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Capítulo VII Conclusão

7.4. Estudos Futuros

Replicar os estudos descritos previamente, sem dúvida, poderá ser uma primeira alternativa de estudos futuros. Em mais de uma ocasião se comentou sobre a orientação coletivista que guia atitudes e comportamentos de pessoas na região Norte; o que dizer, porém, sobre lugares que contam com orientação mais individualista, a exemplo das regiões Sul e Sudeste? (Gouveia et al., 2002; Hofstede et al., 2010). Será que seguiriam valorizando as boas relações com familiares, ou acentuariam mais os fatores de ter controle físico e cognitivo e controle do futuro? Além disso, sua preferência por local onde morrer se assemelharia mais às das culturas individualistas ou coletivistas? Por fim, seriam mantidos os mesmos padrões de correlações entre os valores, a percepção de morte digna e a escolha do local onde gostariam de morrer? Conforme é possível apreciar, unicamente mudando o contexto do estudo é possível pensar em uma gama de questões que, atualmente, carecem de respostas.

Embora no Estudo 2 as pessoas fossem perguntadas sobre a especialidade principal em que atuam, em razão do número reduzido de participantes e especialidades tidas em conta, decidiu-se não efetuar qualquer comparação com respeito à percepção de morte digna e escolha do lugar preferido para morrer. Porém, talvez essa seja uma questão que despertará o interesse de outros pesquisadores, tendo em conta que em algumas especialidades a vivência com a morte é bem mais acentuada, como no caso de oncologistas e médicos legistas, por exemplo. Que impacto, portanto, essas especialidades poderão ter nas variáveis citadas, comparando-as com especialidades menos expostas a eventos de terminalidade da vida, como podem ser oftalmologia e psiquiatria? A propósito, talvez valesse a pena estabelecer parcerias com as sociedades de especialidades, contribuindo com o entendimento que seus associados têm acerca da morte.

Parece fundamental pensar em fases diferentes da formação médica. O estudante ingressa no curso de Medicina, por vezes, com a visão romântica de salvar vidas; porém, logo poderá se deparar com a realidade de lidar com a morte (Kováks, 1985). Nesse sentido, seria importante realizar estudo longitudinal para compreender como e em que momento vão perfilando as mudanças de percepção, caso existam, sobre os atributos que definem uma morte digna para tais estudantes. Esse aspecto poderia mesmo ser ampliado para considerar médicos com tempos diferentes de formados, ponderando em razão de suas especialidades, seus atributos mais pessoais (e.g., sexo, idade, formação religiosa) e suas aspirações profissionais e econômicas.

Não é possível reduzir a equipe de saúde aos médicos. Estes, sim, são importantes, mas não menos são os enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos, apenas para citar alguns profissionais da área. Portanto, qualquer contribuição que pretenda ser realmente eficaz e inclusiva deverá ter em conta opiniões, atitudes e valores do conjunto desses profissionais. Será preciso, pois, tê-los em conta, procurando conhecer como percebem a morte digna e que importância dão às decisões dos pacientes e seus familiares. Por suposto, esse não é um tipo de pesquisa que possa ser realizada facilmente, sendo igualmente dispendiosa em termos de sempo e dinheiro. Neste sentido, haverá que procurar envolver órgãos de fomento e, sobretudo, conselhos profissionais, mostrando a relevância da temática para a promoção da qualidade de vida, incorporando também o momento de morrer.

Será preciso insistir mais nos valores humanos. Conforme foi possível descrever no marco teórico, estes são construtos centrais no sistema cognitivo das pessoas (Rokeach,

Gouveia, 2003), podendo ser fundamentais para explicar a forma como se percebe a morte digna, mas também como se configuram os princípios bioéticos de autonomia, paternalismo, beneficência, não-maleficência e justiça social. Sobre esse ponto, embora se tenha contribuído com a versão brasileira da Escala de Percepção de Morte Digna, representando a possibilidade de estimular estudos futuros sobre essa temática no país, sentiu-se falta nesta tese de medidas específicas sobre os princípios bioéticos. Haverá que se pensar em como operacionalizá-los, construir instrumentos específicos a respeito ou adaptar alguns que têm sido usados com outras finalidades.

Como ficou evidente quando revisados os estudos sobre a morte e o morrer, embora sejam processos que deveriam ser naturais, há uma repulsa a respeito deles por parte expressiva das pessoas. De fato, a notícia da iminência da morte, na oportunidade de diagnóstico de uma doença crítica (e.g., câncer, AIDS, hepatite C), pode produzir reações diversas, mas quase sempre de negação, revolta e depressão (Kovács, 2008b; Kübler-Ross, 2008). Será preciso conhecer algo mais a respeito, incluindo medidas de estresse, fadiga e desesperança; talvez valha a pena pensar também em (in) gratidão, ideação suicida e crença no mundo justo. Portanto, como se percebe, muitos são os construtos que poderão ser levados em conta. Nesse sentido, também poderão ser pensados modelos explicativos mais complexos, trabalhando-se com aqueles hierárquicos ou de mediação-moderação. Em definitivo, embora se reconheça que a experiência diante da morte possa ser única, os estudos têm demonstrado vivências compartilhadas, comuns, que podem denotar processos psicossociológicos subjacentes. Valerá a pena, então, empreender esforços no sentido de construir verdadeiros modelos explicativos, de modo que se possam pautar as práticas sobre essa temática.

Por fim, será muito interessante a realização de um estudo de âmbito nacional sobre a temática da morte digna, com o fim de ter uma noção real da necessidade de uma legislação que dê suporte à decisão de pacientes e médicos sobre como, quando e onde morrer. Nessa direção, quiçá demande pensar, levar a cabo e elaborar uma lei que discipline o testamento vital, nos moldes adotados por Portugal.

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