• Nenhum resultado encontrado

Descrição de Percepção de Morte Digna, Fadiga e Valores

Capítulo VI Estudo II Correlatos de Percepção de Morte Digna e

6.3.2. Descrição de Percepção de Morte Digna, Fadiga e Valores

Na Tabela 5 são apresentados os resultados referentes aos fatores de percepção de morte digna. Conforme é possível observar, os coeficientes de consistência interna variaram de 0,37 (Controle físico e cognitivo) a 0,71 (Manutenção da esperança e do prazer), com valor médio de 0,56. Por outro lado, a homogeneidade, indicador que não é influenciado pelo número de itens que compõem o fator, apresentou valores entre 0,19 (Controle físico e cognitivo) e 0,48 (Manutenção da esperança e do prazer), com coeficiente médio de 0,34.

Tabela 5. Estatísticas Descritivas dos Fatores de Percepção de Morte Digna

Fatores Estatísticas

α ri.t m Dp

I - Manutenção da esperança e do prazer 0,71 0,48 6,1 0,79 II - Boa relação com a equipe profissional de saúde 0,54 0,33 5,2 1,07 III - Controle físico e cognitivo 0,37 0,19 4,9 0,99 IV - Não ser um fardo para os demais 0,44 0,23 5,5 1,57 V - Boas relações com a família 0,69 0,47 6,0 0,86

VI - Controle do futuro 0,59 0,32 4,6 1,21

Notas: α = alfa de Cronbach, ri.t = Homogeneidade, m = Média e dp = Desvio padrão.

Com o fim de comparar as pontuações dos participantes nos diversos fatores de percepção de morte digna, realizou-se uma Manova para medidas interdependentes. Nesse caso, comprovaram-se diferenças estatisticamente significativas [Lambda de Wilks = 0,26, F (5, 216) = 122,82, p < 0,001, χ² = 0,74]. Para conhecer entre que fatores se situavam as diferenças, realizou-se um teste post hoc de Bonferroni. Corroborando a Hipótese 1, o fator com maior pontuação foi manutenção da esperança e do prazer (m = 6,1); a Hipótese 2 também foi corroborada, isto é, o segundo fator mais importante foi boas relações com a família (m = 6,0). Contudo, há que destacar que não houve diferença entre ambos, porém as pontuações nos dois foram superiores àquelas dos demais fatores; as pontuações nos fatores boa relação com a equipe profissional de saúde, controle físico e cognitivo e não ser um fardo para os demais também não se diferenciaram entre si, mas todas foram superiores à pontuação do fator controle do futuro.

No que se refere às subfunções valorativas, na Tabela 6 são apresentados os resultados resumidos. Pode-se observar, por exemplo, que os coeficientes de consistência interna (alfas de Cronbach) variaram de 0,42 (experimentação) a 0,67 (existência), com índice médio de 0,59. Os coeficientes de homogeneidade se situaram todos acima de 0,20, oscilando entre 0,24 (experimentação) e 0,48 (existência), sendo seu valor médio de 0,40.

Tabela 6. Estatísticas Descritivas das Subfunções Valorativas Subfunções Estatísticas α ri.t m dp Experimentação 0,42 0,24 5,1 0,86 Realização 0,57 0,38 4,7 0,96 Existência 0,67 0,48 6,0 0,83 Suprapessoal 0,64 0,45 5,7 0,80 Interativa 0,61 0,42 5,6 0,83 Normativa 0,61 0,41 5,5 0,99

Nota: α = alfa de Cronbach, ri.t = Homogeneidade, m = Média e dp = Desvio padrão.

Como ocorreu com os fatores de percepção de morte digna, também com os valores foram comparadas as pontuações nas seis subfunções. Concretamente, realizou-se uma Manova para medidas interdependentes, observando diferenças estatisticamente significativas [Lambda de Wilks = 0,35, F (5, 218) = 82,41, p < 0,001, χ² = 0,65]. O teste post hoc de Bonferroni indicou que as subfunções consideradas mais e menos importantes foram, respectivamente, existência (m = 6,0) e realização (m = 4,7); com exceção das subfunções interativa e normativa, todas as demais se diferenciaram entre si, conforme as pontuações médias descritas nessa tabela.

