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2. A MODERNIDADE E SUAS IDIOSSINCRASIAS

2.2. A teoria weberiana da modernidade

2.2.2. O desencantamento do mundo

Em um estudo particular, o sociólogo brasileiro Antônio Flávio Pierucci, especialista na teoria sociológica weberiana, realizou um rastreamento cauteloso dos usos do termo “desencantamento”, suas derivações e flexões, com a finalidade de identificar os sentidos literais do conceito na obra de Max Weber. De acordo com o autor (2005, p.139), o termo denota dois sentidos bastante específicos: um desencantamento religioso do mundo, ético- prático, e um desencantamento científico do mundo, empírico-intelectual.

64 No primeiro, é a própria religião que desencanta, efetuando uma desmagificação das vias de salvação, “eticizando” o mundo; no segundo, é a ciência enquanto força empírico-intelectual que desencanta o mundo, transformando-o em um mero mecanismo causal, “deseticizando-o”. Portanto, o desencantamento do mundo ocorre quando os aspectos mágicos do pensamento vão sendo desalojados da dimensão religiosa, e as ideias e noções sobre o mundo vão ganhando no pensamento cada vez mais uma consistência sistemática e naturalística, isto é, consolidação científica. Ou seja, desencantamento do mundo não significa a anulação da religião, mas sim que a intelectualização da religião provocou uma moralização em termos de padrão de conduta ético, ao tornar a magia irracional. E, com o processo de modernização, a ciência tornou a religião irracional. Ao submeter a natureza à análise, a ciência a desencanta, anulando os mistérios e sentidos últimos da realidade, pois, conforme seus pressupostos, tudo pode ser explicado e dominado pelo cálculo, método e técnica.

Então, desse modo, Weber, de acordo com Pierucci (2000, p.119), constatou ser viável caracterizar com propriedade o extenso processo de racionalização religiosa pelo qual passou a religiosidade ocidental, precisamente devido à hegemonia cultural alcançada pela forma eticizada de religião desencantadora deste mundo, o judaico-cristianismo. Conforme o autor,

Weber quis situar precisamente o ponto de partida do processo de desencantamento: seus criadores, arautos, primeiros portadores e propagadores (Träger) foram os profetas de Israel, florão do judaísmo antigo. E foram as seitas puritanas seus radicais e autoconfiantes portadores, na época, pioneira da gestação histórica da moderna civilização do trabalho, seu ponto de chegada religioso, depois do qual, então, se transitou até a primazia da ciência moderna, o destino do nosso tempo, que reduz o mundo a um mero mecanismo causal (WB) (PIERUCCI, 2000, p. 120).

Em relação ao desencantamento religioso do mundo, o próprio Max Weber expõe tal processo, resumidamente, através de uma inserção tardia feita por ele mesmo numa edição de A ética protestante e o espírito do capitalismo em 1919-20, cuja versão primeira fora de 1904- 05.

Aquele grande processo histórico-religioso do desencantamento do mundo que teve início com as profecias do judaísmo antigo e, em conjunto com o pensamento científico helênico, repudiava como superstição e sacrilégio todos os meios mágicos de busca da salvação, encontrou aqui sua conclusão (WEBER, 2004, p. 13-14) 4.

4 Aqui são usadas como referências duas edições diferentes da obra em português. Uma da editora Pioneira

Thompson Learning (WEBER, 2003) que conta com uma seção de introdução feita por Weber e não contém a inserção ressaltada por Pierucci, e outra da Companhia das Letras (WEBER, 2004) que contém tal inserção, mas não a introdução presente na edição citada anteriormente.

65 Para Weber, segundo seus estudos sobre as religiões (1982, 1987 e 2004), e conforme as duas últimas citações acima, no Ocidente as crenças e ideias das grandes religiões monoteístas, do Judaísmo e do Cristianismo, sobretudo através dos seus profetas, despojaram-se da magia gerando um desendeusamento da natureza, o que permitiu o desencantamento científico do mundo e o surgimento de uma orientação de conduta ética que resultou no ascetismo ativo.

Por outro lado, as religiões asiáticas do Oriente, em que o mundo é encantado, como, por exemplo, as da China e da Índia (WEBER, 1958 e 1968), resultaram no misticismo. Nessas religiões vigorava um monismo mágico com deuses, espíritos, seres humanos, e tudo mais, numa pura imanência homogênea de energias anímicas, onde quase tudo é ser vivente e há sempre um ser “divino” ou “espiritual” que se encanta através de algum elemento natural, como a água, ar, pedra, fogo ou raio.

