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5 APLICAÇÃO DA TEORIA DAS AÇÕES MENTAIS POR ETAPAS

5.2. O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NA DISCIPLINA

5.2.4 Desenvolvimento da Etapa Material/ Materializada em Matemática

Ao retornar do recreio, inicia-se a fase materializada. A atividade consistia em apontar as figuras que representavam polígonos triláteros e quadriláteros, além de classificá-los quanto aos lados (Figura 12).

Figura 12 - Resultado da fase material em matemática

Fonte: Arquivo pessoal

A habilidade em identificar e nomear as figuras geométricas é algo que se encontra na ZDI, uma vez que, para identificar as figuras segundo as características essenciais, foi necessário utilizar a BOA como mediadora. “[...] a BOA materializada situa-se entre o objeto e o sujeito, tendo como função ser um mediador nesse processo” (NÚÑEZ, 2009, p. 108).

Quanto à classificação, Filipe diferenciou figuras triláteras e quadriláteras baseado na quantidade de lados, porém ainda confundia lado com ângulo. Também não soube dizer os nomes de algumas formas, e por isso ajustamos a BOA com o item “DAR O NOME DA FORMA DA FIGURA” (Figura 11).

Há de se destacar que durante a realização da atividade Filipe solicitou ajuda para saber se escreveu corretamente, mostrando que está ciente que precisa ser controlado nessa ação, e que a motivação para superar tal problema é interna, ou seja, cognitiva (NÚNEZ, 2009).

Motivação essa que declinou vertiginosamente já que durante o processo do estudo ele bocejou, apresentou-se preguiçoso e até tedioso, indicando que a etapa motivacional não foi eficaz e tão pouco mantida. O problema a ser resolvido na etapa materializada mostrou-se de pouca complexidade, e por Filipe ter identificado e classificado com facilidade, embora não tenha utilizado das características essenciais, mostrou que a tarefa poderia ter sido mais bem planejada. Acerca da motivação e situação-problema, Núñez (2009, p. 99) diz que:

Um dos meios que suscita a motivação interna nos alunos é a aprendizagem por problemas ou por situações problemas, nas quais a formação de conceitos se vincula diretamente à sua experiência, a seu dia- a-dia, a contextos da criação científica, tecnológica e social. Os alunos ficam mais motivados ao constatarem a utilidade prática de seus novos conhecimentos na atividade produtiva ou criativa.

A reflexão acima exemplifica a empolgação remanescente em Filipe, que assim se mostrava enquanto utilizava a régua para medir os lados e o cronômetro para marcar o tempo de aula. No final do dia ele levou a BOA para casa e não trouxe mais nas aulas seguintes.

Na aula seguinte era necessário saber o quanto o aluno se recordava sobre a etapa materializada; esse resgate vai ao encontro da proposta da psicologia histórico- cultural para a formação da memória, função psíquica superior. Foi dada uma breve tarefa , apresentadas na Figura 13 pelos exercícios 1 e 2.

Na primeira atividade, Filipe sinalizou que todas as figuras eram polígonos, alegando que todas são fechadas. Ao ser questionado sobre os critérios de classificação, Filipe utiliza a BOA por ele produzida e o auxílio da pesquisadora, e percebe que o coração não se enquadrava no conceito, retirando o mesmo da categoria polígono. Logo, a habilidade de identificar figuras geométricas permanece na ZDI, uma vez

que necessita de controle para realizar a ação (GALPERIN, 2013b; VIGOTSKI, 2004, 2007).

Os conceitos de lado e ângulo ainda se mostram duvidosos, pois na questão 2 Filipe confundiu ambos. Por esse motivo, na terceira questão pedimos a ele que desenhasse um triângulo com três lados iguais, dois lados iguais, e com todos os lados diferentes. Ele realizou a tarefa com sucesso, sem necessitar de controle, e daí em diante indicou corretamente os lados de uma figura.

Figura 13 - Nova base orientadora da ação/ tarefa

Fonte: Arquivo pessoal

No mesmo item 3 foi ensinado sobre a classificação quanto aos lados do triângulo e Filipe relacionou cada um dos triângulos a um reino pertencente a um jogo on-line. As tentativas de estudar mais sobre triângulos foram paulatinamente engolidas pelas histórias e as preocupações apresentadas por ele. Embora não houvesse fortes estímulos concorrentes à vista, a vida virtual de Filipe é trazida à tona e desvia a atenção dele. Entre castelos, reinos amigos e inimigos, buscamos no exercício de ‘tarefa para controle’ (Figura 14) atentar para a assimilação de lados e os tipos de triângulos.