A medida de fadiga já tinha sido previamente empregada em pesquisa com médicos brasileiros (Massud, Barbosa & Gouveia, 2007). Não obstante, decidiu-se aqui checar previamente sua estrutura fatorial, sobretudo em razão do número reduzido de médicos do Estado de Rondônia que participaram daquela pesquisa (n = 147). Concretamente, checou-se inicialmente a adequação de se efetuar uma análise de componentes principais [KMO = 0,80 e Teste de Esfericidade de Bartlett, (45) = 688,13, p < 0,001], justificando esse procedimento. Portanto, coerentemente com a solução fatorial então imposta, decidiu-se fixar a extração de um único componente, assumindo como ponto de corte carga fatorial igual ou superior a |0,40|. Os resultados dessa análise são mostrados na Tabela 7, a seguir.

Tabela 7. Estrutura Fatorial da Escala de Avaliação da Fadiga

Afirmações Cargas

Fatoriais

02. Fico cansado muito rapidamente 0,79

0,78 0,74 0,71 0,65 0,64 0,64 -0,48 -0,27 0,20 0,62

05. Sinto-me exausto fisicamente 0,61

09. Sinto-me exausto mentalmente 0,55

01. Sinto-me incomodado devido à fadiga 0,50

08. Não sinto vontade de fazer nada 0,42

06. Tenho problemas para começar coisas 0,41

07. Tenho problemas em pensar claramente 0,41

04. Tenho suficiente energia para o meu dia-a-dia

10. Posso me concentrar bem quando estou fazendo algo 03. Não faço muitas coisas durante o dia

0,23 0,07 0,04 Número de Itens 8 3,81 38,1 0,84 0,56 Valor Próprio % Variância Explicada alfa de Cronbach Homogeneidade

Notas: ai.f. = Carga factorial, h² = comunalidade.

De acordo com esta tabela, oito itens podem representar adequadamente o construto fadiga, apresentando cargas fatoriais entre -0,48 (Tenho suficiente energia para o meu dia-a- dia) e 0,79 (Fico cansado muito rapidamente). Esse componente geral apresentou valor próprio (eigenvalue) de 3,81, explicando 38,1% da variância total; seu alfa de Cronbach foi 0,84, apresentando homogeneidade de 0,56. Portanto, parecem existir evidências de validade de construto dessa medida.

Conhecida a estrutura fatorial da Escala de Avaliação da Fadiga, procurou-se conhecer como esse atributo indicador de desgaste físico e mental se apresentava na amostra estudada. Dessa forma, procedeu-se inicialmente à comprovação da distribuição de suas pontuações, avaliando se esta era normal. O teste de Kolmogorov-Smirnov não permite corroborar a hipótese de normalidade [D (222) = 0,064, p = 0,028], apresentando tais pontuações uma distribuição assimétrica à direita (skewness = 0,96), conforme a Figura 4.

Figura 4. Distribuição Gráfica das Pontuações de Fadiga

A título de comparação, tomou-se como referência o ponto mediano da escala de resposta desse atributo (md = 3; algumas vezes), comparando-o com a média efetivamente observada para os participantes do estudo (m = 2,2, dp = 0,60). Nesse caso, observou-se diferença estatisticamente significativa [t (221) = 19,18, p < 0,001], sugerindo que o grau de fadiga desses profissionais está abaixo do citado ponto, raramente ocorrendo eventos dessa natureza.

Em resumo, os médicos deste estudo concebem a morte digna principalmente em termos de seguir tendo esperança e desfrutando da vida, além de ter a companhia dos familiares. Seus valores refletem uma orientação mais bem social do que pessoal, destacando- se a prioridade atribuída aos valores da subfunção interativa. Apesar da multiplicidade de atividades no exercício profissional, tais médicos não apresentaram nível considerado alto de fadiga.

6.3.3. Correlatos da Percepção de Morte Digna

Nesta parte são testadas as Hipóteses 3 e 4 deste estudo. O propósito é conhecer os antecedentes da percepção de morte digna, enfocando os valores dos médicos, seus indicadores demográficos e laborais, além de variáveis relativas à sua saúde geral e fadiga. A Tabela 8, a seguir, apresenta os correlatos valorativas da percepção de morte digna.

