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Transformando-nos em flores vivas: preparando um buquê silk-screen

5.5 A impressão: conversa com flores vivas na Praça da Nossa Senhora da

5.5.2 Transformando-nos em flores vivas: preparando um buquê silk-screen

Nós, do Grupo de Criação e Artes, seríamos as flores vivas do livro de Carroll. Uma vez na praça, nossa ação consistiria em buscar pessoas que, sendo também flores vivas, pudessem conosco conversar. Para isso, deveríamos encontrar uma característica ou condição que definisse para nós o que é ser uma flor viva. Como um elo para a questão, definimos em grupo que a roupa e os adereços que as pessoas vestiam e usavam, seriam nosso ponto de partida. A interação aconteceria, portanto, com os transeuntes que

39 Conhecido como o circo mais querido do Brasil, o Nerino estreou no Recife em dezembro de 1932.

estivessem vestindo roupas com estampa floral, ou mesmo usando broches, bolsas, calçados que remetessem a um tema floral.

Os membros do grupo que pudessem comparecer no dia da ação também vestiriam uma blusa com estampa floral. Iríamos todos com uma estampa impressa em serigrafia, utilizando para isso a mesma matriz para todas as blusas. Assim, como grupo, comporíamos um buquê ambulante que caminharia pela praça, reparando com atenção na vestimenta das pessoas e abordando aquelas cujas roupas tivessem o mesmo tema que as nossas. Naquele momento não me pareceu que seria difícil, já que, durante os finais de semana em que saía para a rua, já havia pensado sobre o quanto é comum a estampa floral, tanto como um tipo que as pessoas vestem costumeiramente, como a que se expõe na vitrine das lojas.

Neste ponto, pela primeira vez, a serigrafia, ou silk screen, se apresenta como uma possibilidade de impressão no tecido das camisas que vestiriam o grupo. Em Limoeiro há muitas estamparias, as quais eu cheguei a frequentar na época em que era aluno do Diocesano e pedia patrocínio nos comércios da cidade para custear os uniformes dos jogos interclasses da escola. Nesses estabelecimentos, ainda hoje se utiliza como principal técnica a serigrafia. Assim, eu buscaria entender como funciona esse tipo de ilustração em tecido para, a partir daí, comprar os materiais necessários e fazer as impressões nas camisas, em vez de simplesmente encomendar a impressão da estampa nas blusas.

A primeira estamparia em que parei a fim de perguntar sobre os materiais necessários para se fazer impressão em serigrafia foi a SeriArt, na rua Francisco Remígio, bem próximo à igreja de Santo Antônio. Lá conversei com a Maninha, dona do estabelecimento, profissional do ramo há 25 anos. À época em que ela fez o curso de serigrafia em Fortaleza, por volta de 1992 - como consta em um dos seus certificados emoldurados na parede da loja -, a cidade tinha poucos profissionais que trabalhavam com esta técnica.

Figura 102 — SeriArt Serigrafia

Fonte: Acervo pessoal.

Com boa vontade e interesse, depois que mencionei buscar informações para um trabalho de artes, ela me convidou a adentrar a loja e conhecer a sala onde era feita a revelação da matriz, utilizando um refletor de 1.000 watts; a estante onde ficavam guardadas as matrizes antigas, que eram utilizadas ocasionalmente; as notas fiscais de tintas, sensibilizantes, removedores e outros produtos que ela encomendava em uma loja de Fortaleza: Elizabeth Produtos Serigráficos & Comunicação Visual.

