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Desenvolvimento de um modelo interdisciplinar de avaliação das relações natureza e sociedade em comunidades de pescadores

A SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A BIODIVERSIDADE, A PESCA E A PAISAGEM EM DUAS COMUNIDADES DE

3 DESENVOLVIMENTO DO MODELO CONCEITUAL DE ESTUDO

3.2 Desenvolvimento de um modelo interdisciplinar de avaliação das relações natureza e sociedade em comunidades de pescadores

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O tema comum de pesquisa definido durante as oficinas seguintes foi: ―Práticas materiais e suas relações com o ambiente em comunidades pesqueiras do litoral do Paraná‖. Um referencial teórico e as questões a serem investigadas foram trabalhadas durante seis meses, chegando-se a um ―protocolo‖ de atividades conjuntas que daria início a coleta de dados. No entanto, no mês de agosto de 2008, houve a saída da representante das Ciências Sociais do grupo de trabalho. Isso alterou significativamente o escopo do trabalho a ser conduzido pelos dois integrantes remanescentes do grupo, determinando uma reestruturação do projeto e dos protocolos de atividades para coleta de dados. Na ausência da cientista social, a utilização de metodologias mais complexas das ciências sociais teve que ser reavaliada, optando-se pela utilização de métodos menos complexos, como por exemplo, o emprego de observação participativa. Adicionalmente, optou-se também por dar uma maior ênfase nos métodos de coleta relativos às ciências naturais, com os quais os pesquisadores remanescentes estavam mais familiarizados.

Apesar da reestruturação necessária no projeto, o conceito delineador da linha de pesquisa identificado anteriormente pelos três pesquisadores foi mantido, e gerou a hipótese central do estudo, já apresentada anteriormente, que sustenta que: ―As relações entre Saúde, Biodiversidade, Pesca e Paisagem são influenciadas pelas práticas materiais de maneiras distintas, em diferentes comunidades pesqueiras artesanais, e podem ser reconhecidas, aferidas e representadas por modelos que indicam as interações e a intensidade dessas relações‖. Essa hipótese principal orientou a reformulação do modelo de estudo comparativo, que foi aplicado em duas comunidades distintas de pescadores, buscando avaliar interações que decorrem da relação Sociedade-Natureza, mantendo ainda os interesses relacionados às formações dos pesquisadores nas áreas de Medicina Veterinária e Biologia.

O tema sustentabilidade socioambiental e sua expressão nas dinâmicas da paisagem, da pesca, da biodiversidade e da saúde mostrou-se fortemente integrador para o perfil interdisciplinar desse estudo, servindo assim como um orientador na seleção das variáveis a serem consideradas na pesquisa. Com base na experiência particular dos pesquisadores, obtida em ensaios pilotos e durante outras atividades profissionais destes na região, estabeleceu-se um processo de discussão que permitiu planificar os componentes e as variáveis que pudessem ser aferidos durante este estudo, bem como estabelecer as prováveis relações entre estes quando inseridos dentro de um sistema socioambiental particular, representado por comunidades de pescadores.

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Assim, identificaram-se componentes e grupos de variáveis desse sistema socioambiental, que poderiam estar relacionados entre si, possivelmente influenciando-se mutuamente. Considerando-se a complexidade real representada pelas comunidades de pescadores buscou-se identificar as correlações válidas para o presente estudo e durante esse processo, foi criada uma representação esquemática dos componentes e variáveis e das suas relações, apresentada na Figura 4.

Essa representação gráfica também teve como objetivo criar uma imagem didática das possíveis relações entre os componentes e variáveis selecionados, e serviu ainda aos pesquisadores como um mecanismo de validação teórica do modelo, demonstrando a possibilidade de reduzir as variáveis reais do sistema em um conjunto menor delas, o qual permite a análise comparativa entre as duas comunidades, como proposto inicialmente.

Setas claras indicam influência mútua; Setas escuras indicam influência sem reciprocidade evidente.

Figura 4: Representação esquemática das relações consideradas entre variáveis relativas à Paisagem, à Pesca, à Biodiversidade e à Saúde, dadas pelas práticas materiais em comunidades pesqueiras.