Tabela 8. Valores e Componentes de Percepção de Morte Digna em Médicos Fatores de Percepção de Morte

Digna

SUBFUNÇÕES VALORATIVAS

I II III IV V VI

I - Manutenção da esperança e

do prazer 0,28*** 0,18** 0, 40*** 0,31*** 0,37*** 0,38*** II - Boa relação com a equipe

profissional de saúde 0,27*** 0,27*** 0,27*** 0,38*** 0,37*** 0,34*** III - Controle físico e cognitivo 0,25*** 0,23** 0,26*** 0,24*** 0,21** 0,21** IV - Não ser um fardo para os

demais 0,14* 0,13* 0,17* 0,25*** 0,12 0,14*

V - Boas relações com a família 0,24*** 0,27*** 0,48*** 0,37*** 0,45*** 0,39*** VI - Controle do futuro 0,20** 0,12 0,22** 0,23** 0,12 0,11

Notas: * p < 0,05, ** p < 0,01, *** p < 0,001 (teste bicaudal). Identificação dos componentes de percepção de morte digna: I = Experimentação, II = Realização, III = Existência, IV = Suprapessoal, V = Interativa e VI = Normativa.

A Hipótese 3 estabelecia que as pontuações nas subfunções experimentação e realização, que cumprem o critério de orientação pessoal, estariam positiva ou diretamente correlacionadas com aquelas no fator controle físico e cognitivo. De fato, foram precisamente esses os resultados observados: r = 0,25 e 0,23, respectivamente (p < 0,001; prova unicaudal). Portanto, corrobora-se essa hipótese.

A Hipótese 4 previa que as pontuações nas subfunções interativa e normativa, que cumprem o critério de orientação social, estariam diretamente correlacionadas com aquelas no fator boas relações com os familiares. De acordo com a Tabela 8, essas correlações se confirmaram: r = 0,45 e 0,39, respectivamente (p < 0,001; prova unicaudal). Nesse sentido, essa hipótese também foi corroborada.

Apesar de terem sido formuladas unicamente duas hipóteses acerca dos correlatos valorativos da percepção de morte digna, outras correlações foram também significativas e merecem atenção, como a seguir são descritas em função do fator correspondente:

Manutenção da esperança e do prazer. Este fator se correlacionou positivamente com as pontuações de todas as subfunções valorativas, destacando-se suas correlações com as seguintes: existência (r = 0,40, p < 0,001), normativa (r = 0,38, p < 0,001) e interativa (r = 0,37, p < 0,001); foi menos forte sua correlação com as pontuações nas subfunções que cumprem critério de orientação pessoal, principalmente com realização (r = 0,18, p < 0,01).

Boa relação com a equipe profissional de saúde. As pontuações neste fator se correlacionaram positivamente com as de todas as subfunções valorativas (p < 0,001), destacando-se aquelas cuja orientação é social [r = 0,37 (interativa) e 0,34 (normativa)], mas, sobretudo, com a subfunção suprapessoal (r = 0,38). Sua correlação foi menos forte com as subfunções com orientação pessoal (experimentação e realização) e com existência, todas com correlações de 0,27.

Controle físico e cognitivo. Além das correlações deste fator com as subfunções experimentação e realização, tratadas na Hipótese 3, as pontuações neste fator se correlacionaram diretamente com aquelas das outras quatro subfunções, como seguem: existência (r = 0,24, p < 0,001), suprapessoal (r = 0,26, p < 0,001), interativa e normativa (r = 0,21, p < 0,01 para ambos).

Não ser um fardo para os demais. A maior correlação deste fator com as subfunções valorativas foi observada para suprapessoal (r = 0,25, p < 0,001); seguiram-se, de forma menos preponderante (p < 0,05), existência (r = 0,17), experimentação (r = 0,14), normativa (r = 0,14) e realização (r = 0,13).

Boas relações com a família. Este fator foi previamente tratado na Hipótese 4. Porém, além das subfunções com as quais ele se mostrou diretamente correlacionado, observaram-se correlações na mesma direção com as quatro restantes, como seguem (p < 0,001): existência (r = 0,48), suprapessoal (r = 0,37), realização (r = 0,27) e experimentação (r = 0,24).

Controle do futuro. As pontuações neste fator se correlacionaram unicamente com aquelas de três das subfunções valorativas (p < 0,01), a saber: suprapessoal (r = 0,23), existência (r = 0,22) e experimentação (r = 0,20).

