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Descrição de algumas pesquisas já realizadas sobre a experiência com a

Diagrama 4.8 – “ um caminho espiritual” (A ayahuasca é )

2.1 A AYAHUASCA

2.1.5 Descrição de algumas pesquisas já realizadas sobre a experiência com a

Como mencionamos anteriormente, estamos presenciando um aumento significativo no número de pesquisas envolvendo as experiências com a ayahuasca. Novas investigações

estão sendo desenvolvidas por pesquisadores iniciantes, por meio dos seus TCCs, dissertações de mestrado e teses de doutorado, sugerindo que o tema tem levantado muito interesse entre jovens pesquisadores. Na sequência apresentaremos alguns destes estudos que guardam relação direta com a investigação ora apresentada e que serão retomadas durante a discussão (GOMES et al, 2005; PELAEZ, 2002; RICCIARDI, 2007; ROSE, 2005; SANTOS, 2006a; TAVARES, 2005).

Gomes et al (2005) pesquisaram “O sentido do uso ritual da ayahuasca no tempo do mestre yajé”, como trabalho de graduação em psicologia. Neste trabalho os autores utilizaram a fenomenologia como método de investigação do sentido atribuído à ayahuasca pelos participantes do templo. Mais especificamente, se apoiaram na analítica existencial heideggeriana para investigar a possibilidade do uso da ayahuasca levar os membros deste centro a um encontro com o que haveria de mais próprio neles, um encontro consigo mesmo, dentro do conceito heideggeriano de modo próprio ou impróprio de ser.

Foi feita uma entrevista com o mestre dirigente do templo e depois uma atividade em grupo, utilizando-se de fantasia dirigida e uma expressão artística, seguida de uma discussão grupal. A partir da análise qualitativa do material colhido, o conteúdo foi divido em temas que demonstravam ter alguma relação com a noção heideggeriana de modo próprio ou impróprio de ser. Estes temas estariam ligados aos sentidos atribuídos ao uso da ayahuasca. Os temas alcançados foram os seguintes: sensibilidade; sentir-se parte; conflito/dualidade; limpeza; aprendizado e relacionamentos. Os autores concluíram afirmando que “todos os sujeitos mostraram em seus relatos momentos de encontro consigo mesmo vivenciados nas sessões de ayahuasca, com o que sente ser mais próprio seu” (GOMES et al, 2005, p. 84).

Tavares (2005, p. 4), em sua monografia de conclusão do curso de Psicologia, versou sobre o tema: “A ayahuasca como um veículo para a expansão da consciência - uma experiência na busca da transformação pessoal”. A autora propõe que

A experiência de expansão da consciência com a ayahuasca adquire um enorme valor, pois pode conduzir o indivíduo a um mergulho nas profundezas do seu ser, levando-o a se tornar consciente do material existente na sombra e oferecendo-lhe uma excelente oportunidade de trabalhar este material sob os holofotes da luz da consciência. O indivíduo poderia ver e compreender a verdadeira razão pela qual sente que algo está errado.

Além disso, a autora propõe que as experiências com a ayahuasca poderiam favorecer o processo de individuação, tal como proposto por Jung, na medida em que ajudaria a pessoa

a descobrir e trabalhar os conteúdos da sua sombra, que costumam vir à tona nas experiências com a ayahuasca. A autora afirma também que a ayahuasca poderia favorecer experiências do sagrado e do divino, o que também contribuiria para a transformação da consciência.

Tavares conclui afirmando que a psicologia pode se beneficiar muito do estudo das experiências com a ayahuasca, já que esta favorece uma maior compreensão dos fenômenos da consciência humana. Muitas de suas reflexões serão utilizadas na discussão dos resultados da presente dissertação.

Ricciardi (2007) obteve seu título de Mestre em Ciências Sociais investigando “O uso da ayahuasca e as experiências de transformação, alívio e cura na União do Vegetal (UDV)”. Em sua pesquisa, a autora procurou investigar como se dá a experiência de transformação, alívio e cura na UDV, numa perspectiva sócio-antropológica, buscando compreender, através do discurso dos adeptos dessa religião, o significado das experiências com o vegetal e a que ou a quem atribuem essas transformações e curas. A autora concluiu, a partir dos relatos, que os adeptos atribuem suas transformações a cinco fatores: ao querer, ao chá, aos ensinos ou doutrina, ao Mestre Gabriel e às pessoas do grupo.

Numa linha de investigação semelhante se encontra Pelaez (2002), que em sua dissertação de mestrado realizado em 1994, abordou o estudo das potencialidades terapêuticas do Santo Daime como agente de cura espiritual, utilizando a teoria elaborada por Stanislav Grof, um dos principais pesquisadores da Psicoterapia Psicodélica.

