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1.1 SOBRE A COMPETÊNCIA ÉTICA E A FORMAÇÃO EM ENFERMAGEM

1.1.2 Desenvolvimento da competência em enfermagem

O conceito de competência em enfermagem está muito relacionado com a conquista de uma gradual e crescente autonomia da profissão. Efectivamente, sobretudo no que se refere às intervenções autónomas de enfermagem, cada vez mais se faz sentir a importância de os enfermeiros serem capazes de mobilizar todos os recursos de que dispõem no sentido de prestarem cuidados com qualidade.

Por competência em enfermagem entende-se um conjunto de saberes (adquiridos na formação inicial e ao longo da vida pessoal e profissional de cada um) e de outros recursos (valores pessoais, profissionais, sociais, culturais e religiosos; criatividade; espírito crítico; capacidade de raciocínio e reflexão e experiências anteriores) que o enfermeiro consegue mobilizar de forma diferente em cada caso

concreto (2) (13). De facto, o conceito de competência em enfermagem não se pode reduzir a um mero saber ou saber fazer, uma vez que possuir conhecimentos e destrezas não significa por si só ser competente. Implica o saber seleccionar, mobilizar e integrar os vários recursos, entre os quais os conhecimentos, de forma pertinente e no momento oportuno em cada situação singular, como tem vindo a ser enfatizado. A competência inclui, assim, o decidir e agir em situações imprevistas, mobilizar conhecimentos, informações e até mesmo hábitos e aplicá-los prevendo os resultados das diferentes alternativas e opções possíveis.

O termo “competência” é ainda recente em ciências humanas e vem substituir em grande parte o termo “qualificação”, já que este último se tem vindo a tornar muito restritivo, até porque uma pessoa considerada qualificada pode demonstrar ser incompetente perante uma situação imprevista. Uma pessoa qualificada sabe preparar e executar actividades precisas, rotineiras e habituais, mas pode revelar falta de competência perante uma situação nova e imprevisível (2) (13) (15) (27).

M. Dias propõe um conceito de competência em enfermagem muito claro e completo e que, por isso, se passa a citar:

“As competências dizem respeito às características individuais (potencialidades, habilidades, capacidades de acção, aptidões, atitudes, traços de personalidade e comportamentos estruturados), conhecimentos gerais e especializados que permitem ao enfermeiro realizar autonomamente uma vasta gama de actividades

…. Organizam-se em categorias multidimensionais centradas nas dimensões pessoal, científica, técnica, sócio-afectiva, relacional, comunicativa e ético- moral.” (2 pp. 36-37)

A Ordem dos Enfermeiros também tem revelado uma enorme preocupação com a questão da competência em enfermagem e reflectido muito sobre o assunto, tendo sido aprovada pelo Conselho de Enfermagem uma definição para os enfermeiros de cuidados gerais que enfatiza a importância de “um nível de desempenho profissional demonstrador de uma aplicação efectiva do conhecimento e das capacidades, incluindo ajuizar.” Como se pode verificar, está implícito nesta definição o facto de a competência ir para além dos conhecimentos e ser baseada não apenas na sua aplicação, mas sobretudo num “juízo”, ou seja, numa utilização pensada, reflectida e ponderada de vários recursos que permitem tomar a decisão considerada mais adequada numa situação específica (20 p. 16).

Também M. Moura considera a importância de se formarem profissionais competentes, entendendo-se a competência como a capacidade de mobilizar uma

panóplia de recursos, entre os quais os conhecimentos. Esta autora afirma que é fundamental uma formação adequada que prepare os estudantes para o mercado de trabalho e capacite os futuros enfermeiros para desenvolverem as suas actividades profissionais e exercerem funções complexas no sistema de saúde, com a competência que hoje lhes é exigida (33).

Efectivamente, cada vez mais se defende a necessidade de se ir além de uma simples transmissão de conhecimentos e de um mero treino de técnicas durante o curso de enfermagem. Por isso, o grande desafio que se coloca aos professores de enfermagem dos nossos dias consiste, essencialmente, em implementar estratégias que ajudem as pessoas a desenvolver uma compreensão prática dos ideais e dos padrões da profissão e capacidades que lhes permitam utilizar inteligentemente em situações novas princípios gerais, de modo a escolherem, com competência e confiança, os meios correctos para atingirem objectivos satisfatórios (1) (2).

Nesta linha de pensamento, M. Dias desenvolveu um estudo em Portugal com estudantes dos cursos superiores especializados em enfermagem, no sentido de compreender as razões subjacentes ao défice de competências, especialmente as de carácter relacional e saber qual o perfil que o professor deve desenvolver, tendo construído e validado um inventário definidor de um perfil de competências do enfermeiro com o grau de licenciado. A autora afirma que as competências a desenvolver devem constituir uma preocupação permanente em todo o processo de formação, acrescentando que o desenvolvimento das sócio-afectivas e relacionais deve ocupar um lugar de relevância ao longo dos cursos. M. Dias enfatiza, ainda, o facto de o desenvolvimento de competências ser fundamental para a promoção do sucesso educativo e desempenho profissional. Esta autora agrupa as competências em cinco categorias ou dimensões: pessoais, científicas, técnicas, sócio-afectivas e ético-morais (2).

Como se pode verificar, existe unanimidade no que diz respeito à importância de um ensino baseado no desenvolvimento de capacidades e habilidades ao longo do curso de enfermagem, ou seja, de um ensino que verdadeiramente eduque os estudantes, no sentido de adquirirem a competência para exercer a sua profissão de modo a assegurarem a excelência e a segurança dos cuidados de enfermagem. Esta ênfase no desenvolvimento da competência em enfermagem, para além de ajudar os estudantes a se sentirem mais aptos para o desempenho das suas funções como futuros enfermeiros, vai também, certamente, torná-los mais responsáveis pelos seus

actos e pelas consequências dos mesmos. De facto, quanto mais capazes forem de tomar decisões em situações concretas, com base nas competências que vão adquirindo gradualmente, mais os estudantes se vão transformando em pessoas mais livres e autónomas e em futuros profissionais mais responsáveis.

Efectivamente, e tomando por base a posição adoptada por J. Watson, considera-se que numa época de tecnologias sofisticadas, de elevada cientificidade, de mudanças muito rápidas mas também de solidão, a sociedade precisa mais do que nunca de enfermeiros que ajudem a restaurar a humanidade (34).

Ser um bom enfermeiro exige não só conhecimentos teóricos e capacidades práticas mas sobretudo um desenvolvimento moral e maturidade para aplicar estes conhecimentos e capacidades de modo eticamente responsável (1) (35).