Quanto aos indicadores sociodemográficos, incluindo os demográficos propriamente, aqueles laborais e os referentes à saúde geral, decidiu-se primeiramente avaliar a possibilidade de agregá-los, evitando tratá-los um a um. Precisamente, foram considerados os seguintes (os dicotômicos foram transformados em dummy, como valores 0 e 1): idade dos participantes, estado civil (0 = Solteiro, 1 = Casado), se têm filhos (0 = Não, 1 = Sim), tempo de exercício

da profissão, se trabalham em urgência (0 = Não, 1 = Sim) e emergência (0 = Não, 1 = Sim), número de atividades em Medicina e as horas trabalhadas por semana, se houve diminuição da libido (0 = Não, 1 = Sim), se tinham doença que implicasse cuidado especial (0 = Não, 1 = Sim), autopercepção do estado atual de saúde (escala de 1 = Excelente a 5 = Péssimo) e pontuação na medida de fadiga. Como essas foram variáveis medidas avaliadas em escalas diferentes, decidiu-se padronizá-las, isto é, transformá-las em pontuações z, com valores aproximados entre -3 e +3, cobrindo 99% da curva normal. Com base nessas pontuações transformadas, efetuou-se uma análise de componentes principais, estabelecendo a rotação varimax, porém sem fixar o número de componentes a extrair. Os resultados dessa análise são resumidos na Tabela 9, a seguir.

Tabela 9. Estrutura Fatorial dos Indicadores Sociodemográficos

INDICADORES COMPONENTES

I II III

Idade do médico 0,93 -0,06 0,11 0,88

Tempo de exercício profissional 0,91 -0,05 0,12 0,85

Se tem filho(s) 0,80 0,00 0,06 0,64

Estado civil 0,53 0,06 -0,01 0,28

Atividade de plantão -0,10 0,80 -0,02 0,65 Atividade de urgência -0,12 0,80 0,10 0,66 Horas de trabalho por semana 0,03 0,69 0,01 0,48 Número de atividades médicas 0,16 0,43 0,20 0,25 Avaliação geral do estado de saúde 0,06 0,07 0,80 0,65

Medida de fadiga -0,38 0,03 0,62 0,53

Doença que demanda cuidados especiais 0,35 -0,03 0,48 0,35 Sente diminuição da libido 0,17 0,19 0,35 0,19

Número de itens 4 4 4

Valor Próprio 2,95 2,00 1,45

% Variância explicada 24,5 16,7 12,1

alfa de Cronbach 0,83 0,65 0,38

Homogeneidade 0,55 0,32 0,21

O uso dessa estatística se mostrou aceitável [KMO = 0,65, χ² (66) = 937,35, p < 0,001], revelando três componentes com quatro indicadores cada um, os quais explicaram conjuntamente 53,3% da variância total; todos os indicadores apresentaram cargas fatoriais superiores a 0,35.

Componente I. Este primeiro componente reuniu indicadores com cargas entre 0,53 (estado civil) a 0,93 (idade dos participantes), apresentando valor próprio de 2,95,

correspondendo à explicação de 24,5% da variância total; sua consistência interna (alfa de Cronbach) foi de 0,83, com homogeneidade de 0,55. Considerando o conteúdo dos indicadores que o compõem, pode-se nomeá-lo como estabilidade pessoal.

Componente II. Os quatro indicadores que formaram este segundo componente apresentaram cargas fatoriais entre 0,43 (número de atividades em Medicina) e 0,80 (atividade de urgência). Seu valor próprio foi de 2,00, explicando 16,7% da variância total, tendo apresentado alfa de Cronbach de 0,65 e homogeneidade de 0,32. Os indicadores que saturaram nesse componente revelam o sentido de desgaste profissional.

Componente III. Os indicadores reunidos neste componente apresentaram cargas fatoriais entre 0,35 (sente diminuição da libido) e 0,80 (avaliação geral do estado de saúde). Esse apresentou valor próprio de 1,45, contribuindo com 12,1% da explicação da variância total; seu alfa de Cronbach foi de 0,38, e sua homogeneidade, de 0,21. Tomando em conta seus indicadores, parece evidente a interpretação desse componente, que pode ser nomeado como saúde geral.

Conhecidos os três componentes de indicadores sociodemográficos, claramente retratando as dimensões pessoal, laboral e de saúde dos participantes, procurou-se primeiramente correlacioná-los entre si, e logo com os seis fatores de percepção de morte digna. Não se observou qualquer correlação substancial entre tais componentes (r ≤ 0,11, p > 0,05); quanto à sua correlação com as dimensões de percepção de morte digna, unicamente a dimensão estabilidade pessoal se correlacionou com seu fator não ser um fardo para os demais (r = 0,15, p < 0,05).

Em resumo, parece evidente que a percepção do que venha a ser uma morte digna, com qualidade, está mais atrelada às prioridades valorativas das pessoas do que aos seus atributos pessoais, suas condições de trabalho e mesmo estado geral de saúde, ao menos como foram avaliados tais atributos. Resta conhecer, não obstante, que relação os construtos avaliados têm com o lugar indicado como aquele onde os médicos gostariam de morrer.

Documentos relacionados