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Capítulo 2 O Governo Wilson Branco (1997-2000): o começo

2.5 Desempenho do governo

Para o PMDB/Família Branco, dois fatores eram essenciais para viabilizar o modelo político aplicado, como a dissertação procura expor: demonstrar a capacidade de vencer a eleição e ter a perspectiva de efetivamente ganhar a disputa, independentemente dos possíveis adversários. Se o desempenho é a condição sine qua non para que essa engenharia política possa funcionar e garantir o apoio dos demais partidos, torna-se importante para a investigação expor o desempenho do primeiro mandato da Família Branco.

Em primeiro lugar é necessário registrar que, do ponto de vista político- econômico, a conjuntura municipal era muito diferente daquela apresentada nos períodos que se seguiram. O desenvolvimento encontrava-se em um patamar muito inferior em relação ao que surgiu a partir do terceiro mandato (2004). Em dezembro de 1996, uma pesquisa feita pelo Ministério Público e pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) indicou quais eram as preocupações centrais da população:

o desemprego é o maior problema dos riograndinos [...]. Outros problemas apontados foram a falta de ética e competência na política. Além de mais empregos, os riograndinos querem mais infra-estrutura e saneamento básico [...]. A população aponta como itens preferidos a praia do Cassino, a tranquilidade e as festas. Os méritos são da Prefeitura, da natureza do povo e da paisagem natural. Os principais problemas são a falta de segurança, limpeza urbana, [...] poluição [...], péssima qualidade do transporte coletivo. Os considerados culpados por isso, na ordem, são: prefeitos, governo estadual, povo, governo federal, Justiça, Brigada Militar e Polícia Civil (JORNAL AGORA. 6 dez. 1996, p.3).

Importante para a compreensão do quadro político institucional à volta de Wilson Branco é o fato de o governo do estado do Rio Grande do Sul estar nas mãos do PMDB, tendo como vice o PSDB. No Governo Federal, quem governava era o PSDB, tendo o PMDB, maior bancada, como aliado fundamental no parlamento. Dentro dos limites políticos, esses dois elementos contribuíram enormemente para a construção do próprio Wilson como grande liderança do PMDB. Esta posição política permitiu um trânsito maior nas hóstias políticas do estado e do governo federal, ainda que subordinado às macro políticas.

Já em dezembro de 1996, era destacada a instalação do governo do estado em Rio Grande, o que ocorreria no mês seguinte, o de início da administração. A reportagem indicava a intenção política por trás dessa honraria: “através do

secretariado, os empresários serão informados sobre o que o município tem a oferecer. ‘Faremos um seminário, do qual vamos tirar proveito para nosso governo’, frisou o prefeito eleito”. Wilson Branco já apontava a política de busca de empreendimentos para o combate ao desemprego. Na mesma reportagem o prefeito eleito dava conta de ser ofensivo:

Branco tem se mostrado disposto a concretizar sua proposta de apresentar benefícios à comunidade logo no início da gestão, tanto é que já está ‘preparando terreno’ para implantação de alguns projetos. Um deles, confirmado por Wilson Branco ao ‘Agora’, é a criação de uma Usina de Leite de Soja, para atender principalmente as necessidades das escolas municipais. Disse que a implantação do projeto já está sendo agilizada, mas deixou para dar mais detalhes quando assumir o governo (JORNAL AGORA, 5 dez. 1996, p.4).

Observa-se que, mesmo antes de tomar posse, Wilson Branco já dialogava com as preocupações da população. Ele iniciou o governo com o anúncio, ainda em janeiro de 1997, de investimentos da ordem de R$ 67 milhões para a região, fruto de suas emendas ao orçamento da União, quando do seu período de deputado federal.