Figura 14 - Tarefa para controle - matemática

Fonte: Arquivo pessoal

Inicialmente, Filipe afirmou haver uma figura, triângulo, porém sublinhou apenas dois lados. Ao ser questionado sobre a quantidade de lados indicou o terceiro, mostrando que assimilou o que é um ‘lado’. Ao se corrigir, observou a figura e encontrou outros triângulos, logo utilizando os parâmetros forma da ação, grau de generalização, grau de independência e grau de consciência (GALPERIN, 2013b; NÚNEZ, 2009), observamos que o aluno encontra-se no plano materializado, generaliza, embora não de maneira independente e tem consciência ao explicar o motivo pelo qual o triângulo não é formado por duas retas. O mesmo ainda não aconteceu para a classificação dos triângulos, que precisou da orientação da pesquisadora e da ficha orientadora.

Ao final da etapa materializada, concluímos que Filipe está na iminência em assimilar o conceito de polígono e ângulos. Dentro do grupo das triláteras, nomeia a figura como triângulo e a classifica quanto aos lados, contudo precisa de controle para se lembrar dos nomes de cada tipo. Quanto à habilidade em diferenciar figuras triláteras e quadriláteras pela quantidade de lados é uma habilidade por ele assimilada. Filipe mostrou que o objeto da ação não precisava estar presente,

indicando a possibilidade da próxima etapa. Diante do exposto, enfatizamos que “A ação se liberta desta dependência direta dos objetos somente na seguinte etapa, quando passa ao plano de linguagem” (GALPERIN, 2013b).

Na segunda etapa, ao utilizar o geoplano, Filipe deveria representar cada um dos triângulos e nomeá-los (Figura 15).

Figura 15 - Tarefa no Geoplano

Fonte: Arquivo pessoal

Por ainda se encontrar desenvolvendo as habilidades de leitura e escrita, as palavras necessárias para executar o exercício ficaram à disposição do aluno. Filipe apontou os lados de cada triângulo por ele representado e quantificou cada um pela quantidade de pregos presentes. Entretanto, quando indicou vértice e ângulo, ainda confundiu ambos. Precisou de ajuda para diferenciar os triângulos, embora tenha acertado um deles (Figura 15).

Aos poucos, Filipe se apresentava tedioso e foi necessário resgatar sua motivação para que pudesse voltar a atenção para o conteúdo, recorrendo à história por ele inventada sobre castelos, reinos e lutas medievais. Ainda assim havia algum estímulo, não material e nem presente, que despertava mais a atenção do aluno. Por isso, nesse dia nos recorremos a um jogo on-line, o qual foi atrativo para o aluno pelo simples fato de ser no computador e que tinha como foco lados e ângulos de uma figura.

Filipe leu vagarosamente os comandos e respondeu a atividade com empolgação, pois estava manuseando o computador e a internet. Embora o conteúdo para o aluno tenha sido segundo plano, ele concluiu que a quantidade de ângulos de uma figura é a mesma quantidade de lados.

No dia seguinte, novamente o geoplano foi utilizado, e sem controle ou ajuda da ficha indicou lados, ângulos e vértice de maneira correta. Somente na classificação dos triângulos ele ainda demonstrou necessidade de auxílio, pois não se lembrou dos nomes, mas sabia que a diferença está em relação ao tamanho dos lados. Também se mostrou mais disposto à tarefa, sem tédio como na aula anterior.

O ponto alto dessa tarefa foi representado por Filipe quando fez um triângulo com base em uma imagem mental e não do material concreto dado, pois como dito anteriormente, às pessoas com deficiência intelectual restringe-se a atividade que viabiliza a formação de uma imagem abstrata. Essa tarefa, embora simplória, foi um passo nessa direção. Nesse sentido, pode-se afirmar que:

[...] o sistema de ensino baseado somente no concreto – um sistema que elimina do ensino tudo aquilo que está associado ao pensamento abstrato – falha em ajudar as crianças retardadas a superar as suas deficiências inatas, além de reforçar essas deficiências, acostumando as crianças exclusivamente ao pensamento concreto e suprindo, assim, os rudimentos de qualquer pensamento abstrato que essas crianças ainda possam ter. Precisamente porque as crianças retardadas, quando deixadas a si mesmas, nunca atingem formas bem elaboradas de pensamento abstrato, é que a escola deveria fazer esforço para empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento (VIGOTSKI, 2007, p. 101-102).

Por não apresentar requisitos estruturais e humanos, a escola tem limitado o atendimento aos alunos com deficiência, e responsabiliza o sujeito pela sua própria condição. A ausência do esforço para promover o desenvolvimento do aluno também é refletida nas avaliações. Mesmo sabendo que o aluno não havia atingido os objetivos de ensino, por questões institucionais, deveríamos avaliar o aluno quanto à sua aprendizagem e assim seguimos para o controle do processo.

