• Nenhum resultado encontrado

A SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A BIODIVERSIDADE, A PESCA E A PAISAGEM EM DUAS COMUNIDADES DE

2.4 Paisagem Natural

A zona costeira é uma região de transição entre os ecossistemas marinhos e terrestres, os quais, apesar da íntima associação, apresentam características particulares que imprimem complexidade, dinamismo e sensibilidade a esta região (CARTER, 1993). Por um lado, a zona costeira abriga elevada biodiversidade e por outro também assume grande importância para as sociedades humanas, abrigando grandes centros urbanos. Nesse sentido, a área costeira representou o ponto de partida para as colonizações e atualmente representa um elo de intensa troca de mercadorias, um local de lazer, de turismo e de moradia para grandes massas de populações (ANDRIGUETTO-FILHO, 1999).

Avaliando-se especificamente o litoral paranaense constata-se que a zona costeira deste Estado ainda abriga ambientes pouco degradados, por exemplo, importantes remanescentes de Floresta atlântica. Assim como o complexo estuarino da Baía de Paranaguá é um dos sistemas costeiros menos alterados dos sudeste brasileiro (LANA et

al., 2001). Essas características são reflexos do padrão de ocupação do território

paranaense, onde houve o estabelecimento de grandes contingentes populacionais e atividade industrial além da Serra do Mar, o que manteve a região costeira à margem dos modelos de desenvolvimento adotados nas últimas décadas (ANDRIGETTO FILHO, 1999).

O litoral do Paraná se estende por aproximadamente 107 km, com limites ao norte no Canal do Varadouro (25o 12' S) e ao sul na foz do Rio Saí-Guaçu (25o 58'S). Essa

faixa está incluída na região marítima sudeste do Brasil, situada entre Cabo Frio – RJ e o

Cabo de Santa Marta – SC. Essa área é caracterizada pela grande extensão da

plataforma continental, com largura variando entre 175 e 190 km, e quebra do talude a cerca de 150 metros de profundidade. A cobertura sedimentar dessa área é composta, em sua maior parte, por areia, lama e argila, e com exceção dos poucos substratos rochosos que margeiam as ilhas paranaenses, a Plataforma Continental do Paraná é dominada por fundos arenosos (MATSUURA, 1986).

As feições fisiográficas da plataforma continental, somadas às características oceanográficas e climáticas, determinam a qualidade e a potencialidade dos recursos

40

pesqueiros. No caso da região sudeste-sul, a convergência subtropical favorece o desenvolvimento da ictiofauna, sendo o seu deslocamento norte / sul responsável pelas oscilações espaciais e sazonais na distribuição das populações de peixes na região (DIAS-NETO e MESQUITA, 1988). Estas oscilações e o aumento da diversidade da ictiofauna devem-se ao fato da plataforma no sul do Brasil estar localizada na região de transição entre as zonas tropical e temperada.

Na costa paranaense ocorrem dois estuários denominados de Baía de Paranaguá, que representa o maior estuário da costa sul do Brasil com 601 km2 de extensão (BIGARELLA, 1978) e a Baía de Guaratuba, consideravelmente menor, adentrando ao continente por aproximadamente 15 km. A Baía de Paranaguá possui dois eixos principais de orientação. Um no sentido leste-oeste, com extensão aproximada de 50 km e largura máxima de 7 km, formado pelas Baías de Paranaguá e Antonina e outro orientado no sentido norte-sul, com cerca de 30 km de extensão e máxima de 13 km de largura, compreendendo as Baías de Guaraqueçaba e Laranjeiras (KNOPPERS, BRANDINI e THAMM, 1987). Nessa porção a ligação do estuário com o oceano ocorre por dois canais, um ao norte e outro ao sul da Ilha do Mel. Ao norte da Ilha do Superagui os estuários de Cananéia e de Paranaguá se comunicam com o oceano por meio do Canal do Ararapira.

