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Sketchbooks: Laboratório Romã

5.2 A seleção de material: desenho, releitura e criação de zines feitos na sala de

5.2.1 Sketchbooks: Laboratório Romã

Na primeira reunião que fiz com os orientandos da IV Mostra de Tecnologia e Artes apresentei o edital do evento e conversamos sobre a categoria de desenho, uma novidade daquela edição em 2019. Foi uma reunião rápida que contou com a participação de apenas três alunos: Renato Rodrigues, Lívia Cristina e Tamires Rodrigues. Todos já eram meus alunos, sendo Lívia a mais recente, já que começara a ter aulas de Artes comigo naquele ano. Neste período inicial, ainda não havia o nome Grupo de Criação e Artes, embora já pensasse que poderíamos caminhar juntos para a formação de um.

No dia 28 de agosto, no segundo encontro realizada por nós, tendo a sala de informática da escola como lugar de reunião, levei vários dos meus sketchbooks de desenho, para que pudéssemos conversar a partir de exemplos práticos da nossa produção. Assim, pedi para que cada um levasse suas pastas, colecionadores ou cadernos onde costumavam desenhar ou guardar o que faziam. A ideia era colocar na mesa e mostrar o que cada um estava fazendo, o que cada um gostava de desenhar, ou a relação que cada um tinha com o desenho.

Figura 52 — Meus sketchbooks, material que levava com frequência para as reuniões

Fonte: Acervo pessoal.

Entre o material que levei, comentei de forma mais detalhada sobre o conteúdo das páginas de um caderno artesanal que havia comprado do amigo Jocilone Júnior, que, em parceria com seu colega Mateus Alves, fundou a Feitio Arte28. A linha nova de cadernos da Feitio tinha a capa tingida de pigmentos naturais variados, como aroeira, beterraba, barro, café, dentre outros. O que adquiri tinha a coloração amarelada e concentrada da romã com que fora produzido. Nele, pensei em criar composições em que o desenho dialogasse com diferentes técnicas e materialidades. Pensando que o pequeno caderno em formato A6 pudesse ser um pequeno espaço de experimentações, dei-lhe o nome de Laboratório Romã.

Figura 53 — Laboratório Romã, capa e páginas

Fonte: Acervo pessoal.

Contorno humano costurado com linha preta, apontando devaneio sobre a adstringência do coração; registro de um retrato 4x3; homem sensível com cabeça de flores envelhecidas em livro que, por não saber quem é, cai dentro da sua própria impressão digital – seu casaco foi feito com negativos de fotos batidas com câmera analógica; corte longitudinal no “Yellow Submarine” a revelar a vida secreta dos Beatles; coloração da capa do caderno feita com pigmentação de romã; antevisão de uma folha de castanhola – uma folha pode ser vista através da janela, mas a janela pode ser vista através da folha.

Em cada página combinei o desenho com diferentes materiais, objetos e técnicas. Quando mostrei o caderno para os meninos lembrei do zine-mala, pois algumas de suas páginas foram transformadas em cartões que compunham este zine. Minha intenção era mostrar que poderíamos fazer desenhos de diferentes formas, experimentando de diferentes maneiras. Conscientemente estava ensaiando maneiras de criar uma ponte do caderno de desenho para o caderno de desenho experimental, e do caderno de desenho experimental para chegar nos zines.

Ao mostrar seu sketchbook, Renato Rodrigues falou rapidamente sobre um esboço rápido que havia feito em um post it e colado no caderno. Nele, estava desenhado um personagem de sua autoria chamado Zé Mosquitão. Apesar de não ter desenvolvido a caracterização do personagem de forma detalhada, ele disse que se tratava de um mosquito cavaleiro medieval. As referências vinham misturadas no seu personagem, que possuía um elmo de cavaleiro medieval, mas também luvas de boxe. O primeiro exercício para casa que passei foi desenhar uma versão do Zé Mosquitão, seja no contexto de uma tirinha, ou apenas a ilustração, sem um argumento ou sequência narrativa. Para mim, aproveitar aquilo que os alunos traziam era de fundamental importância para construir um trabalho feito coletivamente, em que o ponto de partida das ideias saía no próprio grupo que ali estava se formando.

