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Aprendizagem em ciências e matemática de uma criança com trossomia 8 : discussões a partir da teoria das ações mentais por etapas

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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

ALLANA CRISTINI BORGES DE RESENDE

APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DE UMA CRIANÇA COM TRISSOMIA 8: DISCUSSÕES A PARTIR DA TEORIA DAS AÇÕES MENTAIS

POR ETAPAS

Vitória 2016

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ALLANA CRISTINI BORGES DE RESENDE

APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DE UMA CRIANÇA COM TRISSOMIA 8: DISCUSSÕES A PARTIR DA TEORIA DAS AÇÕES MENTAIS

POR ETAPAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Edmar Reis Thiengo

Vitória 2016

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(Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) R433a Resende, Allana Cristini Borges de.

Aprendizagem em ciências e matemática de uma criança com trissomia 8 : discussões a partir da Teoria das Ações Mentais por Etapas / Allana Cristini Borges de Resende. – 2016.

133 f. : il. ; 30 cm

Orientador: Edmar Reis Thiengo.

Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática, Vitória, 2016.

1. Matemática - Estudo e ensino. 2. Ciências - Estudo e ensino . 3. Trissomia. 4. Doenças mentais. I. Thiengo, Edmar Reis. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

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DECLARAÇÃO DA AUTORA

Declaro, para fins de pesquisa acadêmica, didática e técnico-científica, que esta Dissertação de Mestrado pode ser parcialmente utilizada, desde que se faça referência à fonte e à autora.

Vitória, 9 de novembro de 2016.

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DEDICATÓRIA

Aos meus primos Pé de Xaxim e Tiane, por me apresentarem a normalidade no sentido de ser natural. E para nossa família o natural é nos amar, independente de como nosso corpo se apresenta e a nossa mente se deixa expressar.

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AGRADECIMENTOS

Dizer obrigada nem sempre traduz o quanto de fato sou grata e reconheço a participação de outras pessoas em minhas conquistas ou nossas. Embora as palavras não traduzam o meu sentimento, tentarei! Não há pessoa mais importante que mereça palavras mais bonitas e agradecimento mais extenso, sou grata a todos que participaram desse longo, dolorido e proveitoso processo de aprendizagem. Portanto, obrigada...

A Deus, meu Senhor, pelos dons que me deu e pela ausência de outros que me impulsionam a querer mais.

Á minha família, em especial minha doce sobrinha Vitoria, por compartilhar minha ansiedade à espera do resultado de aprovação ao ingresso no mestrado. Sua doçura tornou mais branda essa espera.

A Eduardo Moscon, quem primeiro acreditou em mim, sem mesmo me conhecer. Obrigada por me permitir tão sutilmente estudar o que enche os meus olhos e o meu coração.

A Edmar Reis Thiengo, por aceitar me orientar de braços abertos e mostrar pelos olhos marejados e sorriso fácil que finalmente minha pesquisa tinha sentido, sentimento, razão de ser...

A todos os meus colegas de turma que compartilharam das angústias dos trabalhos a serem feitos concomitantemente com a pesquisa, em especial Rafaela e Graziani. Aos professores do programa EDUCIMAT e à FAPES, por auxiliar financeiramente a pesquisa.

A Janivaldo Cordeiro e Robson Onofre, colegas de profissão. Em um momento em que nem eu mesma acreditava em mim, foram vocês meus pilares.

A Flávio Lopes, pelo tempo a mim disponibilizado em detrimento das próprias férias. A Letícia Mattos, aluna querida! Ao compartilhar comigo a própria vitória e dizer o quanto eu a incentivei, despertou em mim novamente a vontade de querer mais, de poder dar mais aos meus alunos.

À pedagoga, professores, aluno e sua família, que permitiram esta pesquisa. A Saulo Coelho, pelas palavras de incentivo e carinho.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

RESUMO

Essa dissertação teve como objetivo analisar a aprendizagem de um aluno com Trissomia 8, conhecida como Síndrome de Warkany, nas disciplinas de Ciências e Matemática com base na Teoria das Ações Mentais por Etapas. Para tanto, buscou-se problematizar os momentos que envolvem as situações de aprendizagem do aluno, analisar a aprendizagem de alguns conteúdos nas disciplinas de Ciências e Matemática com a Teoria das Ações Mentais por Etapas, e discutir o desenvolvimento das funções psíquicas. Para isso, de setembro a dezembro de 2015 adentramos o ambiente escolar de um estudante do 8° ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública da Grande Vitória/ES, referência em atendimento a alunos com necessidades especiais, no sentido de entender quais contribuições a Teoria das Ações Mentais por Etapas traz para a aprendizagem de um aluno com necessidade especial. Nas discussões dialogamos com Vigotski, Galperin e Núñez, os quais colaboram com os conceitos da formação das funções superiores, formação da mente humana e organização do processo de ensino, respectivamente, e que formam o aporte teórico e metodológico desta pesquisa. No desenrolar da pesquisa concluímos que as funções psíquicas de atenção e memória apresentam-se fragilizadas e possuem relação direta com as condições escolares ofertadas. Para que o aluno se atente é preciso primeiramente sentir-se motivado a aprender; uma vez atento, facilita o processo mnemônico, que tem como ponto forte a repetição de informações.

Palavras-chave: Teoria das Ações Mentais por Etapas. Galperin. Ensino. Aprendizagem. Síndrome de Warkany.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

ABSTRACT

This dissertation aimed to analyze the learning of a student with Trisomy 8, known as Warkany syndrome, in the subjects of science and mathematics from the Theory of Stage-by-stage Formation of Mental Actions. Therefore we seek to problematize the moments that involve situations of student learning; analyze learning some content in the subjects of science and mathematics from the Theory of Stage-by-stage Formation of Mental Actions; discuss the development of psychic functions. For this, from September to December 2015, we enter the school environment a student of the 8th grade of elementary school in a public school in the Greater Vitória - ES, reference services to students with special needs in order to understand what contributions to the Theory of Stage-by-stage Formation of Mental Actions bring to the learning of a student with special needs. In the discussions we dialogue with Vigotski, Galperin and Núñez which collaborate with the concepts of formation of higher functions, training of the human mind and organization of the teaching process, respectively, and form the theoretical and methodological contribution of this research. In the course of the research we concluded that the mental functions of attention and memory have become fragile and have a direct relationship with the school conditions offered. For the student to watch it is necessary first to feel motivated to learn; once attentive facilitates the mnemonic process that has the strength to repeat information.

Keywords: Theory of Stage-by-stage Formation of Mental Actions. Galperin.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...12

2 TRISSOMIA 8: EXISTE ALGO A MAIS...16

2.1 PROBLEMA DE PESQUISA...19

3 CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA DE KHARKOV...22

3.1 ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL – SINFONIA INCOMPLETA...22

3.1.1 Psicologia histórico-cultural e a concepção sobre o comportamento anormal...29

3.2 “À LUZ DA SUA GLÓRIA, QUEM É O CAVALEIRO A CAVALO SOLITÁRIO – PETER YA. GALPERIN?”... 32

3.2.1 Teoria da Formação das Ações Mentais por Etapas ...33

3.2.1.1 Momento funcional: orientação...34

3.2.1.2 Momento funcional: execução...37

3.2.1.3 Momento funcional: controle...40

3.3 O QUE DIZEM OS PESQUISADORES EM SUAS PESQUISAS ... ...43

4 TRAJETÓRIA DA PESQUISA...50

4.1 PARTICIPANTES E LOCAL DA PESQUISA...50

4.2 PLANEJAMENTO PARA A INTERVENÇÃO ...54

4.3 ELABORAÇÃO PARA A INTERVENÇÃO...57

4.3.1 Etapas de Execução...57

4.3.2 Controle da Execução...62

4.4 ANÁLISE DOS DADOS...65

5 APLICAÇÃO DA TEORIA DAS AÇÕES MENTAIS POR ETAPAS...66

5.1 UM POUCO DO QUE VIMOS... 66

5.2. O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NA DISCIPLINA MATEMÁTICA...71

5.2.1 Sobre os conhecimentos matemáticos prévios ...72

5.2.2 Singularidade da motivação – parte I ... 73

5.2.3 Sobre a orientação à atividade Matemática...77

5.2.4 Desenvolvimento da Etapa Material/ Materializada em Matemática...79

5.3 O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NA DISCIPLINA DE CIÊNCIAS...88

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5.3.1 Sobre os conhecimentos prévios em Ciências...88