Ademais,

Magia é coerção do sagrado, compulsão do divino, conjuração dos espíritos; religião é respeito, prece, culto, e, sobretudo, doutrina. Sendo principalmente doutrina, a religião representa em relação à magia um momento cultural de racionalização teórica, de intelectualização, com nítidas pretensões de controle sobre a vida prática dos leigos, querendo constância e a fidelidade à comunidade de culto. A normatividade que corresponde à magia é o tabu; a normatividade que vai resultar da religião é a ética religiosa (PIERUCCI, 2005, p. 70, grifo do autor).

Segundo Weber (1982, p. 373-375), o ascetismo contrasta radicalmente com o misticismo, pois, no segundo, o adepto é levado a fugir do mundo, mas no primeiro, a agir de modo intramundano. No misticismo, a religião concebe o ser humano como um recipiente do divino em contemplação, pressupondo uma abstenção de toda atividade mundana para se atingir um vazio interior que será preenchido pelo divino contemplado. Assim, a postura é de renúncia do mundo com uma glorificação de um ócio contemplador e dos rituais purificadores. Com isso, a magia do misticismo termina por possuir relação direta com o tradicionalismo.

Ora, magia implica necessariamente tabu ritual, ritualismo dos braboas, e tabu ritual é esteriotipia de formas, diz Weber, de formas estéticas sem dúvida, [...] Esteriotipia é fixação, é apego congelante ao que sempre foi e sempre será. É tradicionalismo, portanto. Pois muito bem, que melhor lugar que a China para se observar de perto as implicações e consequências não antecipadas do respeito absoluto ao ritual e às tradições? Magia implica isso:

66 Já no ascetismo, racionalmente ativo, por sua vez, a característica básica é uma postura ético-religiosa em que o ser humano se percebe como instrumento da volição divina. Conforme o que a religião concebe como vontade divina, a ascese pode se manifestar de dois modos diversos. Ou a ascese recusa o mundo, e o adepto adota a postura de “estar no mundo sem ser do mundo”, crendo ser um instrumento pela prática de orações e da caridade, agindo para estabelecer o “Reino de Deus” nesse mundo em que é estrangeiro, como é o caso da concepção monástica dos católicos medievais; ou a ascese acontece no mundo, de forma ativa, onde a ação do adepto é intramundana com o intuito de glorificar a Deus nesse mundo, tratando-se de uma ação de domínio do mundo, como é o caso, de acordo com Weber (2004), dos protestantes calvinistas no exercício do trabalho.

Quando a religião se moraliza “para valer”, ela desencanta o mundo; e vice- versa, quando uma religião se desmagifica, “até o fim”, não resta outro caminho àqueles que a seguem a não ser o ativismo ético-ascético no trabalho profissional cotidiano. A China não conheceu isso, pois permaneceu encantada (PIERUCCI, 2005, p. 126).

Então, a comparação de Weber é significativa. Ele faz questão de sublinhar o processo de “magificação” asiático, destacando como “imenso jardim encantado mágico” o budismo popularizado com seu excesso de ritualismo. Bem como, ao contrastar a religião de Israel, o judaísmo antigo, com a Índia, enfatiza que o mundo indiano permaneceu em um jardim encantado irracional (PIERUCCI, 2005, p.127).

Para romper o círculo mágico dessa pura imanência animada, só mesmo a profecia eticamente exigente enviada “de fora” por um Deus “outsider” a esse jardim povoado de potências invisíveis – e irracionais, porquanto “capazes de tudo por puro capricho” – um Deus único supramundano ético. Monoteísmo é básico para erradicação da magia. Para romper a inércia da racionalidade mágico-prática que faz do mundo um jardim de maravilhas [...], só mesmo a racionalidade ético-prática da ascese pedida pelo Deus ético em meio a um mundo “desvalorizado” como corrupto: sem Deus, sem valor. E isso, somente com a alavanca da profecia ético-emissária tal como narrada no Antigo Testamento, peculiar invenção da cultura religiosa judaica, elo-chave na cadeia causal histórico-explicativa do desenvolvimento do racionalismo ocidental (PIERUCCI, 2005, p. 129-130).