Figura 54 — Sketchbook do Renato Rodrigues, personagem "Zé Mosquitão”

À época, não tínhamos ainda o costume de fazer registros fotográficos das reuniões, portanto as fotos dos encontros são escassas e quase sempre tiradas com o celular. Na imagem acima, o caderno do Renato Rodrigues foi folheado por nós e o post

it com o desenho do “Zé Mosquitão” foi assunto da nossa conversa por mais tempo do

que os demais desenhos produzidos por ele. Por trás do caderno, é possível ver o papelão das caixas vazias em que vêm as apostilas do Ari de Sá, material didático utilizado pelos alunos do Colégio Diocesano. Sobre elas, amontoávamos nosso material e assim se iniciava a reunião do dia.

5.2.2 “Revista Kuandu”

Na reunião feita pelo grupo no dia 18 de setembro, levei os exemplares que tinha da “Revista Kuandu” (1977) e da Revista Neobarroca (1992). Falei sobre cada uma delas, enfatizando a questão artesanal da publicação e o fato de terem sido feitas por alunos e professores do Colégio Diocesano. Da mesma forma, poderíamos criar juntos uma produção coletiva em que poderíamos organizar uma revista, em forma de zine. Durante a conversa, mostrei as ilustrações feitas pela Arlene Holanda29 que, como eles, fora aluna do Colégio Diocesano na década de 70.

Tomando como base o material da “Kuandu” (1977) como referência, depois que folheamos a revista, sugeri um segundo desafio para casa: consistia em escolher uma ilustração da revista feita por Arlene e fazer uma releitura livre do tema. Os meninos tiraram fotos com seus celulares das ilustrações para utilizarem como referência quando fossem produzir em casa. As ilustrações de Arlene foram feitas com matriz em estêncil. Ao entrar em contato com a autora alguns dias depois, ela enviou uma mensagem para o grupo através de mim, em que comenta sobre vida, desenho e, em particular, sobre a sua produção na “Kuandu” (1977):

Então, me dirijo a todos os jovens, né, que estão aí na sua turma, descobrindo esses caminhos novos de fazeres e saberes artísticos, e o que eu tenho pra dizer pra eles: É uma forma de expressão, né?! Que tem uma linguagem universal, por isso alcança tanta gente. Desde criança eu sempre desenhei, gostei de registrar, até nas paredes de casa, lembro que desenhei uma vez na parede de uma professora. E também tem a questão tecnológica, e mesmo de acesso aos meios, a minha família era bem pobre e a gente nem tinha papel pra desenhar. A gente esperava acabar o mês pra desenhar atrás na folhinha de calendário e

29 Arlene Holanda é uma ilustradora e escritora cearense, natural de Limoeiro do Norte, com mais de

quarenta livros infantis lançados em todo o Brasil. Atualmente trabalha na Editora IMEPH, sediada na cidade de Fortaleza – CE.

até as cartas de minha mãe entravam na roda. Então começou esse caminho, da expressão pela arte, e eu acabei fazendo esse jornalzinho junto com a equipe do Diocesano. Várias pessoas seguiram caminhos na escrita, como Jorge pinheiro, Eugênio Leandro, o Gilmar Chaves. A gente contava com recurso de estêncil, não tinha como reproduzir de forma diferente, então eu arranhava o estêncil e ficaram essas imagens ai meio rudimentares né, que vocês estão revisitando, depois eu me especializei mais em ilustração de livros e hoje eu sou mais escritora do que ilustradora. (Transcrição de mensagem de áudio enviada via Whatsapp, por Arlene Holanda, no 27 de setembro de 2019)