Os ambientes florestais do litoral do Paraná abordam fitofisionomias do domínio da Floresta Ombrófila Densa (Floresta Atlântica), que é influenciada diretamente pelas massas de ar quente e úmido do oceano Atlântico e pelas chuvas relativamente intensas e bem distribuídas ao longo do ano (RODERJAN et al., 2002). A costa do Estado do Paraná abriga um dos mais significativos remanescentes de Floresta Atlântica no Brasil, sendo destaque pela grande diversidade de flora, e fauna, e pelo considerável número de espécies endêmicas e ameaçadas (IPARDES, 2001). A planície costeira na porção norte do litoral paranaense é dominada principalmente pelas formações pioneiras caracterizam-se por vegetação de primeira ocupação, associada às espécies pioneiras, que caracterizam-se desenvolvem sobre áreas instáveis com constantes deposições sedimentares, tais como da orla marinha, margens dos rios e ao redor dos pântanos e lagoas. Sua florística é mais simplificada em relação a florestas clímax (IPARDES, 2001; RODERJAN et al., 2002). A vegetação presente na Ilha do Superagui pode ser classificada dentro de 11 tipologias vegetais distintas, onde prevalecem as Formações Pioneiras, presentes em 49,9% da ilha. Seguida por Formações de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas em Solos Hidromórficos, presentes em 46,40% da área da ilha (SCHMIDLIN, 2004) (Tabela 2).

41

Tabela 2: Tipologia vegetal na Ilha do Superagui (SCHMIDLIN, 2004)

Tipologia Vegetal Percentual de cobertura vegetal

F.O.D. das Terras Baixas em Solos Hidromórficos 46,40

F.O.D. Submontana 0,20

F.P.I. Marinha – Arbórea 12,20

F.P.I. Marinha – Arbustivo-Arbórea 16,30

F.P.I. Marinha – Herbáceo-Arbustiva 3,50

F.P.I. Flúvio-Lacustre – Arbóreo 3,90

F.P.I. Flúvio-Lacustre – Herbáceo-Arbustivo 5,10

F.P.I. Fluviomarinha – Baixa 3,90

F.P.I. Fluviomarinha – Alta 5,00

Veg. Secundária – Estágio Inicial de Desenvolvimento 1,20

Veg. Secundária – Estágio Intermediário de Desenvolvimento 0,80

Áreas Antrópicas e Praias 1,50

Total 100,00

F.O.D. = Floresta Ombrófila Densa; F.P.I. = Formação Pioneira com Influência.

2.4.1 Unidades de Conservação

A presença de remanescentes florestais de grande extensão, grande diversidade biológica e também de fisionomias geográficas, proporcionaram ao litoral do Paraná receber a implantação de uma notável quantidade de Unidades de Conservação (UCs). Estas estão distribuídas desde a planície litorânea até as formações montanhosas que chegam ao primeiro planalto paranaense, e têm como objetivo proteger e conservar os ecossistemas importantes nessa faixa geográfica do Estado. Outra característica marcante é a expressiva área protegida por meio de UCs de uso sustentável. Demonstrando a necessidade de se conciliar a proteção dos ecossistemas locais com a demanda pelo uso desses espaços, tanto por comunidades rurais, tradicionais ou não, quanto por centros urbanos. Atualmente, estão presentes pelo menos 24 UCs distribuídas nos sete municípios costeiros (Tabela 3).

42

Tabela 3: Localização e características das Unidades de Conservação (UCs) do litoral paranaense.

Tipo Nome Jurisdição Área (ha) Ato de criação Município

U C d e Pr ot ão In te gr al

PF do Rio da Onça Estadual 118,51 Dec. 3.825 de 04.06.1981 Matinhos EE Estadual da Ilha do

Mel Estadual 2.240,69 Dec. 5.454 de 21.09.1982 Paranaguá

PE do Boguaçu Estadual 6.660,64

Dec. 4.056 de 26.02.1998 - alterado Lei 13979 de

26.12.2002 Guaratuba

PE da Graciosa Estadual 1.189,58 Dec. 7.302 de 24.10.1990 Morretes PE Pico do Marumbi Estadual 2.342,41 Dec. 7.300 de 24.10.1990 Morretes EE do Guaraguaçu Estadual 1.150,00 Dec. 1.230 de 27.03.1992 Paranaguá PE do Pau Oco Estadual 905,58 Dec. 4.266 de 21.11.1994 Morretes

PE Roberto Ribas Lange Estadual 2.698,69 Dec. 4.267 de 21.11.1994 Antonina, Morretes

U C s de U so Su st en ve l APA Estadual de

Guaraqueçaba Estado 191.595,5 Decreto 1.228 de 27.03.1992 Guaraqueçaba APA Federal de

Guaraqueçaba Federal 291.498,0 Decreto nº 90.883/85

Guaraqueçaba, Antonina, Campina G. do Sul e Paranaguá.

