• Nenhum resultado encontrado

Desenvolvimento sustentável: repensando o mero crescimento econômico

Capítulo 4 A produção canavieira no Brasil frente ao desenvolvimento sustentável

4.1. Desenvolvimento sustentável: repensando o mero crescimento econômico

“Hoje, a dimensão de nossa intervenção na natureza é cada vez maior, e os efeitos físicos de nossas decisões ultrapassam fronteiras nacionais. A crescente interação econômica das nações amplia as conseqüências das decisões nacionais. A economia e a ecologia nos envolvem em malhas cada vez mais apertadas. Muitas regiões correm o risco de danos irreversíveis ao meio ambiente humano que ameaçam a base do progresso humano. A sociedade moderna esquece que o mundo não é propriedade de uma única geração”.

Oscar Kokoschka99

A dimensão da intervenção da humanidade na natureza tem se tornado cada vez maior, sendo que os efeitos biofísicos e sociais de muitas dessas decisões ultrapassam os limites geográficos nacionais. A crescente preocupação quanto a essas questões começou no período pós-Segunda Guerra, devido ao forte impulso da industrialização e modernização econômica, implementada em escala mundial. Segundo Furtado (1992), não podemos escapar à evidência de que a civilização criada pela Revolução Industrial aponta de forma inexorável para grandes calamidades. Ela concentra riqueza em benefício de uma minoria cujo estilo de vida requer um dispêndio crescente de recursos não-renováveis e que somente se mantém porque a grande

99

Oscar Kokoschka (1886 – 1980), nasceu na Áustria, viveu na Inglaterra e Estados Unidos, foi um importante pintor impressionista e também poeta e escritor.

maioria da humanidade é submetida a diversas formas de penúria, principalmente a fome. Uma minoria dispõe de grande parcela dos recursos não-renováveis do planeta sem se preocupar com as conseqüências para as gerações futuras do desperdício que hoje realiza.

Embora o desenvolvimento tenha influenciado na melhoria do nível e no padrão de qualidade de vida em muitos países, por outro lado, a utilização de muitos produtos e de distintas tecnologias, ao contribuírem para essa melhoria refletiram-se, ao mesmo tempo, no alto consumo de matéria-prima e de energia. Essa questão está na base da preocupação e do fato de que o impacto gerado sobre o meio ambiente é o maior já praticado na história. Pois, aliado aos valores pródigos da natureza, sua fragilidade, complexo e sensível equilíbrio, figuram os riscos e as ameaças, tais como: o aumento do efeito estufa; a destruição da camada de ozônio; a acidificação do meio ambiente; a poluição do ar; a produção e disposição de rejeitos tóxicos e radioativos; a desertificação; a erosão dos solos; a destruição das florestas; o empobrecimento e a destruição da biodiversidade (Helene e Bicudo, 1994; Rattner, 1994).

A falsa idéia de uma evolução sem limites e a ingênua crença na continuidade do progresso se constituíam no inimigo comum de todas as frentes, e a grande questão que se levantava era: Para onde vamos? Uma posição que influenciou decisivamente esta preocupação argumentava sobre a necessidade de parar os processos de crescimento. Essa tendência - teoria do crescimento zero - foi mundialmente conhecida a partir do Relatório do Clube de Roma, em 1972, sobre o Dilema da Humanidade, que apontava para uma reflexão emergente sobre os limites da natureza100. Essa precursão de um sentimento de crise da civilização, apoiada em valores e estruturas tecnológicas e industriais vinculadas a concepções de mau desenvolvimento em âmbito local, regional e mundial, trouxe a necessidade de reflexões a um redirecionamento de comportamento consciente, em que a idéia de um outro "padrão de desenvolvimento" (novo paradigma de desenvolvimento) constitui-se em chave fundamental (Milioli, 1999).

100

O modelo analítico desse estudo ressalta os aspectos determinantes e os limites impostos para o crescimento econômico, discorrendo sobre a problemática ambiental a nível mundial, procurando agrupar em um sistema elementos sócio-econômicos, técnicos e políticos, atuantes uns sobre os outros. Em outras palavras, em "Limites do

Nesse sentido, em 1972, quando da Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente e ao resgatar as questões levantadas pelo Relatório do Clube de Roma, o Secretário Geral, Maurice Strong, lançou o termo ecodesenvolvimento, que teve em Ignacy Sachs (1986a; 1986b; 1993) e equipe seu aperfeiçoamento e a formulação dos princípios que norteariam, a partir daí, a idéia de um outro padrão de desenvolvimento. Como aspectos básicos da proposta (Brüseke, 1995) destacam-se: a satisfação das necessidades básicas; a solidariedade com as gerações futuras; a participação da população envolvida; a preservação dos recursos naturais; a elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas; e programas de educação. Como importante ponto crítico dessa nova concepção está a inter-relação global entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Ou seja, uma crítica da sociedade industrial e consequentemente uma crítica da modernização industrial como método de desenvolvimento. Segundo Furtado (1992), o desafio que se colocava no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar o eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade, da cooperação entre os povos, e capaz de preservar o equilíbrio ecológico.

Em 1987, a publicação do Relatório da Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, denominado Nosso Futuro Comum, cunhou o termo desenvolvimento sustentável, elaborando uma das definições mais difundidas do conceito: “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1987).

