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Desenhando a praça Maria José de Freitas

5.6 A intercalação: desenhos do espaço da Praça do Maria José de Freitas

5.6.3 Desenhando a praça Maria José de Freitas

Sentados no chão, enquanto comíamos salgadinhos com suco de maracujá, falei para os meninos sobre a proposta de desenhar a Praça Maria José de Freitas. Cada um passearia ao seu redor e escolheria um lugar para desenhar de acordo com o ponto de vista

de onde estivesse. Munidos de prancheta, lápis e pedaços de papel de tamanho A6, caminhamos para direções distintas. Embora a praça seja pequena, perdi os meninos de vista, exceto Tamires que fazia seu desenho em um lugar próximo de onde eu estava.

Figura 124 — Desenhando o espaço da praça: Tamires

Fonte: Arquivo pessoal.

Juntos, os desenhos formariam um zine chamado “A Praça”, uma composição aspecto a aspecto. A liberdade deste tipo de transição quadro a quadro, que busca passar uma sensação relativa ao espaço, apontou para a possibilidade de fazer este zine com páginas soltas, que viabilizasse uma intercalação de páginas que permitisse ao leitor mudar a ordem de cada uma e organizar os desenhos da maneira da maneira como desejasse. Para mim esta forma de criação não era de todo nova, pois, quando fiz os cartões do zine-mala, por exemplo, a intenção era que o leitor pudesse manusear em uma ordem livre aquelas composições, criando uma sequência própria para o conteúdo que vinha dentro daquele zine.

Quando olho para os cartões do zine-mala hoje, vejo que essa liberdade de ordenação e leitura é relativa. Isso acontece porque alguns cartões têm composições livres (poesias, tirinhas, QR Codes, fotografas, etc.) que se encaixam em qualquer ordem no conjunto, já outros possuem uma narrativa, que se divide em quatro capítulos. Analisando de forma retrospectiva, acredito que a narrativa dos capítulos se tornasse muito fragmentada se os cartões fossem lidos de forma totalmente desordenada. Isso não acontece no zine que pensamos para a praça Maria José de Freitas, já que os desenhos não fazem referência a capítulos ou a alguma ordem pré-estabelecida pelos zineiros.

A alternância de ponto de vista dos membros do grupo, que é o ponto de partida para os desenhos feitos para o zine “A Praça”, oferece a liberdade para desenhar de onde se desejar, no entanto com a restrição de que se esteja sobre “A Praça” e o desenho protagonize este espaço. Enquanto a maioria, inclusive eu, andou em busca de uma parte daquele lugar que agradasse em particular, Cristian ficou sentado onde estava e desenhou

o lugar onde estávamos. Em seu desenho, pode-se ver as nossas mochilas, as caixas de salgadinho sobre o chão, os quadrinhos que estavam sobre a colcha e, inclusive, suas próprias pernas e a prancheta onde o desenho se fazia. A metalinguagem, característica marcante do seu desenho, captura a essência desta atividade que busca representar o espaço e a nossa experiência naquele dia, pois no desenho do Cristian, o artista\desenhista faz parte do espaço, como um elemento constituinte.

Figura 125 — Desenhando o espaço da praça: Cristian

Fonte: Arquivo pessoal.

A Praça Maria José de Freitas, tendo sido alvo de reformas recentes na gestão de José Maria Lucena42, passou a ter suportes de madeira fincados na terra, onde trepadeiras foram plantadas. O desenho feito por Lívia mostrar as plantas em torno dos bancos da praça, após a sua revitalização. Nesse horário, entre cinco e seis horas, já é possível ver as pessoas chegando para fazer sua caminhada vespertina, hábito comum entre alguns moradores do bairro Luís Alves de Freitas e centro. Por morar próximo à praça, ao longo do tempo pude acompanhar essa movimentação que geralmente acontece cedo, pela manhã, e naquele horário em que estávamos fazendo nossa ação.