5.3.2 Singularidade da motivação – parte II...91

5.3.3 Sobre a orientação à atividade de Ciências... 92

5.3.4 Desenvolvimento da Etapa Material/Materializada em Ciências...95

6 O PAPEL DA ESCOLA NA FORMAÇÃO DO SUJEITO...102

6.1 AS FUNÇÕES DA ATENÇÃO E MEMÓRIA E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO...103 7 PRODUTO EDUCATIVO...116 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS...118 Referências...122 APÊNDICE A...126 APÊNDICE B...128 APÊNDICE C...129 APÊNDICE D...130 APÊNDICE E...131 APÊNDICE F...132 ANEXO A...133

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1. INTRODUÇÃO

Ao assistir a uma qualificação de mestrado, uma das professoras disse ao mestrando que sentiu falta dele dizer o que o levou a estudar o tema, e completou seu raciocínio afirmando que quando o pesquisador escolhe a abordagem histórico-cultural, ele compreende a importância da própria história na pesquisa. Eu nunca tinha pensado por esse prisma e confesso que fez minha atitude relutante de falar sobre mim mesma esmorecer.

Consigo, assim, entender seu pensamento de que a exposição de parte da minha vida não é importante para a escolha do tema desta pesquisa. Contudo, o convido a romper com essa visão e perceber, assim como eu, que foi o tema que me escolheu e não o contrário.

Sou a quarta filha de um mineiro e uma capixaba. Nasci, cresci e vivo em Vitória, mas sempre que posso viajo para Minas Gerais para visitar meus familiares. Quando criança, esperava ansiosa pelas férias de junho e julho, pois sabia que veria meus primos (as), tios (as) e avó.

Minha avó, mãe do meu pai, teve dezoito filhos (isso mesmo!), alguns morreram ainda bebês e outros enquanto crianças; dos dezoito filhos convivi com oito deles. Exceto uma tia, todos tiveram filhos, a família que já era grande ficou enorme. Minhas férias eram repletas de alegria, energia, gritaria e brincadeiras com meus primos.

Minha tia que não teve filhos recebia todos os sobrinhos em sua casa. Era a casa em que – quase – tudo era permitido. Comíamos muito, subíamos no telhado, pulávamos na piscina o dia todo, entrávamos em casa molhados, enfim, éramos crianças! Todos brincavam juntos e, a não ser pela preocupação das mães, todos podiam tudo.

Como qualquer criança, sempre tinha um primo mais atazanado que o outro e, com o passar do tempo, sabíamos que o primo mais velho iria tirar o mais novo do melhor lugar do sofá, as meninas ficariam horas no chuveiro, que a Tiane empurraria quem

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estivesse na borda da piscina e que o Pé de Xaxim comeria todas as batatas fritas. Que família não é assim?

Divertida, amorosa, brigona, que toma conta do que não lhe diz respeito, que tem filhos ou que não tem. Mas, pela quantidade de tios, tias, primos, primas, tias-avós que tenho, posso afirmar que nos destacamos entre as famílias que conheço. Até por volta dos meus doze anos essa era a visão que eu tinha. Mas algo, não me lembro do que, começou a chamar minha atenção. As pessoas não viam a Tiane e o Pé de Xaxim como eu os via. Eles eram meus primos que brincavam comigo e que se comunicavam de maneira diferente e só. Mas os outros olhavam torto, falavam baixo, cochichavam e meu coração ficou machucado até hoje pelo que aprendi: as pessoas veem o outro como diferente, inconveniente, estranho, esquisito, mal quisto. E assim percebi que meus primos eram especiais.

Especiais porque ele é autista e ela tem Síndrome de Down. Especiais porque ele era o meu Pé de Xaxim e ela o sorriso pertinho da piscina de quem iria me empurrar. De certa forma, movida pela dor e indignação sentida, por volta dos meus 15 anos fui servir como voluntária em uma associação para crianças carentes.

Nessa associação conheci crianças que me faziam refletir todos os dias sobre o comportamento do ser humano. Crianças eram abandonadas pelos seus pais por diversas razões: por serem surdas, porque eram arteiras e por isso foram mutiladas, por terem Síndrome de Down, por serem autistas, ou qualquer outra característica alheia ao padrão. Permaneci por um ano indo aos sábados para brincar com elas.

Por volta dos 20 anos, cursei Ciências Biológicas em outra cidade e novamente fui voluntária em uma associação que tinha como objetivo o ensino. Como toda voluntária, fiz o que ninguém mais queria. Estar com um menino hiperativo, que tomava remédios fortíssimos para dormir e não dormia, corria a sala pela manhã toda em círculos e na hora do almoço só comia banana. Corri com ele, comi com ele, chorei com ele e finalmente dormimos. Ganhar a confiança dele demorou semanas e me esgotou emocionalmente. Aos poucos saí da associação.

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Ao avaliar minha vida, percebi que o assunto “necessidades especiais” me acompanhou desde cedo e por isso decidi que minha profissão deveria relacionar-se a ele. Ao terminar o curso de licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas, fiz especialização em Educação Especial/Inclusiva. Fui voluntária por dois anos no Programa Fazendo a Diferença - PROFAD, ofertado pelo município de Vila Velha/ES, que desenvolvia lazer e recreação para alunos da prefeitura com necessidades especiais.

Após o término do PROFAD, fiquei por dois anos sem contato com pessoas com necessidades especiais, até que um professor surdo veio trabalhar na escola em que eu atuava. Ficamos amigos e senti a necessidade de fazer o curso, básico e intermediário, de Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. O que me ajudou muito nos anos seguintes, pois tive alunos surdos. Assim, comecei a pensar em todos aqueles que apresentavam surdez e que poderiam precisar de mim, porém, se não tivesse conhecimento para ajudá-los, só a minha boa vontade não seria o bastante. Decidi, então, ingressar no mestrado em 2014, na linha de pesquisa “Diversidade”, retornando para a escola em que lecionei por três anos, agora como professora pesquisadora.

Na escola conversei com a professora do atendimento educacional especializado (AEE) e com a pedagoga sobre os alunos que precisam desse atendimento a fim de identificar as possibilidades de pesquisa. Embora já tivesse em mente uma pessoa, considerei importante fazer essa identificação e dialogar com as profissionais, haja vista que elas estavam com os alunos diariamente e sabiam de algumas facilidades ou obstáculos que poderia enfrentar, como a baixa frequência do aluno na escola. Esta foi a primeira desconstrução do pensamento durante a pesquisa, uma vez que não fui eu quem escolheu o sujeito, me senti por ele escolhida.

Embora não tivesse estudado comigo nos anos anteriores, pois ainda era dos anos inicias do ensino fundamental, Filipe1 lembrou-se de mim e com um lindo sorriso me recebeu, perguntou o que eu fazia na escola e me falou dos seus planos. Esse pequeno gesto despertou em mim a curiosidade em estudar sua condição genética,

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e como ocorre o aprendizado desse aluno. Após uma breve explicação do que faria lá, o convidei a fazer parte da pesquisa. Assim começou a pesquisa sobre trissomia e a aprendizagem de uma criança com trissomia, a qual será detalhada no capítulo seguinte.

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2. TRISSSOMIA 8: EXISTE ALGO A MAIS

É bem provável sentir-se desconfortável com o erro gramatical da palavra trisssomia. Assim como é possível sentir-se da mesma forma ao estar perto de uma pessoa que visivelmente tem diferença e essa diferença não está presente na maioria das pessoas que o cerca. O incômodo provocado é intencional para que possamos apresentar a trissomia 8.