De uma perspectiva mais realista em relação aos outros relatórios, este aponta para: uma visão complexa na relação de causas dos problemas de ordem social, econômica e ecológica da sociedade global; a satisfação das necessidades básicas (saúde, educação, trabalho, etc.); a necessidade de posturas éticas em relação às gerações atuais e futuras; descreve o nível de consumo mínimo para as necessidades, muito embora não toque no nível de consumo máximo dos países industrializados, bem como o alto grau de consumo energético; a necessidade do crescimento eqüitativo tanto nos países desenvolvidos quanto em desenvolvimento; a necessidade de cooperações multilaterais e bilaterais no sentido de amenizar as diferenças globais; as

Crescimento", Dennis L. Meadows et al. (1978) apontavam que o crescimento exponencial ilimitado era

limitações do estágio tecnológico; o cuidado com os ecossistemas e a biodiversidade; uma economia internacional baseada em princípios e relacionamento justos; a importância do papel dos organismos internacionais e multilaterais, bem como das corporações transnacionais e processos de participação e democracia nos países, entre outros (Milioli, 1999).

Em seu sentido mais amplo, portanto, a perspectiva do desenvolvimento sustentável, ao propor o ideal de harmonização a partir da tríade economia-natureza-sociedade, favoreceu a ampliação das questões de segurança para a manutenção da vida de todas as espécies e, de fundamental referência, acabou tendo muitas de suas intenções consubstanciadas nos compromissos expressos na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. O desenvolvimento sustentável, a conservação dos recursos, o combate à pobreza, e a busca de novas tecnologias para os problemas ambientais foram temas discutidos. Como resultado final foram produzidos três documentos: a “Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, que contém 27 princípios para ações governamentais para a preservação do meio ambiente; a “Convenção sobre Clima e sobre Biodiversidade”, que destaca a necessidade de mudanças nas práticas de consumo por atitudes que priorizem a conservação dos recursos naturais; e a “Agenda 21”, um programa de ações para implementar as decisões da conferência, recomendando o uso racional de energia e priorizando o “desenvolvimento sustentável”.

Segundo Macedo et al. (2005) os tópicos tratados na Agenda 21 cobrem uma grande gama de aspectos da nossa civilização, procurando abranger todas as suas diferenças regionais. Como exemplos principais, podemos notar: população e consumo (políticas demográficas, consumo de materiais e energia); comércio internacional, financiamento e assistência ao desenvolvimento; conservação e gerenciamento dos recursos naturais (água potável; oceanos e estuários; águas costeiras e poluição marinha; poluição do ar; mudanças climáticas; biodiversidade; uso da terra; agricultura; e silvicultura); controle de resíduos e químicos tóxicos (defensivos, resíduos radioativos e lixo); educação; instituições e infra-estrutura (transportes, saúde).

incompatível com a disponibilidade limitada dos recursos naturais.

Dentro dos conceitos da “revolução verde”, incluindo o uso intensivo de insumos e de água, a sustentabilidade da agricultura é, na melhor das hipóteses, uma questão aberta, onde muitas das práticas são claramente insustentáveis. Considerando que o desenvolvimento humano e a proteção ambiental não devem ser excludentes, qual o ponto de equilíbrio apropriado, como evoluir para a sustentabilidade? Parte da resposta está no uso adequado dos fatores de produção. A ênfase maior na sustentabilidade é muito recente, e muitos dos paradigmas da “agricultura moderna” de vinte anos atrás são contestados na ótica emergente. Por outro lado, é claro que as definições da Agenda 21 são gerais, exigindo esforço adicional na aplicação a um setor tão diversificado. A agricultura, assim como as concentrações urbanas e a maior parte das atividades humanas, na prática, rompe as funções ecológicas naturais e, portanto, sempre haverá algum conflito entre ela e os “aspectos ambientais e socioeconômicos” de sustentabilidade (Macedo et

al., 2005).

É sabido que os temas pertinentes a uma análise da sustentabilidade de qualquer setor importante da atividade humana envolvem um grande número de áreas do conhecimento, se tratados adequadamente no ciclo de vida completo. A interdependência destas áreas pode fazer com que qualquer análise seja sempre “incompleta”, sendo possível ampliar o escopo, a profundidade, e considerar novos pontos de vista (Macedo et al., 2005). Neste capítulo, busca-se analisar os principais aspectos ambientais, sociais e econômicos do setor sucroalcooleiro no Brasil sob o ponto de vista da sustentabilidade. A interação das atividades deste setor com o meio ambiente, sociedade e economia é complexa. Em lugar de tratá-la pela natureza da atividade, optou-se por agrupar os tópicos pela natureza dos impactos:

• impactos no meio ambiente: uso e ocupação de solo, destacando manejo agrícola, áreas de preservação permanentes e reservas legais; queimadas; mitigação de gases precursores de efeito estufa; uso e consumo d’água; principais resíduos e potencial de utilização;

• impactos socioeconômicos: destacando a questão da geração de postos de trabalho (ocupação e/ou emprego), renda, e as condições de trabalho; a geração de divisas para economia brasileira, resultado das importações evitadas de petróleo e gasolina; e atualmente a competitividade e os baixos custos da produção brasileira de etanol sem subsídios.