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É de salientar que o estudante da entrevista 2, quando questionado em relação à reflexão efectuada e tipo de actuação ao longo do curso, considera que

a identificação de problemas é mais fácil a partir do 3º ou 4º ano, tendo em

conta que no 1º e 2º ano estão ainda muito centradas no seu desempenho e não

nos doentes e no que os rodeia, acrescentando que no 4º ano já passaram por

mais experiências e têm mais maturidade.

Síntese: Os dois estudantes identificam facilmente um problema ético, reflectem de acordo com a situação concreta, procuram um profissional com poder e experiência. Referem os conhecimentos adquiridos nas aulas de ética e deontologia, os trabalhos de grupo, o debate sobre questões dilemáticas e a sua experiência com situações concretas durante os ensinos clínicos como factores facilitadores da análise, reflexão e tomada de decisão. Novos conceitos que emergiram da análise da entrevista 2: sentiu-se impotente e incomodado com a situação, o estatuto de estudante como factor inibidor da acção pela falta de poder, identificação de problemas mais fácil no 3º e 4º ano por já estarem mais abertos aos doentes e ao contexto envolvente, terem passado por mais experiências e terem mais maturidade.

Na sequência das duas análises e da comparação entre os dados, elaborou-se também um diagrama que ajudasse a compreender o processo de forma esquemática – nomeadamente factores facilitadores da identificação de um problema ético, factores facilitadores/inibidores da reflexão e tomada de decisão e factores facilitadores/inibidores da acção – e orientasse no “caminho a prosseguir”.

Figura 8 – Diagrama resultante da comparação de dados das entrevistas 1 e 2

Factores facilitadores maior abertura aos doentes, experiência, maturidade Factores facilitadores conhecimentos de ética e deontologia, reflexões e debates sobre questões fictícias, experiência com situações concretas Identificação do problema Reflexão e tomada de decisão Procura quem tem o poder e a experiência Age em conformidade Não age em conformidade Factor inibidor Ser aluno Falta de poder Factor facilitador Equipa desperta Consegue adiar a alta Sente-se compensado Resultado Sente-se impotente

Após esta análise minuciosa das duas primeiras entrevistas, considerou-se que a terceira entrevista deveria ser feita a mais um estudante do 4º ano no final do curso, uma vez que, ainda, era necessário um participante que fornecesse dados adicionais e também, de certa forma, confirmasse os já existentes. Após a análise e interpretação da referida entrevista, fez-se a comparação dos dados da mesma com os das duas anteriores e começou a verificar-se que alguns se repetiam. Os estudantes do 4º ano identificavam claramente e com alguma facilidade o problema ético; neste sentido, questionou-se novamente o estudante da entrevista 1 e perguntou-se que factores considerava terem contribuído para esta capacidade de identificação. Embora de modo diverso e em contextos diferentes, todos os estudantes referiram dois aspectos: conhecimentos de ética e deontologia adquiridos, desenvolvidos ao longo do curso (aulas, debates, jornadas, seminários, reflexão sobre situações concretas durante os

ensinos clínicos) e o facto de no 3º e 4º ano já conseguirem estar mais “abertos” ao que se passava com os doentes e a todo o contexto circundante, contrariamente ao que acontece nos dois primeiros anos do curso em que estão muito concentrados em si próprios e no seu desempenho.

Da comparação dos dados e da elaboração do respectivo diagrama, havia um aspecto que já se começava a evidenciar: os estudantes consideravam que estavam presentes factores facilitadores da identificação do problema e da reflexão e tomada de decisão.

No que se refere à acção, começou também a ficar evidente existirem factores que a facilitam, nomeadamente a atitude da equipa (conforme referência do estudante da entrevista 1) ou um sentimento de maior autonomia por parte do estudante (conforme referido pelo estudante da entrevista 3). Outros factores, pelo contrário, impedem os estudantes de agirem de acordo com o que consideram o mais correcto, como por exemplo o estatuto de aluno e a falta de poder correspondente. Daqui se conclui que, por vezes, apesar de os estudantes saberem qual o comportamento que deveriam adoptar, não conseguem agir em congruência com o que pensam.

Um outro aspecto a reter é que, tal como afirmam os defensores do interaccionismo simbólico – G. Mead (1863-1931), J. Dewey (1859-1952), C. Cooley (1864-1929) e H. Blumer (1900-1987) – e, mais recentemente J. Corbin e A. Strauss, os seres humanos são influenciados pelo ambiente circundante, interagem com ele e com as pessoas que os rodeiam, atribuem-lhes o seu próprio significado e também exercem influência sobre todo esse contexto, existindo, portanto, uma constante interacção (80) (84). Tudo isto está bem evidente logo nas primeiras entrevistas, quando o estudante da entrevista 1 afirma, por exemplo, que “o facto de a equipa estar desperta para este tipo de situações” foi um factor facilitador da sua acção – ou seja, o estudante foi influenciado pelo ambiente circundante – e que, ao procurar a assistente social, contribuiu para o adiamento da alta do doente – influenciando, assim, as outras pessoas, não só em termos do contexto mas também do próprio processo.

Ao prosseguir com a investigação, já tinham sido identificados alguns conceitos relevantes e até algumas categorias e subcategorias, como por exemplo: identificação de problemas éticos, sentimentos e emoções (sensibilidade, choque), factores facilitadores da reflexão (conhecimentos de ética e deontologia, reflexão sobre situações práticas) e, ainda, factores facilitadores (experiências anteriores, uma

equipa desperta para os problemas éticos e com uma atitude favorável aos estudantes)e factores inibidores da acção (o estatuto de estudante).

Considerou-se, então, ser a altura certa para começar a entrevistar estudantes em outras etapas do processo ensino/aprendizagem e, sempre no sentido de procurar numa fase inicial “bons informantes”, pensou-se que se deveria entrevistar um estudante que estivesse no início do 4º ano, ou seja, antes da realização dos últimos ensinos clínicos do curso. Como já tinha concluído A. França, a narração de uma situação passada já há algum tempo inclui sempre, para além dos factos, a reflexão sobre eles, acrescentando que a consciência é habitada também pela reflexão sobre a acção e que as situações passadas são, não deturpadas pelo tempo ou pela reflexão mas, pelo contrário, enriquecidas por eles (53). De facto, foi muito enriquecedor porque o estudante do 4º ano relatou uma situação ocorrida durante um ensino clínico do 2º ano, tendo feito alguma comparação entre a forma como reagiu e agiu no momento e o modo como provavelmente agiria agora no 4º ano. Foi-se sempre acrescentando questões que pudessem preencher as possíveis categorias resultantes da análise e interpretação dos dados colhidos anteriormente e também se questionou o estudante por que razão tinha relatado uma situação vivida no 2º ano e não uma do 3º ano. Segundo o estudante, os ensinos clínicos do 2º ano em serviços de internamento, como medicinas e cirurgias, proporcionam mais situações susceptíveis de reflexão e discussão do que os realizados no 3º ano em saúde comunitária ou mesmo em serviços de internamento de obstetrícia e pediatria onde não têm um papel muito interventor, devido ao tipo de ensino clínico realizado. Pela riqueza proporcionada por esta entrevista, considerou-se fundamental elaborar um memorando que se revelou de grande utilidade para o estudo.

Figura 9 – Memorando integrativo e comparativo

O estudante da entrevista 4, que está neste momento a frequentar o 4º ano,