Alguns educadores, inclusive da área da Biologia, desconhecem o que seja trissomia, e talvez por isso tendem a homogeneizar todas as pessoas com trissomias. Afinal, o que é?

Somos formados por conjunto de células que em seu núcleo abriga o código genético, ou seja, as informações que nos caracterizam. Essas informações conhecidas como Ácido Desoxirribonucleico – DNA2 – organizadas em longas cadeias enroladas em proteínas são chamadas de cromossomos (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004). A espécie humana possui 23 pares, sendo vinte e dois pares autossômicos referentes às características comuns para ambos os sexos, como formação do baço, fígado, coração, e um par heterossômico que, além de algumas características, irá determinar o sexo.

Essas células sofrem continuamente um processo de renovação e para isso devem produzir novas células delas mesmas. As células autossômicas se multiplicam por meio da mitose, na qual a célula-mãe divide-se formando duas células-filhas com a mesma quantidade de cromossomos. Já a meiose irá formar as células reprodutivas, óvulo e espermatozoide, cujo resultado se apresenta com quatro células-filhas e a metade do número de cromossomos (Figura 1). É importante essa redução do número de cromossomos na meiose, pois o óvulo com 23 cromossomos, ao se unir ao espermatozoide com também 23 cromossomos, irá formar um zigoto com 46 cromossomos, ou 23 pares, a quantidade regular nos seres humanos (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004).

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Figura 1 – Divisão celular, meiose, na qual a célula-mãe irá gerar quatro células-filhas com metade do número de cromossomos.

Fonte: Wikimedia Commons3

Entretanto, essas divisões podem sofrer interferências, como erros e mutações, gerando variações tanto nas informações genéticas quanto no número de cromossomos; este é o caso da não disjunção. Durante a divisão celular há um momento em que os cromossomos que foram inicialmente duplicados devem se separar, porém, por motivo desconhecido, tal fato não ocorre e ambos se destinam para o mesmo polo da célula. Consequentemente, o resultado das células filhas apresentará três configurações: duas com a metade do número de cromossomos, uma com o dobro do número de cromossomos, e a outra sem cromossomos, conforme representado na Figura 2.

Figura 2 - Divisão celular, meiose, na qual a célula-mãe irá gerar quatro células-filhas diferindo entre si quanto ao número de cromossomos.

Fonte: Wikipedia4

O gameta com duplicidade cromossômica, ao fecundar outro com a quantidade regular formará um zigoto com um exemplar a mais, ou seja, 47. Como exposto

3

Disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:M%C3%A9iose.png Acesso em: 3 fev 2016.

4

Disponível em https://de.wikipedia.org/wiki/XYY-Syndrom Acesso em: 3 de set 2016.

Células filha com o dobro do número de cromossomos e sem cromossomos

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anteriormente, os cromossomos estão organizados em pares, porém, ao ter uma cópia extra, um desses pares terá três peças, sendo o evento denominado trissomia. A trissomia pode ocorrer em qualquer par dos cromossomos, gerando diferentes características. A mais comum é a Síndrome de Down, resultado da trissomia no cromossomo de par 21, enquanto outras com menor incidência podem ocorrer nos cromossomos sexuais, como a Síndrome de Klinefelter, a Síndrome de Patau no par 13 e a Síndrome de Edwards nos cromossomos 18. O evento pode ser letal para esses casos, mas há taxa de sobrevivência (GRIFFTHS, WESSLER, LEWONTIN, CARROLL, 2008), e em outros casos não.

A Síndrome de Warkany, presente no par 8, e por isso escrita como T8M, só não é letal quando algumas células apresentam 46 e parte delas 47 cromossomos, fenômeno denominado de mosaico. As condições e causas dessa trissomia foram identificadas pela primeira vez pelo pediatra Josef Warkany na década de 60, assim, ficou conhecida também como Síndrome de Warkany. A síndrome é rara 1: 25.000-50.000, na maioria das vezes em homens (RICCARDI, 1977 apud RODRÍGUEZ; MORENO-CID; RUBIO; PASTOR; DE LEÓN; PUERTO; GARCÍA; RODÍGUEZ, 2013).

Fenotipicamente não se pode dizer que há um padrão (ATKINS; HOMES; RICCARDI, 1974), embora alguns sujeitos possuam orelhas menores e rosto com resultado similar. A característica mais recorrente é a ausência da patela e há outras características, como limitação da supinação do cotovelo, seis vértebras lombares, espinha bífida oculta, postura anormal dos pés, perda auditiva, peso e altura dez por cento abaixo do normal, anormalidades neurológicas, incluindo falta de jeito e subnormalidade mental leve. O desenvolvimento mental dos sujeitos T8M é melhor que as outras trissomias, provavelmente por algumas células não serem afetadas, ressaltam os autores.

A descrição na literatura está sempre relacionada às características clínicas em relatos médicos ou genéticos, sendo referido ao processo de aprendizagem somente “retardo mental” ou subnormalidade; no campo da educação a denominação é deficiente intelectual. É importante que estudos na área educativa sejam realizados, pois nela estão os profissionais que se dedicam ao processo de ensino e

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aprendizagem. Embora cada um possua características únicas, inclusive na maneira de aprender, acredita-se que a investigação no ambiente escolar por pesquisadores da área da educação possa contribuir significativamente.

Pesquisas sobre T8M na área da educação não foram encontradas, sendo a busca realizada nos sites da Capes, Scielo, USP, UNB, UFBA, UFES, IFES, Google Acadêmico e inclusive Google não acadêmico. Para essa investigação foram utilizadas as expressões: Trissomia 8, Trisomy 8, Syndrome Trisomy 8, Warkany. Pela ausência de resultados, esta pesquisa mostra-se inovadora por tratar não dos aspectos biológicos e clínicos de uma pessoa com Síndrome de Warkany, mas dos aspectos do processo de ensino e aprendizagem, tendo a possibilidade de auxiliar os profissionais da área educacional em tal processo.

Para intensificar a assimilação dos conteúdos de um aluno em relação aos conhecimentos desenvolvidos no ambiente escolar, particularmente na disciplina de Ciências e Matemática, e na própria formação do sujeito, buscamos fundamentação teórica e metodológica na Teoria das Ações Mentais por Etapas.

2.1 PROBLEMA DE PESQUISA

A naturalidade com que aqueles denominados com necessidades especiais se fez presente em minha vida foi mudando à medida que o tempo passava. Não que eu deixasse de olhar as pessoas da mesma forma, mas a reação dos adultos em torno das diferenças me levou a refletir sobre tais problemas, e assim continuei observando as posturas dos amigos, professores e principalmente dos colegas de escola. Dessa forma, aconteceu minha formação e enquanto professora refletia sobre a contribuição da escola no processo de construção da autonomia de um aluno, e como as questões culturais podem se constituir em barreiras maiores do que as questões biológicas.

Para alguns docentes, pessoas com diferenças das ditas normais, no que tange à questão biológica, podem ter seu processo educacional trabalhado com os mesmos métodos. Igualam todos os alunos que possuem diferenças, como se os ditos normais fossem também exatamente iguais entre si. Quando reconhecem a

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necessidade de uma metodologia específica justificam a ausência da mesma por não terem sido capacitados na formação inicial. É possível que a ignorância, no sentido de não ter conhecimento, faça com que ajam assim, sendo, então, importante mostrar que uma síndrome, doença, transtorno ou qualquer que seja a denominação, não faz com que as pessoas sejam idênticas.

Para ilustrar, tomemos como exemplo os sujeitos com Síndrome de Down, cujas características físicas marcantes são compartilhadas, mas não obrigatórias. Na escola, as técnicas de ensino utilizadas com eles diferenciam-se dos demais alunos, mas não entre eles; isso em um cenário otimista no qual o professor trabalha sob a perspectiva de um ensino para todos. Se a esse cenário adicionarmos sujeitos com Síndrome de Edwards, Síndrome de Patau, Síndrome de Wakany e diversas outras, é provável que tudo, na visão dos educadores, se resuma a uma característica: dificuldade de aprendizagem.