A figura acima evidencia os grupos de variáveis que permitem caracterizar o sistema socioambiental em questão, considerando aspectos referentes à paisagem, à pesca, à biodiversidade e à saúde, adicionalmente os grupos de variáveis selecionadas permitem identificar interações entre dinâmicas ou processos relativos aos diferentes

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componentes dos sistemas estudados. Essas interações podem ser representadas pela influência de um grupo de variável sobre outro de forma mútua, ao apenas em uma direção. Na representação gráfica acima (Figura 4) as setas mais claras indicam influência mútua, setas escuras indicam influência de um grupo de variáveis sobre outro, sem reciprocidade evidente. Como exemplo, pode se observar que há relação direta entre a produção de rejeitos da atividade da pesca de arrasto de camarão sobre a dieta, a saúde e a reprodução de aves marinhas. Contudo, essa diversidade de aves marinhas, não influencia diretamente a produção de rejeitos, mas tem relações ecológicas recíprocas com a diversidade de recursos pesqueiros no ecossistema, por meio de relações do tipo presa/predador. Assim, o modelo prevê a análise integrada de práticas, com origem na sociedade, e de processos ecológicos que refletem as relações entre diferentes grupos taxonômicos que compõem os sistemas socioambientais em estudo. Outra correlação que poderia ser ressaltada, e que resulta de um conjunto de práticas materiais particulares, está associada ao impacto das condições de saneamento e dos sistemas de destinação de resíduos que afetam diretamente a paisagem e também, de forma bastante direta, a qualidade de vida e a saúde de animais e pessoas na comunidade. Adicionalmente, parte das práticas relacionadas ao saneamento e destinação de resíduos decorrentes dos processos de limpeza e preparação dos pescados para comercialização, tem influência sobre a saúde de animais domésticos como cães e gatos, que por sua vez, em dependência dos sistemas de manejo animal, podem ter diferentes graus de impacto sobre as populações locais de aves selvagens.

Em síntese, o modelo baseia-se na quantificação e qualificação de variáveis, as quais estão agrupadas dentro do domínio de alguns componentes dos sistemas avaliados, mais especificamente a paisagem, a pesca, a biodiversidade e a saúde. Estas variáveis devem indicar as relações entre estes diferentes componentes, indicando também se há diferenças qualitativas ou quantitativas entre as duas comunidades em estudo, servindo dessa forma, como mecanismo de comparação entre o estado dos sistemas avaliados. Finalmente, as variáveis escolhidas, como indicadores, foram selecionadas também por permitirem comparação com dados de literatura, ou servirem de base para comparações futuras. Outras tiveram como determinante na sua escolha a viabilidade de se obter dados que contribuíssem ao entendimento do funcionamento dos sistemas socioambientais em estudo. Seguindo os critérios, expostos acima, determinaram-se as variáveis específicas possíveis de serem analisadas na busca dos

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nexos entre os temas, obtendo-se um conjunto de indicadores formado por 13 grupos de variáveis e 45 variáveis específicas a serem observadas (Quadro 1). Cabe ainda ressaltar que essas variáveis não esgotam as possibilidades de interações entre os componentes, contudo são suficientes para explorar a hipótese de pesquisa.

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Quadro 1: Componentes, grupos de variáveis e variáveis específicas selecionadas.

Componentes Grupos de Variáveis Variáveis Específicas

Paisagem

1. Moradias, Urbanização e Vias de Acesso

1. Tamanho das comunidades 2. Características gerais das moradias 3. Densidade e distribuição das moradias

4. Vias de acesso, tempo médio e distâncias para os centros urbanos de referência.

5. Características da vegetação

6. Outras características físico-geográficas 7. Meios Locais de transporte disponíveis 8. Sistemas de comunicação

9. Fluxo de Visitantes / Turistas 10. Serviços disponíveis na comunidade

2. Resíduos e Saneamento

11. Destino de resíduos sólidos

12. Destino de resíduos provenientes de atividades de pesca 13. Origem e qualidade da água

14. Estrutura de saneamento e destino de efluentes residenciais e outros 15. Evidências de impactos de efluentes no ecossistema