Na prova escrita (Figura 16), identificou corretamente lados, ângulos e vértices de um triângulo. Também indicou corretamente quais figuras eram triláteras e quadriláteras. Confundiu-se ao classificar os triângulos quanto aos lados e

parcialmente na definição de polígonos. O resultado apresentado foi condizente a todo processo realizado, como também à orientação dada desde o início da ação. Sobre a qualidade da ação, Galperin (2013a, 2013e) é categórico ao afirmar que a formação da imagem depende principalmente da orientação dada. Mas é preciso considerar que a etapa da linguagem não pode ser completada, haja vista o calendário escolar e a necessidade de cumpri-lo.

Há de se destacar que a avaliação escrita não é o ponto final, mesmo na etapa da linguagem, pois o processo de aprendizagem é em espiral (MARTINS, 2013d). Dessa forma, a avaliação corrigida foi entregue a Filipe para que ele pudesse refletir sobre erros e acertos.

A respeito desse controle, Núñez (2009, p. 202) diz que devem ser:

[...] corrigidos imediatamente e devolvidos aos alunos, que devem avaliar os comentários feitos pelo professor e realizar uma nova reflexão, por escrito, das causas de seus erros, assinalando as idéias erradas que ainda persistem e as não consideradas. Essa reflexão é avaliada pelo professor com o objetivo de motivar o aluno, para que aprenda sobre a base de seus erros

Assim que corrigida a avaliação, esta foi entregue a Filipe e os comentários feitos pessoalmente, para facilitar a compreensão. O aluno, com auxílio da BOA, refletiu e consertou os erros. Quando finalizou a correção,

[...] mostrou para a pedagoga sua façanha. “Eu fiz tudo sozinho!”, dizia feliz e orgulhoso de si mesmo. Era perguntado a ele os itens da prova de maneira aleatória e ele respondia, com os olhos brilhantes, e de maneira correta! Sim, ele acertou polígonos, classificação dos triângulos quanto aos lados, o que eram vértices, ângulos e lados! Estava radiante, confiante no próprio aprendizado. A prova foi pontual, mas o processo avaliativo não. Filipe mostrou durante a correção da prova que sim, ele sabia! (DIÁRIO DE BORDO).

Para além da Matemática é importante relatar a postura de Filipe durante a avaliação, compenetrada e comprometida. Demostrou seriedade no processo ao tentar ler e responder cada questão, embora a leitura e a escrita ainda fossem entraves que estavam sendo superados. Superação essa verificada quando durante a prova pediu ajuda para compreender alguns comandos, mesmo estando próximo aos seus colegas, timidez vencida!

Paralelo a toda essa caminhada pela Matemática acontecia o processo na disciplina de Ciências. Não menos complexo, se não fosse pela didática. Porém, poderia ter sido analisado juntamente a Matemática, pois eventos discutidos no capítulo da formação das funções psicológicas superiores ocorreram entre uma e outra disciplina. Assim, seguimos com o estudo sobre pele e anexos realizado com base na Teoria das Ações Mentais Por Etapas.

5.3 O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NA DISCIPLINA DE CIÊNCIAS

Antes de iniciarmos o capítulo, um breve comentário novamente sobre minhas percepções. Por ser professora de Ciências, havia uma expectativa natural de que não houvesse dificuldade em planejar as aulas de intervenção, contrapondo os fatos.

Ao planejar sob a Teoria das Ações Mentais por Etapas foi necessário olhar sob um novo ponto de vista e, com isso, o meu saber sobre “Pele e anexos” foi por mim questionado. Não pelo conteúdo em si, mas porque não havia pensado nele da maneira proposta pela teoria. Desse modo, me senti desestruturada e foi nesse momento que pude questionar os objetivos propostos, e ouvir o que Filipe tinha a dizer.

Ao resgatar o sujeito Allana, não só a pesquisadora, mas a professora, o ser humano, foi que pude praticar a empatia e assim construir junto ao aluno tarefas que atendessem suas necessidades. Não foi fácil essa perda de sentidos, todavia, foi a partir dela que pude alcançar as metas propostas.

Esse processo me mostrou que o domínio do conteúdo, embora seja importante, não é determinante para o sucesso de um planejamento baseado na teoria proposta por Galperin; o conhecimento desta é tão importante quanto do conteúdo.

5.3.1 Sobre os conhecimentos prévios em Ciências

A curiosidade de Filipe foi despertada inicialmente por ver que utilizaríamos o computador na intervenção. Seu interesse súbito não foi pelo que faríamos e sim pelo que sabia fazer, pediu para mostrar os jogos que gostava e descreveu o que fazia em cada um deles. Foi explicado que não havia internet, era somente o computador e por isso não tínhamos acesso a jogos on-line. Ele insistiu e abriu uma página que mostrou não haver conexão. Nessa página offline é possível brincar com um pequeno dragão que pula obstáculos e isso foi Filipe quem ensinou. Aos poucos conduzimos o diálogo para a tarefa a ser feita.