez estima as receitas e fixa as despesas governamentais para os anos em exercício. Ou seja, autoriza os gastos, mas não obriga o gestor a efetuá-los (SANTOS, 2012).

De tal modo, considerando a importância dos instrumentos do ciclo orçamentário, a análise dos PPA’s e das despesas executadas durante o governo Richa permite que seja verificado como ocorreu o desenvolvimento da assistência social no âmbito federativo no Estado frente às tratativas dos projetos políticos durante os 08 anos de mandato deste grupo na gestão executiva, do mesmo modo que mostra como o Sistema Estadual de Assistência Social resistiu à suplantação do Programa Família Paranaense ao SUAS.