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Capítulo II Morte: Reações, Luto e Lugar onde Morrer

2.1. Reações diante da Morte

Sabe-se que as epidemias dizimaram muitas vidas nas gerações passadas. A medicina evoluiu erradicando as doenças, os antibióticos diminuíram os casos fatais de doenças infecciosas, a educação e a puericultura baixaram os índices de mortalidade infantil. Aumentou o número de anciãos, e com isso aumentaram as doenças crônicas associadas à velhice, assim como os pacientes com distúrbios psicossomáticos, problemas de comportamento e ajustamento. Os consultórios médicos estão com pacientes mais velhos, que procuram viver com suas limitações, mas também enfrentar a solidão e o isolamento, com as angústias que deles advêm. São essas mudanças, ocorridas nas últimas décadas, responsáveis em parte pelo crescente medo da morte, o aumento dos problemas emocionais e a necessidade de compreender e lidar com a morte e o morrer.

Em seu livro “Sobre a morte e o morrer”, Elisabeth Kübler-Ross (2008) relata que quanto mais se estudam as culturas e os povos antigos, tem-se a impressão de que o homem abomina a morte, e em seu inconsciente ela nunca é possível, por se tratar da própria pessoa; ela apenas admite ser morta, sendo inconcebível morrer de morte natural ou velhice. A autora faz reflexões e traz uma mensagem muito clara: pacientes à morte ainda estão vivos, têm sentimentos, desejos e necessidades; entretanto, são muitas vezes ignorados, não tendo sequer o direito de opinar.

Hoje em dia, morrer é triste, solitário e desumano, sendo muitas vezes difícil determinar a hora exata em que ocorre a morte, porque o paciente é removido de seu ambiente familiar e levado às pressas para uma sala de emergência. O paciente comumente clama por paz e dignidade, recebendo em troca medicamentos, infusões e tratamentos múltiplos, claramente já não necessários para um corpo que apenas deseja descansar. Todos estão preocupados com o funcionamento do organismo, mas não com o ser humano que há nele.

Gala León et. al. (2002) afirmam que o medo e a ansiedade são as respostas mais associadas à morte na cultura ocidental. Surgem com maior ou menor intensidade quando se pensa na própria morte e na dos outros, quer sejam pessoas da família ou amigos, podendo gerar ansiedade só de imaginar. E essa ansiedade e o medo ante a morte dependem: a) das reações cognitivas e afetivas antes da morte; b) das mudanças físicas, reais e/ou imaginárias, que ocorrem antes da morte ou enfermidades graves; c) da noção da passagem do tempo; e d) da dor e estresse que ocorrem nas enfermidades crônicas ou terminais e dos medos associados. A ansiedade ocorrida ante a morte está também relacionada com a história pessoal e cultural, e com os modos de enfrentamento diante da separação e das mudanças.

A personalidade, duração da enfermidade, relacionamento com o médico assistente, idade, local da assistência, tipo de enfermidade, envolvimento familiar, educação, religiosidade, presença ou não de dor, unidos ao sofrimento psíquico, são fatores relacionados à própria morte: a agonia e o ato de morrer. De fato, grande parte do temor da morte é evidenciada nas seguintes formas: o medo do processo da morte, medo de perder o controle da situação, medo do que acontecerá aos seus depois da sua morte, medo do isolamento e solidão, medo do desconhecido e medo de que a vida não tenha tido qualquer sentido. Em suma, tais medos traduzem sofrimento e dor psíquica.

Kübler-Ross (2008) realizou trabalho com pacientes terminais, tendo como finalidade eliminar ou amenizar o medo da morte, resgatando a espiritualidade. Por meio de workshops sobre a morte e o morrer, trouxe a morte para o convívio do paciente, seus familiares e a equipe de saúde, propondo que se saísse da mentalidade da morte interdita para a morte reumanizada. De fato, uma mudança conceitual importante, primando pelo reconhecimento do doente como um ser humano, que merece respeito e dignidade.

Em tempos de morte interdita e com o grande avanço da medicina, pacientes gravemente enfermos podem representar para os profissionais de saúde o fracasso dos tratamentos, a sensação de impotência, de que nada podem fazer, condenando tais pacientes a uma morte social quando ainda estão vivos. O grande dilema está entre não fazer nada ou fazer tudo pelo paciente terminal, pois fazer tudo pode significar uma atitude obstinada contra a morte. O desenvolvimento de programas de cuidados paliativos tem mostrado o quanto é possível fazer para aliviar e controlar os sintomas e promover a qualidade de vida das pessoas que estão próximas à morte e de seus familiares.

Kübler-Ross (2008), ao falar sobre o cuidado com os pacientes gravemente enfermos, tira-os da condição de segregados, fazendo-os assumir o papel de sujeitos de sua existência, que no final de vida têm o direito de decidir o que é importante, concluir seus assuntos inacabados e ter uma morte digna. Alguns profissionais os consideram como algo secundário, estando mais interessados em tarefas que envolvem o prolongamento da vida. Como essa autora afirma em vários momentos, o importante é trazer o olhar do profissional dos ponteiros, protocolos e exames para a pessoa que está sob seus cuidados, atentando para os sentimentos que acompanham o conteúdo que está sendo manifesto. A propósito, ela criou instrumentos que ajudam a compreender que as pessoas passam por fases em situação de crise, ou quando sentem que suas vidas são ameaçadas, a saber: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, como a seguir são descritos:

a) Negação: Ocorre quando o paciente toma conhecimento da fase terminal de sua doença e é influenciado pela forma como a informação lhe foi dada. A maioria dos pacientes reage: “não, eu não, não pode ser verdade”. Essa negação faz com que eles busquem outros profissionais para confirmar seus diagnósticos, pois acreditam que seus exames e nomes foram trocados. É uma defesa temporária, e os pacientes podem conversar sobre a realidade de seu estado e rapidamente demonstrar incapacidade de encarar o fato realisticamente. Quando sentem que devem falar, abrem a alma e participam sua solidão com palavras, pequenos gestos e comunicações não-verbais;

b) Raiva: “Não, não é verdade, isso não pode acontecer comigo!” Existe um sentimento de raiva, revolta e ressentimento nessa negação. A raiva pode estar relacionada com sentimento de impotência e falta de controle da própria vida; é um estágio difícil para a família e equipe hospitalar, pois a raiva se propaga em todas as direções e projeta-se no ambiente, sem razão plausível na maioria das vezes. Os médicos não prestam, não sabem que exames pedir, mantêm os pacientes no hospital mais do que o necessário, não respeitam seus desejos etc. Reclamam de tudo e todos, nada presta. As visitas dos familiares são recebidas com pouco entusiasmo, são penosas, e tanto os familiares como a equipe hospitalar retribuem com raiva, alimentando o comportamento hostil do paciente;

c) Barganha: É o estágio menos conhecido, mas útil ao paciente, embora por pouco tempo. É a possibilidade de entrar num certo acordo para adiar o desfecho inadiável, e na maioria das vezes é feita com Deus, mantidas em segredo, ditas nas entrelinhas. Esse

mecanismo pode estar associado a aspectos de culpa, relacionados com o surgimento da doença;

d) Depressão: Quando o paciente não pode mais esconder sua doença, sua revolta e raiva cederão lugar a um sentimento de perda; perda do corpo, das finanças, da família, do emprego, da capacidade de realizar certas atividades profissionais e de lazer. É um estágio de preparação para a perda de todos os objetos amados. É difícil para a família, que tenta animar o paciente na tentativa de trazê-lo de volta para a vida; e

e) Aceitação: Os pacientes que viveram sua doença e receberam apoio nos momentos anteriores chegarão a uma aceitação da sua morte. Tendo realizada a despedida dos seres queridos, podem manifestar uma grande tranquilidade. O paciente parece desligado, dorme não como fuga, mas como repouso antes da grande viagem. A luta contra a morte cessou. Muitas vezes o paciente fica em silêncio. É um período difícil para a família, que quer trazer o paciente para a vida, conversar, falar dos aspectos do mundo, que para o paciente não são mais necessários, uma vez que o desligamento já se processou (Cassorla, 2009; Kovács, 2008b; Kübler-Ross, 2008).

Vale ressaltar que, conforme Kovács (2008b) e Kübler-Ross (2008), não são todos os pacientes que passam por todos os estágios e sempre nessa mesma sequência; alguns chegam à aceitação muito prontamente; muitos lutam contra a morte enquanto estão morrendo, com grande inquietude e desespero. Portanto, os comportamentos dependem de cada pessoa, seus princípios, suas crenças religiosas, suas aspirações etc.

Kovács (2008b) discute a problemática de como agir com os pacientes quando não estão mais em questão o diagnóstico e a cura. É nesse momento que se inicia outro tratamento, que tem como finalidade o alívio e o bem-estar da pessoa. Ela não morre só da doença, mas também como ser humano. É bom lembrar que não se está tratando apenas de uma doença, mas de um ser humano em sua plenitude, que tem personalidade, desejos e expectativas, apresentando três estágios da doença terminal:

Estágio I. Vai do início dos sintomas até o diagnóstico. Entre os mecanismos de defesa mais observados para enfrentar esse estágio, estão a negação e o deslocamento.

Estágio II. Desde o diagnóstico até o estágio terminal. É o período no qual se concentra a maior parte do tratamento, cujo objetivo é combater a doença e buscar a cura. Há oscilação entre a negação, o abrandamento e o deslocamento, até se chegar a uma aceitação da irreversibilidade da condição.

Estágio III. Diz respeito ao período em que o tratamento ativo diminui; há uma ênfase na busca do alívio de sintomas e nos cuidados com a pessoa.

Cada estágio favorece a percepção da vida e da morte. A interação com a família e a equipe médica sofre alterações radicais; as necessidades são diferentes, os pacientes começam a vivenciar as perdas, como isolamento e afastamento da relação familiar, problemas financeiros e diminuição da autonomia sobre o próprio corpo. O luto não começa no momento da morte, e sim quando a pessoa percebe que ela é inevitável.

No paciente terminal, as pessoas próximas enviam mensagens verbais e não-verbais incongruentes, nas quais tentam ocultar fatos ao paciente, porém sem efeito, pois o mesmo já sabe da gravidade de sua doença, pelas próprias manifestações corporais. A mensagem verbal pode até ser controlada, mas as expressões faciais, o olhar e a postura denunciam uma incongruência entre um otimismo verbal e um desânimo corporal. É um esforço teatral que o paciente assume para esconder sua consciência diante dos familiares, temendo que os mesmos sofram e se distanciem dele.

A família também passa por tais estágios ao saber do diagnóstico de uma doença grave, e cada um enfrenta de forma diferente, de acordo com sua estrutura e com a relação que se estabelece entre os envolvidos. Pode haver processos ligados à perda em vida, ao luto antecipado, medo de ver o sofrimento, a decadência de seu familiar e a impotência de não poder fazer nada para aliviar seu sofrimento, fazendo com que as pessoas se sintam muitas vezes culpadas (Kovács, 2008a).

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