No que tange aos empreendimentos, anunciou a usina de leite de soja. No dia 22 de julho de 1997, “recebeu [...] em seu gabinete a visita do deputado federal Paulo Ritzel (PMDB) que veio acompanhado pelo empresário José Antônio Schneider. O objetivo da visita foi mostrar ao empresário as potencialidades do Distrito Industrial de Rio Grande” (JORNAL AGORA, 22 jul. 1997, p.3). Abriu uma luta para trazer a fábrica da GM para a cidade34. Em dezembro de 1997, o Jornal Agora anunciava que “Casa Blanca começa a se instalar em RG no mês de janeiro”:

o diretor florestal da empresa Casa Blanca Forest, Adriano Zaiatz, coordenador da implantação de um complexo florestal e industrial em Rio Grande, anunciou ontem no Município que o início da implantação do projeto acontecerá em 15 de janeiro. O projeto prevê a construção de duas fábricas em Rio Grande visando a produção de painéis estruturados de madeiras, utilizando a tecnologia denominada de OSB (painéis de lascas de madeira orientada) (JORNAL AGORA. 18 dez. 1997, p.3).

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Noticiou-se que a Indústria de automóvel havia cogitado colocar sua planta produtiva na cidade de Rio Grande em função do Porto. Nada se concretizou, no entanto Wilson Branco anunciou na mídia que estava tentando retomar a luta pela montadora. Ainda que não houvesse nenhuma pretensão por parte da GM de instalar uma fábrica em Rio Grande, o impacto na população era positivo, gerando notícia, como atesta o Jornal Agora que lhe ofereceu uma capa com o título “Rio Grande retoma briga pela GM” (JORNAL AGORA, 25 jul. 1997, capa).

Para além da questão da criação de emprego, na área da saúde anunciou a construção de postos de saúde 24 horas (JORNAL AGORA, 20-21 dez. 1997, p.3); a criação do fundo municipal da saúde, possibilitando a municipalização solidária35; abriu linha de crédito, pelo Banrisul, para os funcionários municipais; anunciou, junto com o Ministro dos Transportes (Eliseu Padilha, do PMDB), o “edital para obras do túnel sairá no 1º semestre de 2000” (JORNAL AGORA, 18-19 dez. 1999, p.3).

No que tange à preocupação com o lixo, demanda que apareceu na pesquisa do Ministério Público e da FURG, foi noticiado que “Wilson Mattos Branco, desde o início de sua administração ele vem revelando descontentamento com o serviço do recolhimento do lixo urbano prestado pela empresa Veja Sopave. Ele chegou a dizer que nunca viu a cidade tão suja” (JORNAL AGORA, 30 abr. 1997. p.4)36.

E deu início ao que era definido como projeto “Rio Grande para todos” – a mesma denominação da coligação que o levou à vitória –, ao debater o Plano Plurianual diretamente com a população, por meio de reuniões nos bairros (JORNAL AGORA. 22 jan. 1997, p.3). Estas reuniões nos bairros para a construção do Plano Plurianual foram mantidas nos mandatos posteriores.

O impacto dessas notícias em um município onde o desemprego, a falta de investimentos e o lixo são preocupações centrais da população, foi construindo uma imagem do governo e de seu líder. Pescador por origem, Wilson Branco, que já havia sido eleito como vereador, com votação recorde naquele pleito (1992), sempre assumiu uma postura populista e a reforçou no exercício do cargo de prefeito. Ele se aproximou do povo, gostava de se dirigir diretamente ao povo – seu gabinete era aberto – e produzia um discurso de modernização do município de Rio Grande. Adotou a mesma postura quando foi candidato a deputado federal, quando ficou como primeiro suplente. Gostava de usar frases simples, mas de grande apelo e fácil comunicação, pois repetiam ditados populares, como por exemplo: “Rio Grande cresce como cola de cavalo, para baixo”. Nesse sentido, pode-se dizer que a imagem que o prefeito cultivou e que a população reconhecia era a de um homem do povo, que conhecia os problemas desse povo e estava empenhado em melhorar a vida desse povo.

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O município se habilitou para a municipalização solidária, no ano de 2000, com as contas aprovadas pelo Conselho Municipal de Saúde, ainda que com ressalvas.

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Posteriormente, esta empresa trocou de razão social e continuou a prestar serviços à prefeitura. Mas isso não era o que importava. Wilson falou da cidade suja, porque esta era a fala do povo.