42 As reformas foram feitas em comemoração aos 121 anos de emancipação político-administrativa da

cidade, em 2018. O secretário de infraestrutura, ítalo Diógenes, estava à frente da operação que tinha como intento restaurar as praças públicas e também os jardins da cidade. Fonte: https://www.tvjaguar.com.br/noticia/8243/Reforma-nas-Pra%C3%A7as-P%C3%BAblicas-proporciona- resgate-hist%C3%B3rico-de-Limoeiro-do-Norte..html

Figura 126 — Desenhando o espaço da praça: Lívia

Fonte: Arquivo pessoal.

Levi estava em uma extremidade da praça e desenhava a outra. Mais tarde, quando cada um mostrou o desenho que fez, discutimos sobre a dificuldade de desenhar em pé. Sem um apoio estável para a prancheta e para a mão, resultando, nessas circunstâncias, num traço delineado de forma muito mais irregular e sem precisão. Pergunto-me como seria a experiência de desenhar enquanto se caminha, como se apresentaria o desenho feito nessas condições. É uma atividade, no entanto, que ficaria para uma próxima oportunidade.

Figura 127 — Desenhando o espaço da praça - Levi

Fonte: Arquivo pessoal.

Carla esteve conosco no dia dessa ação e as fotografias foram feitas por ela, que saiu em direção ao lugar em que cada um estava para fazer os registros. Quando ela chegou até mim, eu estava sentado em um dos bacos fazendo meu desenho, já que não me agradava a ideia de fazê-lo em pé. Fora marcado o tempo de dez minutos, sendo que, ao final dele, deveríamos voltar para o centro da praça onde estavam as nossas coisas.

Enquanto rabiscava os paralelepípedos a que calçavam a praça na sua extensão, Carla e Lívia me chamaram, provavelmente indicando o término do tempo. O desenho ficou inconcluso. Nele, as pedras do chão da praça subitamente desaparecem, mas foi assim que ele foi impresso e passou a integrar o zine “A Praça”43.

Figura 128 — Desenhando o espaço da praça: Ícaro

Fonte: Arquivo pessoal.

Quando conversamos naquele dia, Raquel comentou conosco que estava voltando a desenhar depois de “algum tempo parada”. Encorajada por Lívia, ela voltara a fazer esboços e no dia da nossa ação na praça levou seu caderno de desenhos para mostrar o que vinha fazendo ultimamente. O grupo a animou também por conta das leituras que eram passadas toda semana, que lhe possibilitariam se aproximar mais dos quadrinhos. Aqui, os desenhos de Raquel e de Levi, são o resultado a primeira produção de ambos como integrantes do Grupo de criação e Artes.

Figura 129 — Desenhando o espaço da praça: Raquel

Fonte: Arquivo pessoal.

43 Consultar APÊNDICE C — IMAGEM DAS PÁGINAS PRODUZIDAS PARA OS ZINES DO

Entre seis e seis e meia da noite estávamos organizando as coisas para voltar para casa. A colcha, os quadrinhos e os materiais de desenho foram guardados e andamos em volta do lugar onde estávamos para nos certificar de que todos os copos descartáveis e pedaços de papel soltos tinham sido jogados no lixo. A mãe de Tamires veio buscá-la, Cristian foi embora de bicicleta e Lívia, Raquel e Levi foram andando para casa juntos, já que andavam próximos uns dos outros.

A necessidade de escrever este texto fará com que em algum momento o Grupo de Criação e Artes precise de um hiato, uma pausa para que eu possa terminar o trabalho final e cumprir com minhas demandas do mestrado. Embora mantenha um diário em que anoto as atividades do grupo, percebo que os arquivos se acumulam: desenhos, fotografias, conversas gravadas. Para que tudo possa ser aproveitado, preciso que um tempo especial seja dedicado apenas a isso. Naquele dia, já começava a pensar em quando e como este tempo será possível.

5.7 A troca: Mala-Expositor, itinerância na Praça José Jerônimo e no centro da