Assim, em Weber, o ascetismo ativo forma, juntamente com a noção de um Deus ético e a postura judaica contra a magia, uma das fundamentais condições para o desenvolvimento singular do Ocidente em termos de racionalização. Principalmente, o ascetismo ativo e intramundano levado às últimas consequências pelo protestantismo. De acordo com Schluchter:

67 Somente quando o protestantismo, em consequência da reforma, retomou as heranças judaicas e cristãs primitivas – amalgamando-as sobre o fundamento de um individualismo religioso radical – pôde acontecer a destruição completa de todas as instâncias intermediárias entre o Deus e o homem, e o desencantamento (Entzauberung) radical de todos os caminhos para ele. Nesse sentido, Weber pode afirmar o fato de somente aqui [no Ocidente] ser realizado o desencantamento completo do mundo com todas as consequências (SCHLUCHTER, 1999, p. 113).

É também o que afirma Nobre (2016) ao esclarecer esse processo descrito na obra weberiana nos seguintes termos:

A primeira configuração desmagicizadora corresponde ao Judaísmo Antigo e a segunda, ao Protestantismo Ascético. Sem dúvida, esta última ganhará relevo quando se trata de mostrar como a desmagicização veio a extrapolar o cenário religioso para fazer do desencantamento a face do mundo moderno, com suas esferas tipicamente não religiosas ou profanas, pois é mais do que conhecida a tese weberiana a respeito da influência da ascese intramundana protestante na sustentação inicial de todo o arcabouço racionalizador dos nossos tempos, e não só do capitalismo. O protestantismo é compreendido como o único movimento religioso de relevância histórica a associar a salvação com o desenvolvimento de uma ética de domínio racional e profissional do mundo cotidiano, numa indubitável contribuição para o destino do Ocidente se tornar o que veio a ser (NOBRE, 2016, p. 149).

Portanto, a partir de tal explicação, conclui-se que o desencantamento religioso do mundo se trata de um processo de desmagificação. A intelectualização da religião irracionaliza a magia em um processo especificamente intrarreligioso, devido ao fato de o caráter profético eliminar os intermediários para se chegar a Deus, implicando, portanto, uma ruptura com as práticas mágico- sacramentais. O resultado é que não há mais a necessidade de se recorrer à magia. De acordo com Pierucci (2005, p. 76), para Weber a magia é uma forma irracional de buscar salvação. Aí a crença na providência divina a substitui, constituindo-se assim, para ele, o que é caracterizado como a racionalização religiosa (PIERUCCI, 2005, p.72).

Nesse processo, por haver uma profunda sistematização teórica, há o estabelecimento de um padrão de conduta ética de moral religiosa, cujo destaque e exemplo weberiano é a conduta, que no protestantismo fora levado a cabo por causa da crença de que só se podia confiar em Deus, e não mais em nenhum outro meio.

...a perpetuação da palavra, não como um documento escrito, mas como uma potência do Espírito Santo atuante na vida diária do crente, falando diretamente ao indivíduo que quiser ouvi-la, era, segundo o testemunho das comunidades primitivas, o único signo de reconhecimento da verdadeira Igreja [...] Dessa ideia de uma revelação continuada resultou a célebre doutrina, [...] da significação em última instância decisiva do testemunho

68 interior do Espírito na razão e na consciência. Com isso se punha de lado, não a validade da Bíblia, mas sim sua autocracia e, no mesmo passo, iniciava-se uma evolução que varria radicalmente todos os resquícios da doutrina da salvação por via eclesiástica [...] As denominações anabatistas, ao lado dos predestinacianos e, sobretudo, dos calvinistas estritos, consumaram a mais radical desvalorização de todos os sacramentos como meios de salvação e assim levaram o “desencantamento” religioso do mundo as suas últimas consequências. Somente a “luz interior” [da revelação continuada] habilitava de modo geral à verdadeira compreensão das próprias revelações bíblicas de Deus (WEBER, 2004, p. 133).

Já em relação ao desencantamento científico do mundo na obra de Max Weber, a partir dos textos “A ciência como vocação” (WEBER, 1982, p.154-183) e “Consideração intermediária”, conhecido no Brasil pelo subtítulo de sua segunda edição alemã, “Rejeições religiosas do mundo e suas direções” (WEBER, 1982, p. 371-410), Pierucci faz duas constatações (2005, p. 135-166). A primeira, de que na pré-modernidade a história da humanidade estava alicerçada em um mundo de compreensão sagrada, de mistérios ocultos, que são estimados, mas não explicados. E a segunda, de que na modernidade a história do ser humano passa a ser baseada na capacidade de explicação da ciência, sobretudo devido ao pilar da razão. Isso significa que o processo de racionalização, com a sua intelectualização inicialmente de origem religiosa, terminou por contribuir para que o intelecto humano passasse a acomodar aquilo que pode ser explicado, excluindo-se, por consequência, o que está além disso.