3. Uso de Recursos Naturais 16. Presença de evidências da captura de animais 17. Uso de recursos madeireiros e outros extrativismos vegetais 18. Presença e uso de trilhas nas áreas de floresta

4. Frota pesqueira 19. Características da frota de cada comunidade

Pesca

5. Artes de Pesca 20. Artes de pesca

6. Recursos Utilizados

21. Riqueza e abundância 22. Sazonalidade 23. Destino da Produção

24. Esforço de pesca / produtividade

7. Rejeitos 25. Produção de rejeitos 26. Impactos decorrentes da produção de rejeitos

Biodiversidade

8. Aves Associadas aos Ecossistemas Florestais

27. Abundância e Riqueza das Espécies de Aves Florestais. 28. Guilda das Espécies de Aves Florestais

9. Aves Associadas aos Ecossistemas Marinhos

29. Abundância e Riqueza de Espécies de Aves Marinhas 30. Interação das Espécies de Aves Marinhas com a Pesca 31. Diversidade da Dieta das Aves Marinhas

32. Dinâmicas da Reprodução de Aves Marinhas

Saúde

10. Acesso aos Serviços de Saúde 33. Presença de serviço de saúde 34. Estrutura e serviços disponíveis regularmente

11. Condições de Saúde e Manejo de Animais Domésticos

35. Censo de animais domésticos

36. Parâmetros de manutenção dos animais domésticos 37. Práticas relacionadas à saúde dos animais domésticos 38. Identificação de problemas de saúde animal

12. Estado Físico-Clínico e Perfil Parasitário das Aves Associadas aos Ecossistemas Florestais

39. Condições clínicas gerais: Condição corporal; Parâmetros respiratórios; Inspeção dermatológica, oftálmica e oral; e Parâmetros hematológicos 40. Prevalência do Grau de Infestação por ectoparasitos

41. Morfotipos de hemoparasitos observados 42. Morfotipos de ectoparasitos observados

13. Estado Físico-Clínico das aves Associadas aos Ecossistemas Marinhos

43. Massa dos ovos de Sula leucogaster, Fregata magnificens e Larus dominicanus

44. Massa corporal e Parâmetros Clínicos de Sula leucogaster capturados em Currais

45. Perfil geral dos registros de Sula leucogaster, Fregata magnificens e Larus dominicanus no PROAMAR (CEM – UFPR).

A noção de indicador empregada no modelo utiliza o proposto por Andriguetto Filho

et al. (2002), que identificam os indicadores como signos de uma realidade complexa, ou

seja, variáveis que dão à análise grande poder de inferência sobre diversos processos, não imediatamente aparentes dos sistemas natureza e sociedade. Ainda, segundo os

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autores, outra propriedade dos indicadores é que estes devem representar a síntese de uma grande quantidade de informações.

Deve-se esclarecer também que os conceitos que definem os termos, empregados nos componentes do modelo de estudo, apresentam em comum a noção de inter-relação entre os diferentes elementos que constituem a realidade, enfatizando ainda as atividades antrópicas como grandes modeladoras dos sistemas socioambientais e, em última instância, valorizam a noção de complexidade dinâmica e diversidade desses sistemas. Essas quatro características comuns aos conceitos utilizados nesse modelo para definir paisagem, pesca, biodiversidade e saúde, foram também delineadoras das discussões que definiram a temática de pesquisa associada às práticas materiais e sustentabilidade, bem como a hipótese central desse estudo.

Assim, quando se emprega o termo Paisagem como componente desse modelo o termo tem uma conotação que referesse a um processo dinâmico de caráter abrangente e segue fundamentalmente o conceito proposto por Bertrand (1968, apud SALGUEIRO, 2001) que considera que: ―a paisagem é, em uma certa porção do espaço, o resultado da

combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos ou abióticos, biológicos e antrópicos que reagindo dialeticamente uns sobre os outros fazem da paisagem um conjunto único e indissociável que evoluciona em bloco”.