Por entender que a dificuldade é provavelmente a mesma, o método utilizado não se diferencia e nem se fundamenta em autores que estudam tais dificuldades. Assim, é necessário apresentar alternativas aos métodos conhecidos e autores que darão suporte teórico, uma vez que desenvolver uma tarefa com mais conhecimento da metodologia desses estudiosos permitirá que o resultado seja mais próximo ao esperado e, dessa maneira, seja possível superar o estigma de que alunos com necessidades especiais não aprendem.

Sendo assim, nos indagamos sobre as síndromes genéticas, sobre esses sujeitos que frequentam a escola, a escolha dos métodos utilizados pelos professores, a superação da não aprendizagem e como ser um facilitador da mesma. Diante dessas ponderações, chegamos ao seguinte problema de pesquisa: quais as contribuições da Teoria das Ações Mentais por Etapas para a aprendizagem de um aluno com trissomia no cromossomo 8?

Para responder à pergunta, temos como objetivo geral analisar a aprendizagem de um aluno com trissomia no cromossomo 8 nas disciplinas de Ciências e Matemática, com base na Teoria das Ações Mentais por Etapas proposta por Galperin.

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Para alcançar o objetivo geral, temos como objetivos específicos:

 Problematizar os momentos que envolvem as situações de aprendizagem de um aluno.

 Analisar a aprendizagem de alguns conteúdos nas disciplinas de Ciências e Matemática, com base na Teoria das Ações Mentais por Etapas.

 Discutir o desenvolvimento das funções psicológicas da atenção e memória.

Uma vez apresentada a justificativa e os objetivos desta pesquisa seguiremos com a apresentação das contribuições da psicologia histórico-cultural acerca do desenvolvimento das funções psíquicas, e da Teoria das Ações Mentais por Etapas, a qual será o suporte teórico-metodológico para o desenvolvimento das atividades a serem realizadas. No capítulo três descreveremos o percurso metodológico percorrido, cujos resultados serão mostrados e discutidos no capítulo cinco, enquanto as considerações finais serão apresentadas no capítulo seis.

Toda pesquisa de mestrado profissional deve produzir além da dissertação um produto final, o qual representa materialmente parte do processo da pesquisa. Esse produto pode se apresentar de diversas formas: sequências didáticas, documentários, relatórios, kits de ensino, softwares educativos, entre outros. Ele será abordado no capítulo quatro.

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3. CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA DE KHARKOV

Este capítulo objetiva apresentar as bases teóricas de suporte e apoio a esta pesquisa. No primeiro subitem analisaremos as contribuições de L. S. Vigotski5 acerca do desenvolvimento do sujeito, o psiquismo, o ensino escolar, a importância da zona de desenvolvimento iminente, a defectologia, e como essas contribuições influenciaram os estudos de P. Ya. Galperin, fundador da Teoria das Ações Mentais por Etapas, a qual será tratada nos subitem seguinte.

3.1 ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL – SINFONIA INCOMPLETA6

A etimologia da palavra psicologia nos remete ao objeto de estudo nos primórdios dessa ciência: doutrina ou estudo da alma. Lentamente essa ciência ganhou diferentes concepções, ora vislumbrando a alma ou questões internas da psique ora estudando o comportamento como adaptação do ser no meio em que vive. Uma nova abordagem psicológica surgiu no início do século XIX em um grupo de pesquisadores, que a intitularam de psicologia histórico-cultural 7(VIGOTSKI, 2004).

Essa nova maneira de pensar a ciência da alma foi fundamentada nos ideais de Karl Marx e se diferencia das abordagens da época e anteriores por quatro traços.

O primeiro traço distintivo da nova psicologia é seu materialismo, uma vez que ela considera todo o comportamento do homem como constituído de uma série de movimentos e reações dotado de todas as propriedades da existência material. O segundo traço é seu objetivismo, uma vez que ela coloca como condição sine qua non das investigações a exigência de que estas tenham por base a verificação objetiva do material. O terceiro traço é seu método dialético, que reconhece que os processos psíquicos se desenvolvem em indissolúvel ligação com todos os outros processos no organismo e estão sujeitos exatamente às mesmas leis a que está todo o restante na natureza. O quarto e último traço é o seu fundamento biossocial cujo sentido definimos anteriormente (VIGOTSKI, 2004, p. 8).

No materialismo, é necessário analisar o fato concreto, material, enquanto a dialética considera a relação do agir do homem sobre a natureza, como transformá-la e por

5

Embora haja diferentes grafias para o nome do autor será adotada a escrita Vigotski. Somente nas citações o nome será escrito como na obra referida.

6

Denominada por Pozo (1998, apud Núnez, 2009, p. 19)

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ela ser transformado. Essa produção é feita entre pessoas, em um meio social; é a relação interpessoal construída historicamente pelos homens que será aprendida pelo sujeito e propiciará seu desenvolvimento. Assim sendo, o aprendizado acontece primeiramente no plano social entre pessoas para posteriormente ser internalizado e ser um processo individual (VIGOTSKI, 2004; 2007).

A conversão de um processo interpsíquico para intrapsíquico ocorre pela internalização dos signos, como a escrita, o desenho, a leitura, e o uso do sistema de números, os quais foram construídos ao longo da evolução humana. É esse universo simbólico que representa a realidade concreta e objetiva que existe fora da nossa consciência, que são internalizados. Ao utilizar os signos, as ações humanas passam a ser mediadas, modificando as formas superiores do nosso comportamento, do nosso psiquismo (VIGOTSKI, 2007; MARTINS, 2013a).

Martins (2011a, p. 45, destaque da autora) define psiquismo como “[...] unidade material e ideal expressa na subjetivação do objetivo, isto é, na construção da

imagem subjetiva do mundo objetivo”. E continua a explicar que é material do ponto

de vista orgânico, o cérebro, e ideal, pois é a representação que cada um faz da realidade. Para Luria (ibidem) tal unidade é organizada como um sistema complexo composto por funções psicológicas - sensação, percepção, atenção, memória, linguagem e pensamento – que trabalham de maneira interdependente e atuam no comportamento humano.

A sensação, porta de entrada das funções psíquicas para a formação da imagem, capta as propriedades dos objetos através dos analisadores. Estes podem ser visuais, táteis, auditivos, gustativos, e de respostas à fome, sede, sono, dor, entre outros, fazem parte do sistema arco-reflexo que se encarrega de receber o estímulo, o qual será conduzido e interpretado pelos receptores, nervos aferentes e pelas zonas corticais respectivamente. As sensações, que constituem os reflexos que inicialmente são incondicionados, devido ao desenvolvimento biológico e as experiências sociais, sofrem transformações para reflexos condicionados e constituem-se como sensações humanas culturalmente formadas (MARTINS, 2013a; 2013b; VIGOTSKI, 2004).

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São as diversas exposições a estímulos e o processo biológico que promoverão a integração primária entre os analisadores, formando uma imagem unificada das coisas, função da próxima função psíquica, a percepção (MARTINS, 2013a; 2013b).

Embora a percepção, diferentemente da sensação, forme uma imagem sintética, ambas estão inseridas em um sistema cuja relação é de dependência. São elementares, uma nasce a partir da outra, e tornam-se complexas ao serem mediadas pela fala8. É do pareamento da imagem e palavra que ocorrerá o processo de formação de conceito dos objetos, e essa significação decorre da experiência social e cultural do ser humano (VIGOTSKI, 2007).

O papel da linguagem na percepção é surpreendente, dadas as tendências opostas implícitas na natureza dos processos de percepção visual e da linguagem. Elementos independentes num campo visual são percebidos simultaneamente; nesse sentido, a percepção visual é integral. A fala, por outro lado, requer um processo sequencial. Os elementos, separadamente, são rotulados e, então, conectados numa estrutura de sentença, tonando a

fala essencialmente analítica (VIGOTSKI, 2007, p. 23, destaque do autor).