Nesse sentido, o desencantamento do mundo realizado pela ciência se deu pelo desfazimento da imagem de mundo religiosa, de um Deus monoteísta supramundano que atribuía uma orientação ao mundo, uma vez que o intelectualismo próprio da ciência moderna ressignifica tal acepção, conferindo ao mundo um sentido mecânico, uma redução a um mecanismo apenas de causa e consequência em que não há possibilidade de haver um ser divino. Conforme asseverou Max Weber:

A tensão entre a religião e o conhecimento intelectual destaca-se com clareza sempre que o conhecimento racional, empírico, funcionou coerentemente através do desencantamento do mundo e sua transformação num mecanismo causal. A ciência encontra, então, as pretensões do postulado ético de que o mundo é um cosmo ordenado por Deus e, portanto, significativo e eticamente orientado. Em princípio, a visão do mundo, tanto empírica quanto matematicamente orientada, apresenta refutações a qualquer abordagem intelectual que, de alguma forma, exija um “significado” para as ocorrências do mundo interior. Todo aumento do racionalismo na ciência empírica leva a religião, cada vez mais, do reino racional para o irracional; mas somente hoje a religião se torna o poder supra-humano irracional ou antirracional (WEBER, 1982, p. 133).

69 Assim, se antes a religião desencantou o mundo da magia, do ritualismo, dos deuses, demônios e espíritos, engendrando um sentido uno para o mundo, depois, na modernidade, de acordo com Pierucci (2005, p.142), a ciência, com seus efeitos corrosivos, colocará em xeque “as pretensões de validade objetiva das visões de mundo que veem o mundo dotado de um sentido objetivo”. O autor reforça essa constatação nos seguintes termos:

...primeiro a religião (monoteísta ocidental) desalojou a magia e nos entregou um mundo natural “desdivinizado”, ou seja, devidamente fechado em sua “naturalidade”, dando-lhe, no lugar do encanto mágico que foi exorcizado, um sentido metafísico unificado, total, maiúsculo; mas depois, nos tempos modernos, chega a ciência empírico-matemática e, por sua vez, desaloja essa metafísica religiosa, entregando-nos um mundo ainda mais “naturalizado”, um universo reduzido a “mecanismo causal”, totalmente analisável e explicável, incapaz de sentido objetivo, menos ainda se for uno e total, e capaz apenas de se oferecer aos nossos microscópios e aos nossos cálculos matemáticos em nexos causais inteiramente objetivos, mas desconexos entre si, avessos à totalização, um mundo desdivinizado que apenas eventualmente é capaz de suportar nossa inestancável necessidade de nele encontrar nexos de sentido, nem que sejam apenas subjetivos e provisórios, de alcance breve e curto prazo.

A ciência, na verdade, obriga a religião a abandonar sua pretensão de nos propor o racional. Assim, acuada, ela tem de se conformar em nos oferecer o irracional, melhor, em retirar-se ela mesma no irracional (PIERUCCI, 2005, p. 145).

Então, com a retirada do sentido objetivo do mundo, dado por uma concepção metafísica proveniente de uma realidade ordenada e orientada por Deus, resta um mundo despido de sentido, reduzido a uma máquina cuja dominação científica é total, através da razão, método e técnica.

A crescente intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos. Significa mais alguma coisa, ou seja, o conhecimento ou crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Significa principalmente, portanto, que não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos, em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desencantado. Já não precisamos recorrer aos meios mágicos para dominar ou implorar aos espíritos, como fazia o selvagem, para quem esses poderes misteriosos existiam. Os meios técnicos e os cálculos realizam o serviço. Isto, acima de tudo, é o que significa a intelectualização (WEBER, 1982, p. 165).