APA Estadual de

Guaratuba Estadual 199596,5 Dec. 1.234 de 27.03.1992

Guaratuba; São José dos Pinhais, Tijucas do Sul, Morretes, Paranaguá e Matinhos

FloE do Palmito Estadual 530,00 Dec. 4.493 de 17.06.1998 Paranaguá RPPN Salto do Morato Federal 819,18 Portaria 132/94-N Guaraqueçaba PE Ilha do Mel Estadual 337,84 Dec. 5506 de 21.03.2002 Paranaguá PARNA do Superagui Federal 34.254,00 Decreto 97.688/1989; lei 9513/1997 Guaraqueçaba AEIT do Marumbi Estadual 66732,99 Lei 7.919 de 22.10.1984

Antonina; Morretes, São José dos Pinhais Piraquara, Quatro Barras, Campina Grande do Sul

RPPN Sebuí Federal 400,78 Portaria 99/99-N Guaraqueçaba

PE Pico Paraná Estadual 4.333,83 Dec. 5769 de 05.06.2002 Campina Grande do Sul, Antonina EE de Guaraqueçaba Federal 13.638,90 Decreto nº 87.222/1982 Guaraqueçaba

ARIE de Pinheiro e

Pinheirinho Federal 109 Decreto nº 91.888/1985 Guaraqueçaba

PARNA Saint-Hilaire/

Lange Federal 25.161 Lei nº 10.227/2001 Matinhos, Paranaguá, Morretes, Guaratuba PNat. Municipal do

Manguezal do Rio Perequê

Municipal 3.307 Dec. 706 de 10.09.2001 Pontal do Paraná PNat. Municipal da

Restinga Municipal 3.945 Dec. 1120/02 Pontal do Paraná

RPPN Sítio do Bananal Federal 28,84 Portaria 49/02 Morretes

AEIT= Área de Especial Interesse Turístico; APA = Área de Proteção Ambiental; ARIE = Área de Relevante Interesse Ecológico; EE = Estação Ecológica; FloE = Floresta Estadual; PARNA = Parque Nacional; PE = Parque Estadual; PF = Parque Florestal; PNat = Parque Natural; RPPN = Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Outra característica comum, notável na maioria das UCs na região é a constante presença de núcleos de habitação humana, dentro das unidades ou nas suas redondezas. Esse tema é assunto recorrente na gestão das unidades na região, e

43

representa também fonte de discussão acadêmica (DIEGUES, 1983; DIEGUES e NOGARA, 1994; DIEGUES, 2000 e NEVES, 2003). Nesse sentido, a demarcação da área do PARNA do Superagui suscitou, e ainda suscita, discussões importantes sobre o uso da paisagem e a demarcação de unidades de conservação. No caso do PARNA do Superagui, especialmente, por haver sobreposição dos limites demarcadas da unidade de conservação com algumas comunidades de pescadores que acabaram por ser incluídas dentro dos limites da UC (VIVEKANANDA, 2000). O PARNA do Superagui possui uma área total de 34.254,00 ha, que compreende toda a bacia de drenagem do Rio dos Patos e do Rio do Varadouro, sendo limitado pelo Oceano Atlântico, Canal de Superagüi, Baía dos Pinheiros e Canal do Varadouro (VIVEKANANDA, 2001).

Essa postura preservacionista na criação de parques nacionais no Brasil acabou gerando conflitos afetando populações de extrativistas, pescadores e índios (DIEGUES, 1992 e 1995). No século XX os parques e as reservas similares foram criados em vários países e, além da proteção de belezas cênicas, a criação dos novos parques agregou outras motivações como a preservação da diversidade da flora e da fauna, constituindo bancos genéticos naturais (GHIMIRE, 1993). A riqueza biológica dessas unidades de conservação ressalta o valor desses locais para a pesquisa básica em ciências biológicas, bem como pela manutenção da diversidade biológica, reforçando a idéia de que a presença humana nessas áreas só deveria ser permitida em situações muito particulares e restritas. No entanto, a partir da disseminação das unidades de conservação, especialmente nos países pobres, abriu-se um leque de complexidade, principalmente devido ao fato de populações humanas habitarem as áreas escolhidas para a implantação de UCs. Apesar de estas populações tradicionais dominarem um modo de vida menos agressivo ao ambiente, o seu conhecimento não foi valorizado na elaboração de políticas públicas regionais (ARRUDA, 1999). Atualmente essa questão, pelo menos, é pauta discutida e começa a ser mais bem considerada.

44

3 DESENVOLVIMENTO DO MODELO CONCEITUAL DE