Signos e palavras se constituem como um meio de contato social entre as pessoas, logo é por meio da fala que o comportamento humano é direcionado para um fim específico. Para isso é necessário selecionar um estímulo entre vários, reter o foco no mesmo e inibir a ação de outros, tarefa possível com o desenvolvimento da

atenção. (MARTINS, 2011b; MARTINS 2013b).

A atenção no início da vida tem sua natureza quase exclusivamente como instinto-reflexo. Reflexo, pois são reações de origem hereditária que se constituem como importantes mecanismos de sobrevivência, como, por exemplo, o choro, a reação do medo, o grito de dor. Está relacionada diretamente ao meio, sendo para este uma resposta momentânea. Em contrapartida, “O instinto é a forma mais complexa do comportamento hereditário” (VIGOTSKI, 2004, p. 22), e distingue-se pela relação com o meio, por não ser previsível e acionar vários movimentos e órgãos para sua

8

Os termos fala e linguagem são bastante discutidos nas traduções das obras de Vigotski. É uma discussão importante, mas não inserida nos objetivos desta pesquisa. Optamos pelo primeiro termo, e para justificar nossa escolha sugerimos a leitura do capítulo V da tese “QUANDO NÃO É QUASE A MESMA COISA: Análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil Repercussões no Campo Educacional, de Zoia Ribeiro Prestes (Brasília, 2010). Disponível em: https://www.cepae.ufg.brup80oZOIA_PRESTES_-_TESE.pdf1462533012 Acesso em: 3 jan 2017.

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execução, por exemplo, o ato de mamar. Em comum, tanto o reflexo e o instinto de origem hereditária não são aprendidos, diferentemente dos não hereditários (VIGOTSKI, 2004).

As reações inatas sob a influência do meio e baseadas na experiência individual irão suscitar no indivíduo respostas singulares, sendo estas reações condicionadas. Tanto o reflexo quanto o instinto estão presentes em todos os animais, inclusive o homem, e

[...] gradualmente, através de um treino longo e complexo, transforma-se em atitude arbitrária que é orientada pelas necessidades mais importantes do organismo e, por sua vez, orienta todo o desenrolar do comportamento humano (VIGOTSKI, 2007, p. 161-162)

Desenvolve, assim, a função da atenção. Esta que pressupõe motivo e finalidade irá superar o interesse reflexo-instintivo por volta da idade adulta, ou seja, até a adolescência o indivíduo terá a atenção oscilando entre involuntária e voluntária (MARTINS, 2013b). Esse aspecto deve ser considerado por professores e pedagogos ao planejar e executar as aulas.

Ambos, professores e pedagogos, por meio das ações desenvolvidas devem interferir diretamente na atenção dos alunos, apresentando o objetivo da ação didática proposta e o caminho a ser percorrido. Cabe aos educadores mostrar o motivo da ação, e não aos alunos descobri-lo, uma vez que eles ainda não possuem a atenção desenvolvida e, dessa forma, convergir o interesse propriamente dito à ação proposta, direcionando assim o comportamento do aluno (MARTINS, 2013b, VIGOTSKI, 2004).

Comportamento que é influenciado e determinado pela organização do meio e a forma de realizar a ação. Por isso, professor e pedagogo devem “[...] antes de explicar, interessar; antes de obrigar a agir, preparar para a ação; antes de apelar para reações, preparar a atitude; antes de comunicar alguma coisa nova, suscitar a expectativa do novo” (VIGOTSKI, 2007, p. 163), promovendo condições para a atenção voluntária. Assim, o comportamento do ser humano rompe com a ação

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estímulo-reflexo e se torna mais elaborada, dando significados e conceitos aos objetos que foram internalizados (MARTINS, 2013b).

Novamente os signos, a fala e a relação com o outro são responsáveis pela mediação da representação mental do objeto material que resultará na formação de imagens Estas deixam vestígios no sistema nervoso que podem ser recordadas. A habilidade em recrutar as imagens formadas resultará no desenvolvimento da

memória, definida como “[...] a quem cumpre a formação de imagem por evocação

daquilo que no passado foi sentido, percebido e atentado. Isto é, a quem compete fixação, o armazenamento e evocação das experiências” (MARTINS, 2011a, p.46, destaque da autora). Este último momento determinará a qualidade da memória.

Vigotski (2007) distingue a memória, assim como a velha psicologia, chamada por ele dessa maneira, em mecânica e a associativa. A primeira é a capacidade de preservar os vestígios de reações repetidas inúmeras vezes a ponto de produzir modificações nervosas. A segunda refere-se às modificações sofridas no sistema nervoso em decorrência das experiências vividas. O acionamento dela é como um efeito dominó, ao passo em que, quando uma reação é lembrada, esta desencadeia o surgimento de outras, sendo influenciada pela riqueza das experiências passadas. Ambas fazem parte da composição da memória propriamente dita, a qual se apresenta heterogênea, complexa e seu funcionamento é desigual para os indivíduos.

A maneira pela qual uma pessoa memoriza está também relacionada ao campo perceptivo. Enquanto um sujeito recorda melhor utilizando a visão, outro pode identificar-se com a audição e um terceiro com a combinação audiovisual. São várias as possibilidades e todas estão relacionadas ao processo de reação às experiências as quais são expostas (VIGOTSKI, 2004; 2007).

No campo da educação é útil ao professor identificar o tipo de memória do aluno e dessa forma selecionar as ferramentas facilitadoras do processo mnêmico. Todavia, ainda que os recursos mais indicados sejam utilizados, na memorização mecânica ou associativa a qualidade da imagem formada está relacionada aos motivos e às intencionalidades da ação (VIGOTSKI, 2007).

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A imagem mental formada é ligada ao conceito de um objeto que foi sentido, percebido, atentado, logo, memorizado. A conversão de imagens em linguagem permite ao ser humano sobrepujar a representação imediata da realidade, e “Dessa superação resulta a possibilidade para a construção de ideias, que são a rigor, os conteúdos do pensamento” (MARTINS, 2011b).

As funções que antes eram elementares se desenvolveram em superiores e modificam o comportamento humano.

Na forma elementar alguma coisa é lembrada; na forma superior os seres humanos lembram alguma coisa. [...] no segundo caso, os seres humanos, por si mesmos, criam um elo temporário através de uma combinação artificial de estímulos (VIGOTSKI, 2007, p. 50).

Assim, é encerrada a necessidade de ter presente o objeto; as ações mediadas pelos signos influenciam as funções psicológicas de tal maneira que as modificam estruturalmente e na relação entre as mesmas, e passam a ser denominadas funções psíquicas superiores ou comportamento superior (VIGOTKI, 2007). Este é o resultado da internalização da cultura influenciando o indivíduo e transformando-o em sujeito. A apropriação dessa cultura pode ser feita de diferentes maneiras, como no seio familiar, entre amigos, na igreja, no esporte, nos museus, zoológicos e na escola, que dispõe de importante papel no desenvolvimento, mas tem se mostrado deficiente quanto aos métodos de ensino.

A relação da aprendizagem e desenvolvimento de crianças em idade escolar é tema recorrente na psicologia pedagógica e a questão metodológica é um ponto desafiador para os pesquisadores. Diante do exposto, compreendemos que as funções psicológicas tornam-se complexas com a internalização cultural, que ocorre primeiramente no plano interpsíquico e posteriormente no plano intrapsíquico; formando, portanto os valores, juízos, comportamentos, e a cultura do sujeito. No âmbito escolar, essa formação está relacionada ao ensino que é ofertado e o como se oferta.