Portanto, considerando os aspectos ressaltados nas três últimas citações acima, é relevante destacar primeiramente que, conforme Weber, o desencantamento do mundo, abarcando tanto sua dimensão religiosa quanto científica, promove uma perda de sentido na realidade,

70 justamente devido à processual substituição da religião pela razão. Tendo em vista que para Weber é a religião que dá sentido à realidade, fornecendo a base para os valores últimos, não há nada mais a restar do que leis próprias, com suas relações de causa e consequência na natureza, submetidas à ciência para serem descortinadas, explicadas cientificamente através de seus nexos causais isolados, parcialmente concatenados, e nunca exauridos. (PIERUCCI, 2005, p. 157). Para além dessa redução naturalística, concepção fechada e mecânica da natureza, não há saída, afirmou Weber nas seguintes palavras:

O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e intelectualização e, acima de tudo, pelo “desencantamento do mundo”. Precisamente os valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e pessoais (WEBER, 1982, p. 182).

De acordo com Nobre,

Weber tinha consciência do caráter eminentemente técnico da empresa científica com sua potência de desencantamento do mundo, não só no sentido da exclusão de referências e procedimentos mágicos, mas também na recusa do dogmatismo religioso, conferindo ao conhecimento um sentido objetivo e, portanto, distante de qualquer prescrição ou orientação ética. A consagração cultural da ciência está no fato de que somente ela pode se comprometer com técnicas de conhecimento capazes de nos fornecer verdades “objetivamente válidas”, verdades potencialmente transmissíveis e compreensíveis em escala universal [...] ela só segue o dever do intelecto desperto, cético, reflexivo e, o fundamental, comprometido com as evidências empíricas. Mas igualmente desdenha de ser ela mesma dedicação sagrada ou um ofício em busca de um sentido superior qualquer ofício em busca de um sentido superior qualquer (NOBRE, 2016, p. 151-152).

Por isso, Weber (1982, p.154-183) não admitia o progresso da razão científica como algo imperativo em relação aos outros campos da vida. Não concebia que o aumento da racionalidade, exemplificado em nível máximo pela ciência, pudesse proporcionar felicidade ou outra coisa qualquer que favorecesse ou elevasse a humanidade na vida. Afinal, apesar de a ciência poder dominar tudo, não poderia conferir valor para além do técnico e prático. Não poderia servir como caminho para Deus, devido ao seu caráter irreligioso. Não poderia afirmar se é valido ser ou não um cientista, principalmente porque tais coisas, enquanto questões últimas, não fazem parte dos seus objetivos. “A Ciência Natural nos dá uma resposta para a questão do que devemos fazer se desejamos dominar a vida tecnicamente” (WEBER, 1982, p. 169). É o que fica esclarecido, inclusive, com a exemplificação do autor de que “... a Ciência Médica tem a tarefa de manter a vida como tal e diminuir o sofrimento na medida máxima de

71 suas possibilidades.” Entretanto, não é objetivo da medicina responder se é válido e/ou pertinente viver (WEBER, 1982, p. 170-171). Portando, de acordo com Weber, não pertence à ciência dizer se a vida possui sentido ou não.

Sob essas pressuposições interiores, qual o significado da ciência como vocação, depois de desaparecidas todas essas ilusões antigas, o “caminho para o verdadeiro Deus”, o “caminho para a verdadeira felicidade”? Tolstói deu a resposta mais simples, com as palavras: “A ciência não tem sentido porque não responde à nossa pergunta, a única pergunta importante para nós: o que devemos fazer e como devemos viver?” É inegável que a ciência não dá tal resposta. A única questão que resta é o sentido no qual a ciência "não” dá resposta, e se ela ainda poderá ou não ter alguma utilidade para quem formule corretamente a indagação (WEBER, 1982, p. 169-170, aspas do autor).

Secundariamente, vale ressaltar que, segundo Weber, o desencantamento não elimina a religião, mas sim a confina em esfera de ação própria, privada, de modo a promover sua retirada das outras esferas da vida humana. Isso é tão verdadeiro em Weber que ele próprio o designará como um dos resultados desse fenômeno de processo de secularização.

De acordo com Pierucci, em um estudo que busca os significados do termo em Weber e em outras fontes sociológicas, “secularização” weberianamente falando trata-se de um processo que corresponde ao declínio da religião, contrastante com a centralidade que ela tivera outrora como força cultural no Ocidente. Além disso, a secularização é concebida por Weber como parte de uma dinâmica societária de diversificação de esferas culturais-institucionais (2000, p. 115).

Depois de Hegel, passando pelo determinismo evolucionista de Comte e Spencer, o processo de secularização cai sob o exame do sociólogo Weber,