Com todas estas iniciativas, ele imprimiu um governo com bases populistas. É importante explicar a leitura adotada pela investigação em relação a esse termo. Faz-se necessário tal esclarecimento frente ao fenômeno mítico que se tornou Wilson Branco após seu falecimento. Entende-se que tal produção mítica só seria possível circunscrita a uma relação populista. O debate em torno do conceito encontra-se nos limites de sua operacionalidade. Como diz Batistella (2012, p.1): é “um conceito que vem sendo, nos últimos vinte anos, debatido por historiadores, sociólogos e cientistas sociais. Não por acaso, o debate envolvendo o ‘populismo’ é atualmente um dos mais complexos, polêmicos e espinhosos na academia brasileira”.

Nesse debate, o que de importante deve ser ressalvado, na perspectiva da investigação, é a presença de duas leituras que se antagonizam: a de Francisco Weffort e Octavio Ianni, que lhe atribui um sentido negativo; e a do filósofo argentino Ernesto Laclau.

Em ‘O populismo na política brasileira’, Weffort dirá que o populismo, surgido após um longo processo de transformação da sociedade brasileira desde 1930, se manifestará de duas maneiras: como um estilo de governo e como uma política de massas. Ademais, Weffort também traria, para a época, uma importante novidade por meio da premissa do tripé ‘repressão, manipulação e satisfação’ para explicar o sucesso do ‘populismo’ no Brasil. Em outras palavras, a conjugação da repressão estatal com a manipulação política das massas e a satisfação dos trabalhadores ao verem algumas de suas demandas atendidas daria origem ao ‘pacto populista’ (BATISTELLA, 2012, p.4).

Em Ianni, que tem na derrota das forças progressistas ao golpe civil-militar de 1964 como foco de compreensão, vê nele o esgotamento da prática populista, na medida em que o Estado – em sua opinião – não mais precisa conduzir um Brasil agrário em direção a um Brasil industrial (a crise do capitalismo inaugurada em 1929, com a quebra da bolsa de valores, havia já se recuperado, estabelecendo um novo bloco no poder). O colapso do populismo no Brasil, obra angular dos estudos de Ianni, delimita o fenômeno do populismo ao período de 1945 a 1964. Ou seja, para esses autores o fenômeno do populismo é delimitado na história, fazendo parte de um momento muito específico da história do Brasil, consequentemente não mais existente.

Já Laclau “busca identificar, inicialmente, o elemento comum, invariável, que atravessa as diversas experiências classificadas como populistas. Esse elemento central é a ‘referência ao povo” (PINTO, 2011). Para o autor, o “populismo é uma forma de articulação política, é um processo que necessita e constitui o povo”. O povo como articulação política é um permanente “fazer-se” povo, fazer-se sujeito no processo político. O povo é uma construção de muitas demandas dos de baixo, não atendidas pelas forças do bloco no poder, que são sintetizadas por uma demanda particular que acaba por transformar-se universal – no interior de um processo de equivalências –; uma demanda que passa a ter um significado para muito além do seu significado original. No caso específico, a demanda por asfalto. Em seu artigo, Pinto relaciona o conceito de populismo, de Laclau, com a disputa eleitoral de Wilson Branco, identifica a demanda por asfalto como sendo esta síntese da articulação política que constitui o “povo”. Não por acaso, Wilson Branco apresenta a proposta da usina de asfalto para a cidade.

Desta maneira o povo, como uma construção histórica de sujeitos vinculados pela prática e um sentido compartilhado (discurso) não necessariamente homogeniza e dissolve a diferença cultural, mas as sintetiza, isto é, conserva as identidades particulares em uma forma articulatória dinâmica emoldurada em relações sociais, apropriações coletivas da história e relações com a alteridade (PINTO, 2011).

Entretanto, a demanda particular que se universaliza – assume a figura do significante vazio –, e se constitui como povo, necessita de uma representação ontológica, a do líder. É esta relação do povo e seu líder, a partir da perspectiva laclauniana, que a investigação toma como referência, quando fala em populismo ou em “bases populistas”: uma relação ontológica que permite o ato do falecimento de Wilson Branco – a ser abordado especificamente a seguir – transformar-se em um mito e processar a construção de uma base eleitoral que serviu como alicerce para o processo de manutenção do poder político durante 16 anos.