Para a psicologia histórico-cultural é a instrução realizada em uma ação colaborativa, seja com o professor ou com os colegas, que possibilitará o

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desenvolvimento (PRESTES, 2010). E como deve ser esse ensino? Vigotski (2004, p. 509) diz que deve ser aquele “[...] que supera o desenvolvimento, ou seja, arrasta atrás de si o desenvolvimento, desperta para a vida, organiza e conduz o processo de desenvolvimento [...]”, e complementa dizendo que o ensino “ [...] fácil demais e difícil demais é igualmente pouco eficaz”. Por essa razão, o professor deve atuar com o que o aluno é capaz de fazer ao ser orientado, e não com o que ele realiza de maneira independente, uma vez que já tem domínio; nem com o que não é capaz de fazer mesmo com orientação. Esse pensamento relaciona-se com a ideia da Zona de Desenvolvimento Iminente9 (ZDI) e Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) (VIGOTSKI, 2004; 2007), conceituadas por Vigotski (apud PRESTES, 2010, p. 173-174) da seguinte maneira:

No mínimo, deve-se verificar o duplo nível do desenvolvimento infantil, ou seja, primeiramente, o nível de desenvolvimento atual da criança, isto é, o que hoje já está amadurecido e, em segundo lugar, a zona de seu

desenvolvimento iminente, ou seja, os processos que, no curso do

desenvolvimento das mesmas funções, ainda não estão amadurecidos, mas já se encontram a caminho, já começam a brotar; amanhã trarão frutos; amanhã passarão para o nível de desenvolvimento atual.

Pesquisas mostram que o nível de desenvolvimento da criança define-se, pelo menos, por essas duas grandezas e que o indicador da zona de

desenvolvimento iminente é a diferença entre esta zona e o nível de desenvolvimento atual. Essa diferença revela-se num grau muito

significativo em relação ao processo de desenvolvimento de crianças com retardo mental10 e ao de crianças normais. A zona de desenvolvimento

iminente em cada uma delas é diferente. Crianças de diferentes idades

possuem diferentes zonas de desenvolvimento.

A relevância desse conhecimento para o docente é a compreensão de que alunos com a mesma idade cronológica podem ter diferentes idades mentais, por conseguinte, como ensinar a cada um deles também deverá ser diferenciado. Conhecer a idade mental do aluno possibilitará ao professor elaborar as atividades de ensino, pois trabalhar sobre o que os alunos estão na iminência de aprender promoverá e facilitará o desenvolvimento desse aluno. Essa ideia veio contrapor a

9

Essa será a nomenclatura adotada embora sejam encontradas na literatura outras expressões como Zona de Desenvolvimento Potencial, Zona de Desenvolvimento Proximal e Zona de Desenvolvimento Imediato; será mantido o termo das citações diretas. Tal escolha está fundamentada na tese de Zoia Prestes (2010, p.173, destaque da autora) que traz a seguinte explicação: “[...] a tradução que mais se aproxima do termo blijaichego razvitia é zona de desenvolvimento iminente, pois sua característica essencial é das possibilidades de desenvolvimento, mais do que do imediatismo e da obrigatoriedade de ocorrência [...]”.

10

Vigotski utiliza termos que estão em desuso, porém os mesmos foram mantidos nas citações diretas.

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pedagogia que aplicava testes para diagnosticar o desenvolvimento mental real do aluno e, baseado nas etapas que já haviam sido internalizadas, orientava a aprendizagem para o estágio seguinte. Desconsiderava-se se o aluno era ou não capaz de realizar a atividade com auxílio e, assim, se tomava como pressuposto que não sabiam realizá-la (VIGOTSKI, 2004; 2007).

Essa conjuntura torna-se ainda mais evidente quando aborda o público deficiente intelectual. Ao serem submetidos a testes, os resultados indicavam que o ensino deveria ser baseado no método direto, ou seja, sem utilizar signos, haja vista a pouca habilidade em abstração dos conceitos. Experiências posteriores mostraram que esse método não só não ajudava na superação da deficiência como também o intensificava, permitindo ao autor propor que só é bom o ensino que supere o desenvolvimento (VIGOTSKI, 2004).

Acerca desse público, Vigotski também teve um olhar diferenciado, principalmente pela época em que viveu, início do século XX.

3.1.1 Psicologia histórico-cultural e a concepção sobre o comportamento anormal

Qual é o limite entre normal e anormal? Linha tênue e inexistente, assim como o conceito de norma que é “[...] puramente abstrato de certa grandeza média dos casos mais particulares e, na prática, não é encontrada em forma pura, mas sempre em certa mistura de formas anormais (VIGOTSKI, 2004, p. 379)”. Entretanto, ressalta o autor, há comportamentos que se afastam de tal maneira que nos dão o direito de falar sobre o anormal.

O comportamento anormal, cujas origens podem ser diferentes, é reunido em três grandes grupos: aqueles em que o comportamento anormal é breve e casual, como esquecimentos, omissões, delírios; o comportamento constante e vitalício, decorrente da ausência de um membro, deficiência física; e o comportamento duradouro e estável, representado pelas neuroses, psicoses e deficiências mentais. Estes são o foco da discussão quanto ao processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento, embora possa ser estendido para todos os grupos.

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O que dizer do processo de ensino e aprendizagem para os sujeitos que foram marginalizados ao longo do tempo? Seja pela sua condição física, genética ou psicológica, o desvio da norma fez com que fossem excluídos, tendo o papel social restrito a um ser parasita que dependia da benevolência do outro. À escola cabia a tarefa de olhá-los de maneira piedosa, “[...] mantê-los com recursos sociais, ajudá-los a levar aos trancos e barrancos uma deplorável sobrevivência humana” (VIGOTSKI, 2004, p. 382). Apesar das mudanças ao longo dos séculos, pouco mudou para os deficientes intelectuais.

Sob o ponto de vista do desenvolvimento natural é necessário esperar que as funções biológicas amadureçam para que possam aprender. O item anterior abordou que, sob a perspectiva da psicologia histórico-cultural, a humanização é um processo no qual as funções elementares tornam-se superiores a partir das relações sociais mediadas pelo outro e pelos signos (VIGOTSKI, 2004). Contudo, se deixarmos o indivíduo à própria sorte, ressalta Martins (2013b), ele nunca passará pelo processo de humanização.

O comportamento da criança sofrerá mudanças quando ela sentir necessidade de tal atitude, exigir que ela diga a palavra para referir-se a um objeto, memorize para falar de um fato acontecido e pense para resolver problemas. Daí a importância da participação da criança no meio cultural, pois só haverá desenvolvimento psíquico pelos meios externos da cultura, fala, escrita, aritmética e pela própria função psíquica, atenção voluntária, lógica e pensamento abstrato. A criança com deficiência intelectual permanece nessa carência justamente nesses aspectos não por questões orgânicas, mas pelas possibilidades que são oferecidas para que eles se desenvolvam (VIGOTSKI, 2004; 2011).

No âmbito escolar é comum utilizar os mesmos métodos de ensino a todos os alunos, independente de suas especificidades. Entretanto, compete ao professor e ao pedagogo selecionar técnicas com signos especiais que atendam às necessidades desse público.

Para a criança intelectualmente atrasada, deve ser criado, em relação ao desenvolvimento de suas funções superiores de atenção e pensamento, algo que lembre o sistema Braille para a criança cega ou a dactilologia para

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a muda, isto é, um sistema de caminhos indiretos de desenvolvimento cultural, quando os caminhos diretos estão impedidos devido ao defeito (VIGOTSKI, 2011, p. 869).

Além disso, Vigotski (2004) demonstra a importância de trabalhar com atividades que incitem nos alunos à formação da imagem mental dos objetos, uma vez que os sujeitos com deficiência intelectual “não são muito capazes de ter pensamento abstrato”, e justamente terem dificuldade na representação mental é que a “[...] escola deveria fazer todo esforço para empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento” (idem, p. 101). Porém, ao desenvolver as atividades, pedagogos e professores enfatizam o plano concreto e reiteram a cada tarefa a deficiência intelectual do aluno, uma vez que não fomentam situações que promovam o desenvolvimento cognitivo (VIGOTSKI, 2004; 2007; 2011).