Enquanto Maninha apresentava a estamparia e seus objetos de trabalho, explicava de forma muito prática a forma como a serigrafia era feita. Levei um pequeno caderno de anotações e fui pontuando cada coisa que ela me dizia, desde a proporção de mistura entre emulsão/sensibilizante até os tempos de exposição à luz, secagem da emulsão após a aplicação, secagem da tinta depois de aplicada na blusa, etc. Ela me disse que não sabia explicar de forma teórica os processos químicos que ocorriam com as substâncias que ela utilizada para que “acontecesse o que acontecia” em cada etapa, mas conhecia bem a prática e já tinha feito experiências alterando pequenos detalhes nas diferentes etapas do processo. Um exemplo que ela apresentou foi o da exposição exagerada da tela emulsionada à luz, situação que tornava difícil a revelação depois, visto que a emulsão ia secando e aderindo à tela inclusive nas zonas escuras do fotolito, onde o espaço das ilustrações ou letras que se deseja gravar deveriam bloquear a luz.

Figura 103 — Bloco de notas com informações sobre o passo a passo da técnica serigráfica.

Fonte: Acervo pessoal.

Depois de quase uma hora de conversa e observação, tive uma compreensão muito mais ampla da serigrafia em seus processos por etapa. Mesmo sem ter pedido por tanto, Maninha teve a gentileza de explicar até o que não me tinha vindo à cabeça perguntar, o que me causou a impressão de ter assistido a uma aula prática sobre o assunto. Caso resolvesse seguir com a ideia de usar a serigrafia como técnica de estamparia que ajudariam em nossa caracterização de flores vivas, precisaria comprar os produtos e fazer testes em casa de cada uma das etapas discutidas na SeriArt. Como um primeiro passo para me ajudar a adquirir os materiais, Maninha vendeu-me uma de suas telas antigas, que já passara por várias lavagens, assim, poderia fazer os primeiros testes tão logo comprasse as tintas.

5.5.3 “Seu segundo nome é Alice?”

Para que uma conversa com flores vivas acontecesse, precisaríamos de uma Alice. Como professor, ao longo dos anos letivos, conheci algumas Alices em sala de aula, no entanto nenhuma aparecia nas listas de chamada recentes. Não estabeleci como critério que a Alice fosse uma aluna, mas acreditei que seria interessante se fosse, pois poderíamos convidá-la para participar do grupo. Em todo caso, o que gostaria era de encontrar uma Alice limoeirense, ou, mesmo não sendo natural da cidade, que aqui morasse e pudesse nos acompanhar durante a ação. Na obra de Carroll, a presença e as divagações da Alice é que fazem com que as flores conversem, mesmo que em determinado momento briguem, ou falem ao mesmo tempo em uma confusão só. Portanto, uma Alice que estivesse conosco em algum momento da ação e que marcasse

simbolicamente o início da nossa conversa com as flores vivas que encontrássemos na praça seria importante para o trabalho pela coerência que traria para nossa ideia de fazer uma releitura.

Meu primeiro gargalo na busca para encontrar a Alice limoeirense foi a memória. Sem muitos resultados, tentei me lembrar de alguém que conhecia com esse nome. Em seguida, procurei nas listas de chamada da escola. Entre o corpo discente, encontrei a Alice Cavalcante, aluna do segundo ano do Ensino Médio. No entanto, ela é uma das alunas do município de Morada Nova que estudam em Limoeiro, deslocando-se de Topic todos os dias para a escola, o que tornaria complicada a viabilidade da atividade em um horário que não fosse um horário de aula. Por último, busquei nas redes sociais, na busca de perfis do Instagram e, entre os primeiros resultados da busca, encontrei a Manuela Alice, que eu conhecia por conta de uma amiga em comum, sem que no entanto tivéssemos algum contato próximo.

Figura 104 — Buscador de perfis do Instagram

Fonte: Instagram.

No dia 17 de outubro de 2019, fiz o primeiro contato com a Manuela Alice e pude falar do nosso grupo e da ação na praça que pretendíamos fazer. Expliquei também que os detalhes ainda estavam se definindo e que entraria em contato para explicar melhor os pormenores se ela aceitasse participar. Tendo-se mostrado muito prestativa e se colocando à disposição para qualquer data e horário que não chocasse com o expediente

de trabalho, enviei uma cópia em PDF do capítulo “O jardim das flores vivas” e ficamos de conversar com mais calma depois.