O termo Pesca, utilizado no modelo, está de acordo como o expresso por Amanieu (1991, apud ANDRIGUETTO FILHO, 1999) que explica a pesca artesanal como um ―sistema complexo, de múltiplas interações sociais e ecossistêmicas (...) com

componentes inter-relacionados‖. Sendo que a pesca se trata de uma rede de atividades onde tudo é múltiplo e de difícil abordagem pela ciência, onde a complexidade é dada, entre outras coisas, pela multiplicidade de espécies alvo, de estratégias de sobrevivência, estratégias de captura, pontos de desembarque, e redes de comercialização complexas e difusas.

O conceito que apóia o termo Biodiversidade, utilizado nesse modelo, também é de caráter abrangente sendo expresso pela idéia de que esta aborda ―o total de genes,

espécies e ecossistemas de uma região‖. Considerando também que: ―A diversidade de

vida na Terra, hoje, é o produto de centenas de milhões de anos de história evolutiva. Ao longo do tempo, as culturas humanas emergiram e se adaptaram ao ambiente local, descobrindo, usando e alterando os recursos bióticos. Muitas áreas que hoje parecem “naturais” trazem marcas de milênios de habitação humana, cultivo de terra e manejo de

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recursos. A domesticação e a criação de variedades locais de cultivares e rebanhos também moldaram essa biodiversidade” (WRI, 1992).

O termo Saúde, empregado como componente do modelo de estudo, está em parte alinhado com o conceito da Organização Mundial de Saúde que situa a saúde ambiental como uma área de atividade que leva em consideração ―fatores ambientais que

podem afetar a saúde, incluindo todos os fatores físicos, químicos e biológicos, externos a um indivíduo, e todos aqueles que geram impactos relacionados ao comportamento‖ (WHO, 2009). Diferente da definição da Organização Mundial de Saúde, no modelo de estudo proposto, entende-se como indivíduo não apenas seres humanos, e sim qualquer indivíduo componente da comunidade biológica nas áreas de estudo. Aqui o termo saúde também se apóia no proposto por Mangini e Silva (2007) onde “a saúde ambiental não pode ser interpretada como algo estático, e sim como um estado de constantes alterações autorreguladas, o que significa que os padrões de surgimento de enfermidades e seus efeitos sobre a saúde humana, animal e vegetal também permanecem dinâmicos e dependentes entre si”.

Finalmente, ainda que uma discussão mais ampla sobre outros conceitos e usos dos termos associados à saúde ecológica e ambiental tenha sido realizada anteriormente no capítulo denominado Referencial Teórico, cabe aqui salientar que, quando se observa acima que o componente ―Saúde‖, está corroborado por duas definições ligadas ao ambiente, poderia se questionar por quais razões não se empregou neste modelo o termo Saúde Ambiental. A mesma dúvida deveria surgir a respeito do componente ―Pesca‖, o qual poderia ser substituído por Pesca Artesanal. Caberia ainda o mesmo questionamento aos componentes ―Biodiversidade e Paisagem‖, que poderiam ser transformados em subcategorias como Biodiversidade de Aves e Recursos Pesqueiros ou Paisagem Antrópica. A utilização dos termos escolhidos, sem empregar subcategorias analíticas, fundamenta-se principalmente em duas premissas. A primeira é reconhecer que o modelo prevê e pode incluir a existência de complexidade dentro dele, independente dos rótulos dados às subcategorias. Assim, o modelo não se propõe a enquadrar essa complexidade de forma definitiva em um espaço restrito do conhecimento, mas propõe-se a utilizar categorias que aceitem diversas subcategorias em seus domínios. A segunda é situar o modelo em um estado de generalidade, onde possa ser aceitável aplicá-lo a outros sistemas socioambientais com características semelhantes às estudadas aqui. Esta premissa baseia-se também na idéia de que a redução para níveis de hierarquia inferiores não representa necessariamente vantagem para o entendimento da complexidade, e que

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o interesse do estudo sobre sistemas complexos é na verdade sua organização (MAYR, 2005).

4 MATERIAL E MÉTODOS