O desenvolvimento cognitivo à luz da psicologia histórico-cultural é formado com base na internalização da cultura vivenciada na sociedade. A privação da mesma interfere significativamente no processo de humanização, tanto dos ditos normais como anormais. A escola enquanto espaço de construção de conhecimento deve criar oportunidades para que esse desenvolvimento ocorra, ainda que para alcançar os objetivos precise modificar seus métodos. Vigotski contrapôs o pensamento da época afirmando que é o ensino que estimula o desenvolvimento, porém não explicou como ocorre a abstração do que antes era concreto.

A resposta a isso foi exaustivamente pesquisada por Galperin, que esteve presente na fundação da Escola de Khrakov (HAENEN, 2001). Pouco conhecido no ocidente, as contribuições do psicólogo para a nova psicologia são de extrema relevância; pois assim como os demais pesquisadores que continuaram a obra de Vigotski, aquele preenche lacunas deixadas por este.

A obra inacabada de Vigotski decorreu de sua morte ainda jovem, aos 38 anos. A Sinfonia Incompleta é assim referenciada em decorrência de suas ideias brilhantes, sendo considerado ‘O Mozart da Psicologia’, além de formar junto aos seus colaboradores, Leontiev e Luria, a Troika (HAENEN, 2001). Troika, que significa

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trinca de cavalos, deixou um quarto cavaleiro solitário, o qual será apresentado a seguir.

3.2 “À LUZ DA SUA GLÓRIA, QUEM É O CAVALEIRO A CAVALO SOLITÁRIO – PETER YA. GALPERIN?” 11

Nascido em outubro de 1902, filho de um médico e professor universitário, Galperin tinha em casa uma vasta biblioteca com artigos sobre Filosofia, Medicina e Psicologia. Sua formação pode ter sido influenciada pelo seu contexto familiar e assim formou-se em medicina na década de 30, direcionando sua atuação para a área da Psicologia (NÚÑEZ; OLIVEIRA, 2013).

Pouco conhecido no ocidente, foi um dos psicólogos mais influentes nas escolas da antiga União Soviética a partir da década de 50, quando “formulou hipóteses sobre a teoria da formação por etapas da atividade mental e dos conceitos” (NÚÑEZ, OLIVEIRA, 2013, p. 288). Participou do seleto grupo de psicólogos do país e esteve envolvido na fundação da Escola de Jarkov, Ucrânia, sendo o último dessa geração a ter contato com Vigotski (HAENEN, 2001). Além de outros importantes psicólogos da época, trabalhou com A. R. Luria, A. N. Leontiev e foi orientador de V. V. Davidov e N. F. Talízina, contribuindo significantemente em seus estudos. Apresentou-se como uma importante figura para a compreensão do pensamento da Psicologia Histórico-Cultural e da Teoria da Atividade, esta desenvolvida por Leontiev, que, contudo, não explicaram o mecanismo de internalização da atividade externa em atividade interna (NÚÑEZ, 2009; NÚÑEZ; OLIVEIRA, 2013).

Galperin, continuador desses estudos, contribuiu para a compreensão da formação de conceitos na mente humana e como esta está relacionada à atividade material externa, colaborando para a formação do psiquismo humano. No início da década de 50 formulou hipóteses sobre esse processo e, em 1965, defendeu sua tese com os “Principais resultados dos estudos sobre a formação da ação mental e dos conceitos”, assim intitulada (NÚÑEZ; OLIVEIRA 2013, p. 289). As questões

11

Artigo de Boris Gindis, o qual avaliou o livro de Haenen (1996), Psychologist in Vygotsky's Footsteps.

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relacionadas às mudanças cognitivas do desenvolvimento e à origem da mente são o centro dos seus estudos (STETSENKO; ARIEVITCH, 2008).

Assim, a relação dos diferentes tipos de aprendizagem, as formas de ensino e sua relação com o desenvolvimento também se tornam importantes, uma vez que:

Sua preocupação era compreender como os conceitos complexos e muito discutidos de mediação e interiorização, apresentados por Vygotsky, poderiam ser instrumentalizados para se organizar um ensino que desenvolvesse os estudantes como personalidades integrais (NÚÑEZ; OLIVEIRA, 2013, p.293).

A respeito do processo de interiorização e desenvolvimento, Galperin (2013d) demonstrou que havia um problema do método ao se estudar o intelecto do sujeito. As discordâncias, segundo Galperin, decorriam do método utilizado para pesquisar o desenvolvimento intelectual do sujeito e propôs uma nova metodologia, a qual o conduziu à questão do desenvolvimento mental. A esse método denominou “formação das ações mentais por etapas” (GALPERIN, 2013d, p. 463).

3.2.1 Teoria da Formação das Ações Mentais por Etapas

O processo de internalização da atividade externa para o plano mental foi estudado por Galperin culminando em sua teoria. Por ação mental entende-se a capacidade do sujeito de converter um objeto material em uma representação mental, como, por exemplo, realizar uma divisão, ler uma palavra, distinguir acordes, determinar um estilo arquitetônico. Essas qualidades que são aprendidas instigaram o teórico a perguntar: “Como se adquirem no processo de ensino?” (GALPERIN, 2013b, p.441).

E respondeu:

A formação da ação mental passa por cinco etapas: a primeira pode-se denominar a criação de algum (SIC) assim como um “projeto de ação”, a base orientadora com a que depois o sujeito se guia para realizar a ação. Na segunda etapa, se cria de forma material (ou materializada) essa criação, a primeira forma real no sujeito. Na terceira etapa a ação se separa das coisas (ou de suas imagens materiais) e passa ao plano da linguagem em voz alta. Na quarta etapa a ação se realiza mediante a conversação “para si‟, todavia, imprecisa em seus componentes verbais e conceituais. Esta ação no plano da “linguagem para si” na seguinte etapa se transforma em um processo automático, e a consequência dele, precisamente em sua

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parte verbal se alia à da consciência, assim o processo verbal se converte em um processo oculto e, em seu sentido mais completo, em um processo interno (GALPERIN, 2013c, p. 456).

Embora os momentos descritos por Galperin recebam o nome de etapas, elas não devem ser vistas como momentos estanques e sim como um processo que quando ocorre em situações de aprendizagem real podem ser abreviados, combinados ou até mesmo ignorados. Por isso não é um processo linear e hierárquico, mas algo que se aproxima do modelo em espiral (ARIEVITCH e HAENEN, 2005). Neste modelo o processo de aprendizagem avança com melhorias graduais na qualidade da ação, esta é determinada por Galperin (2013b) como indicadores da qualidade da ação.

Os indicadores, ou parâmetros da ação estabelecidos por Galperin (2013b) são a forma da ação, grau de generalização, grau de abreviação, grau de consciência e grau de controle. A abreviação e o controle também são denominados, respectivamente, por detalhamento e independência por Núñez (2009). A qualidade e o resultado da ação internalizada são determinados pelo tipo de orientação dada. Dessa forma, entende-se que há três momentos funcionais da ação: orientação, execução e controle.

No momento da orientação ocorre a formação da base orientadora da ação. A execução contempla as etapas material/materializada, linguagem externa, mental. O terceiro momento, e não por último, está o controle que é feito por meio dos parâmetros da ação (GALPERIN, 2013b). Galperin (2013e) não contemplou o fato motivacional e reconhecia essa deficiência, a qual foi proposta por Talízina (NÚÑEZ, 2009). Esses momentos funcionais que não ocorrem de maneira linear, e sim como em um ciclo serão descritos a seguir.

3.2.1.1 Momento funcional: orientação

Durante a pesquisa sobre a formação da ação mental por etapas, Galperin e seus colaborados observaram que a forma da ação e a qualidade final do produto estão relacionados à qualidade da orientação dada (GALPERIN, 2013a). Deu o nome de Base Orientadora da Ação – BOA ao “[...] conjunto de condições nas quais os

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estudantes se orientam durante a execução da ação” (GALPERIN, 2013d, p.466), disponíveis em uma ficha ou cartão.