Nos diversos relatos dos daimistas foram descritas mudanças similares reconhecidas por eles como indicadores concretos e visíveis de suas curas espirituais. Entre essas modificações que apareceram reiteradamente nas narrativas dos entrevistados, interpretados por eles como “indicadores da cura espiritual”, estão: mudanças na personalidade; mudanças nas relações como o corpo; reinterpretação das histórias de vida; mudanças nas relações com a sociedade; mudanças nas relações com a natureza; e reinterpretação das concepções de trabalho (PELAEZ, 2002, p. 484).

Santos (2006a), biólogo de formação, realizou seu mestrado em Psicologia investigando possíveis alterações na expressão de ansiedade, depressão e pânico em membros de uma igreja do culto do Santo Daime nos arredores de Brasília. Aplicou questionários padronizados para avaliações de ansiedade-estado (IDATE-estado), ansiedade- traço (IDATE-traço), pânico (ESA-R) e depressão (BHS), em indivíduos que faziam uso ritual desta bebida há pelo menos dez anos consecutivos.

O que chama atenção em sua pesquisa é o fato de ele ter aplicado os questionários durante a realização de uma sessão com a ayahuasca, uma hora após a ingestão da substância pelos sujeitos investigados. Além disso, sua pesquisa se destaca pelo elaborado desenho experimental executado, incluindo o método duplo-cego com placebo.

Santos (2006a) concluiu que, sob o efeito da ayahuasca, os participantes exibiram estados atenuados de sinais psicométricos agudos relacionados ao pânico e à depressão, não tendo tido efeito sobre o estado ou traço de ansiedade avaliados pelo IDATE.

O trabalho que mais guarda semelhanças com a pesquisa apresentada nesta dissertação é o da pesquisadora Rose (2005), que realizou sua dissertação de mestrado em Antropologia Social investigando o tema “Espiritualidade, Terapia e Cura: um estudo sobre a expressão da experiência no santo daime.”

A partir da análise das experiências dos participantes da comunidade do Céu da Mantiqueira, expressos na forma de desenhos e narrativas, a pesquisadora levantou as principais categorias culturais envolvidas nos relatos a respeito dos processos de cura, saúde e doença.

Rose (2005, p. 3) chegou à conclusão de que nesta comunidade pode ser observada uma “imbricação entre o espiritual e o terapêutico”, identificando “um duplo movimento, convergente e simultâneo, de terapeutização da espiritualidade e espiritualização dos procedimentos terapêuticos”. Com base nesta conclusão, a autora levanta a hipótese de que os procedimentos terapêuticos existentes nessa comunidade são o de um “continuum espiritual- terapêutico”.

Alguns dos resultados obtidos pela autora serão levados em conta na discussão desta dissertação. Porém, o elemento de sua pesquisa que mais encontra ressonância com a pesquisa ora apresentada é o resgate da tradição fenomenológica que a autora busca fazer para acolher a expressão das experiências de seus entrevistados.

Para a pesquisadora, o enfoque na experiência está relacionado a uma mudança de perspectiva na própria antropologia, aonde o enfoque desloca-se da ênfase em estruturas e sistemas, dirigindo-se para “o agente empírico e para a maneira como este experiencia as coisas.” (p. 20) Segundo a autora,

Estas novas teorias criticam dualidades conceituais tais como mente/corpo, sujeito/objeto, sexo/gênero, corpo/embodiment. A questão central passa a ser maneira pela qual o corpo é uma condição essencial da vida. Contrapondo-se

a muitas teorias que reduzem a experiência à linguagem, discurso e representação, há um resgate da tradição fenomenológica numa busca de transcender essas reduções. (p. 21)

Neste contexto de mudanças e revisões, “o corpo torna-se preocupação central da antropologia”, passando a ser visto como uma “fonte de agência e intencionalidade”. Rose (2005, p. 21) cita Turner (1981, p. 156), que afirma que para se compreender os rituais com a ayahuasca, “deve-se ir além das dimensões cognitivas da experiência”, sendo importante “levar em conta todos os sentidos e percepções dos participantes.”

Acrescenta, ainda, que “este novo olhar, dinâmico, diacrônico, processual, procura enxergar dimensões da experiência que antes não eram levadas em conta ou não eram enfatizadas”, além de “procurar integrar as várias dimensões da experiência na análise”. (p. 22)

A pesquisa apresentada nessa dissertação também se ancorou em uma postura fenomenológica, com enfoque na experiência pessoal direta do indivíduo, tal como vivida pelo sujeito e ancorada no corpo enquanto lócus da experiência vivida, assim como proposto por Merleau-Ponty (2006).