Diversos são os tipos de orientação e as pesquisas realizadas mostraram que podem se reduzidas a três tipos: o primeiro é caracterizado por ter indicadores isolados, é frágil e incoerente. O caráter orientador não é dissociado da ação em si, que ocorre por tentativa e erro, fazendo com que o processo de formação da ação ocorra lentamente. Por não reconhecer os elementos indicadores da orientação – aqueles que estão presentes em outras ações – há uma análise breve e rasa da situação. Consequentemente, a orientação torna-se tão específica que em uma condição semelhante, mas com variantes, vai necessitar de uma nova base de orientação (GALPERIN, 2013a).

No segundo tipo de orientação, o professor mostra a orientação completa, explica o significado das orientações e o modo de executar a ação. Para que esta seja correta é necessário um controle externo bem determinado a fim de evitar que o sujeito volte aos ensaios e aos erros. Inicialmente, o aprendiz irá comparar cada elemento da tarefa com a orientação para, em seguida, desenvolvê-la. Posteriormente, a ação será feita em blocos isolados, com menos erros e menor necessidade de mediação da BOA. Esse processo se sucede conforme a necessidade de consulta se abrevie, até o momento em que não mais seja requisitada e a realização da ação se torne automática. Uma vez no plano mental a ação é realizada com 100% de precisão e a aplicação a situações possíveis (generalização) dependerá substancialmente da presença dos elementos idênticos aos assimilados. A habilidade de reconhecer novos elementos necessários para executar a tarefa não é desenvolvida por esse tipo de orientação e, por isso, em cada nova tarefa o sujeito passa novamente pelo primeiro tipo (GALPERIN, 2013a). Esse segundo tipo de orientação é típica do ensino tradicional (NÚÑEZ, 2009).

A orientação que permite a formação da “[...] habilidade do sujeito para formar individualmente a imagem orientadora completa da ação” (GALPERIN, 2013a, p. 437) é a primeira diferença do terceiro tipo. Nessa situação, a orientação pode ser aplicada a um conjunto de tarefas e não a uma específica, sendo, desse modo, a única orientação que conduz à generalização. Para tanto, é necessário ensinar o

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aluno a analisar como reconhecer esses elementos em tarefas diferentes dentro de uma mesma área. Não se trata de deixar que formulem a base de orientações por si só, mas oferecer elementos para que possam realizar tal análise. Esse tipo de BOA se caracteriza por se formar de maneira fácil e rapidamente, enquanto a atividade é assimilada com menor número de erros (GALPERIN, 2013a).

Núñez (2009) cita pesquisas que demonstram as vantagens em trabalhar com a BOA do tipo III, destacando o tempo necessário para o aprendizado, que é menor do que nos outros tipos de orientação; a generalização dos conteúdos; a baixa falha na transferência dos conteúdos em novas situações; a oferta de possibilidades para realizar um trabalho independente e criativo; e a contribuição para o desenvolvimento do pensamento teórico dos alunos.

Apesar de o terceiro tipo de orientação ser o mais indicado, no ensino de tarefas com alto grau de complexidade e novidade, na qual a única maneira de realizá-la é ter uma orientação específica, se utiliza a BOA tipo I (NÚÑEZ; PACHECO, 1998).

A orientação é a primeira das etapas do processo e estará presente durante todo o ciclo cognoscitivo. A construção da base orientadora, que se materializa na forma de fichas, contém brevemente os signos necessários dispostos em colunas e numerados, e devem ser seguidas rigorosamente no início da ação, até que não sejam mais necessários. Os signos dados não podem exigir do sujeito aprendizagem prévia, visto que nessa etapa não há execução de uma ação e, por isso, não há assimilação (GALPERIN, 2103b).

A ficha proporciona ao sujeito a possibilidade de visualizar a ação inicial, o resultado pretendido, as ferramentas necessárias para executar a ação, os conceitos fundamentais, as condições em que as ações ocorrem, o curso das ações, o controle e a regulação da aprendizagem, podendo os alunos contribuírem na produção da BOA com os conhecimentos que já possuem (HAENEN, 2001; ARIEVITCH; HAENEN 2005; STETSENKO; ARIEVITCH, 2008; NÚÑEZ, 2009). Portanto, a BOA deve refletir todas as etapas da ação: orientação, execução e controle, embora o uso da mesma ocorra somente na primeira etapa da execução, a etapa materializada.

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A fase da orientação foi descrita por Galperin como um momento em que se mostra ao sujeito a direção da ação. Ele reconhece que em todo o processo – até a formação mental da ação – há duas deficiências: o aspecto motivacional e tarefas que contemplem o desenvolvimento do pensamento crítico (GALPERIN, 2013e). Segundo Núnez (2009), foi Talízina quem descreveu a etapa motivacional, conhecida como ‘etapa zero’. Esse momento é marcado pela ausência da ação e introdução de assuntos, pois irá preparar o aluno para assimilar os novos conhecimentos.

A motivação pode se apresentar como interna, quando os motivos estão relacionados à busca de conhecimentos – cognitivo – e externos, quando o estudo está relacionado a outros fins (NÚÑEZ; PACHECO, 1998). Deve-se também preparar o aluno psicologicamente, observando sua situação de vida, que podem ser motivadoras ou inibidoras da aprendizagem (NÚÑEZ, 2009).

Ainda que a motivação e a orientação estejam presentes no início do processo de assimilação da ação, reconhece-se a importância de estar presente também na etapa funcional, quando a ação é executada.

3.2.1.2 Momento funcional: execução

O momento funcional compreende as etapas em que há execução da ação e esta pode se apresentar de três formas: material ou materializada, linguagem externa e mental.

A assimilação de uma ação inicialmente ocorre quando ela se encontra em sua forma externa, sendo assim a única maneira de ser demonstrada corretamente. “Por essa razão a forma inicial da ação é necessariamente material” (GALPERIN, 2013b, p. 442). Nos casos em quem não existem objetos, estes podem ser representados de maneira que sua reprodução seja fidedigna e contenha as propriedades essenciais, nesse caso, diz-se que a ação é materializada. Eles, observa Galperin, devem conter os elementos essenciais evidentes e os nãos essenciais minimizados para que o aluno não se distraia com os últimos.

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É na fase material/materializada que o aluno de fato pratica a ação, contudo, por ainda não desenvolvê-la no plano mental, ele a realizará somente no plano externo. Em grupo ou em duplas a tarefa deve contemplar situações semelhantes que ocorrem na vida dos alunos para que os mesmos possam aplicar a solução em outras situações e assim generalizar o conhecimento obtido. Há também o controle do professor e a mediação da BOA, como esquema para realizar a atividade. Esta acontecerá de forma detalhada, perpassando todas as operações da composição da ação; o aluno deverá manipular o objeto, falar sobre ele, se relacionar com o mesmo de maneira que posteriormente possa fazer a transição para o plano mental (NÚÑEZ, 2009; GALPERIN, 2013b).

Por ainda não ter a abstração da ação, o aluno sozinho não tem a habilidade para controlar a qualidade da mesma, e por isso necessita do auxílio do professor. Esse controle

[...] por parte do aluno só pode se dar com o auxílio da percepção da situação. É um momento de reflexão e discussão, enquanto a atividade é realizada. É necessário incluir tarefas que reflitam os casos típicos de aplicação da atividade para garantir sua generalização, evitando-se nesse momento, tarefas idênticas, pois podem conduzir a uma automatização prematura (NÚÑEZ, 2009, p. 107).

Ao se desenvolver, a ação sofre duas variações; a primeira está relacionada à aplicação dos elementos essenciais a outras situações possíveis, ou seja, à

generalização. A segunda variação está relacionada à redução; quando o aluno

solicita menos ajuda, realiza a ação com menos passos, de forma mais automática, denominada abreviação (GALPERIN, 2013b). Quando a presença física e a manipulação dos objetos não são mais necessárias, os sujeitos passam para um nível mais complexo da ação, fase da linguagem externa.

Nessa fase, os objetos não estão mais presentes e serão representados por sistemas simbólicos. Os alunos, ainda em pares ou em grupos, se necessário controlados pelo professor, realizam as ações que ocorrem por meio da linguagem, escrita ou oral (NÚÑEZ, 2009).

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