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Capítulo 4 A produção canavieira no Brasil frente ao desenvolvimento sustentável

4.2. Impactos ambientais do setor sucroalcooleiro

4.2.2. Queimadas

Outro aspecto relevante no que tange a produção agrícola da cana-de-açúcar é o uso do fogo como método facilitador da colheita. A prática da queima dos canaviais foi uma solução encontrada no passado para resolver o problema do aumento da área plantada de cana e o aumento de produção de açúcar, visto que a queima previamente ao corte aumenta a produtividade do trabalho e facilita o transporte da cana. Tal prática, segundo Szmrecsányi (1994), tornou-se habitual na maioria dos estabelecimentos agrícolas dedicados a seu cultivo, tendo por principal objetivo facilitar e baratear o corte manual da cana, que ainda prevalece no Brasil, até com o corte mecanizado (segundo o chamado método australiano de corte). Este mesmo autor adverte que essa queima provoca periodicamente a destruição e degradação de ecossistemas inteiros, tanto dentro como junto às lavouras canavieiras, além de dar origem a uma intensa poluição atmosférica, prejudicial à saúde, e que afeta não apenas as áreas rurais adjacentes, mas também os centros urbanos mais próximos”.

Os impactos causados tanto no meio físico, biológico e antrópico111 são inquestionavelmente negativos. As conseqüências dessa prática ao ser humano são inúmeras, devendo ser destacados os riscos de acidentes durante a queimada, depreciação do panorama visual pela exposição dos efeitos da queimada, formação de ozônio112, incômodo proporcionado pela liberação de fumaça e os danos à saúde causados pela fuligem. Em relação às conseqüências danosas para as características físicas do solo, temos a alteração da concentração de gases, a diminuição da fertilidade e da umidade do solo, a perda de nutrientes voláteis e a exposição do terreno aos efeitos erosivos. Quanto aos efeitos ligados ao meio biológico, destaca-se a redução de populações de espécies de vertebrados e insetos pela eliminação de hábitat ou morte pelo fogo. Na avaliação de técnicos da Embrapa (2003) que tratou do impacto da cultura da cana na fauna, concluiu que o fogo é o maior responsável pelos impactos sobre a fauna. No entanto quase todos os impactos sobre mamíferos, aves, anfíbios e invertebrados foram classificados como baixos, já os répteis são os mais afetados e a classificação é de médio impacto.

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Antrópico, trata-se do estudo que é referente ao ser humano, tanto em suas características biológicas quanto socioculturais, dando ênfase às diferenças e variações existentes.

Uma série de trabalhos, como Goulart (1997), Bohn (1998) e Silva & Frois (1998), citados por Gonçalves (2002), alertam para os graves riscos que a queima do canavial tem representado à saúde humana113. São diversos problemas respiratórios causados principalmente por compostos orgânicos gerados na combustão da palha, como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, compostos altamente cancerígenos que são encontrados entre os gases que compõe a "fumaça" da queima do canavial (Arbex et al., 2004). Já Paes, em Macedo et al. (2005), relata que em estudo realizado em conjunto pela Embrapa, USP, Unicamp e Ecoforça (Miranda, Dorado e Assunção, 1994) concluiu-se que a região de Ribeirão Preto apresenta o mesmo risco de doenças respiratórias do que um município em que não há produção de cana. Segundo o mesmo autor, no Hawaii, durante o período de 1988 a 1989, o Instituto Nacional Americano para Saúde e Segurança Ocupacional (NIOSH) realizou investigação sobre os efeitos crônicos da exposição à fuligem da cana (que contém fibras de sílica biogênica – BSF) na saúde do trabalhador da agroindústria canavieira. Não foi associada incidência de doenças respiratórias e nem mesothelioma (câncer do pulmão) com a exposição a BSF (Sinks, Hartle, Boeniger e Mannino, 1993). Apesar de vários trabalhos sobre o assunto, as conclusões algumas vezes são divergentes, sendo que alguns relacionam as queimadas a prejuízos à saúde e outros autores não.

O uso do fogo como prática agrícola nos canaviais há muito tempo já vinha sendo condenado por especialistas de diversas áreas, como engenheiros, biólogos, cientistas e médicos, apesar da contestação veemente de técnicos do setor e usineiros, que alegavam que tal prática facilitava o processo de colheita, gerava empregos, trazia segurança ao trabalhador rural e não interferia negativamente no meio-ambiente, por tratar-se de um processo rápido, localizado e controlado. Estes argumentos continuam presentes nos discursos de alguns empresários do setor. Inicialmente, para muitos, a melhor solução para o problema das queimadas seria sua imediata proibição, ou seja uma mudança radical no ambiente institucional canavieiro, que traria um problema enorme tanto para as usinas, que teriam que mudar vários aspectos do seu sistema produtivo, requerendo dos usineiros e fornecedores de cana grandes investimentos em

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A formação de ozônio é favorecida pelas altas emissões de óxidos de nitrogênio quando das queimadas, em ambiente no qual há hidrocarbonetos e na presença de radiação solar. O gás ozônio causa aumento da oxidação, e também pode resultar em diversos malefícios para a saúde humana.

maquinários e adequação da lavoura para mecanização do corte, quanto para os trabalhadores do corte da cana, que seriam substituídos pelas máquinas114. Outro problema seria que a adoção de máquinas para a colheita de cana crua era, e ainda é, restrita a algumas áreas agrícolas, que devem obedecer alguns requisitos básicos como a declividade, o tamanho e a disposição dos talhões, a facilidade de acesso, etc.

A discussão quanto aos problemas gerados pela queima também é uma questão bem antiga e polêmica. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente nº 6.938, de 1981, proíbe a queimada de cana-de-açúcar ao ar livre, por considerar que esta prática produz impacto negativo no meio ambiente e à saúde pública. No Estado de São Paulo, o Decreto Estadual nº 28.848, de 1988, proibia a queima da cana-de-açúcar como método de despalha num raio de 1 km da área urbanizada, permitindo-a no restante da área. Todavia, foi a partir do Decreto Estadual nº 42.056, de 06 de agosto de 1997, que a questão da queima da cana foi melhor disciplinada. Foi proposta e aprovada pelo Governo do Estado de São Paulo a criação de um Plano de Eliminação de Queimadas que, a partir de 1997, reduzirá a prática ao longo dos anos, e deixava claro que a mecanização seria a tecnologia adotada pelas usinas para a substituição gradativa da mão-de-obra no campo, com vistas a viabilizar a colheita de cana crua.

Após três anos da promulgação do Plano de Eliminação de Queimadas foi sendo formado um clima de grande insatisfação no setor agroindustrial canavieiro paulista. Esta insatisfação, dos empresários, produtores e representantes dos trabalhadores do setor, fez-se representar na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, onde após várias tentativas uma nova lei foi proposta e, em setembro de 2002, a Lei nº 11.241/02 aprovada. Esta Lei passou a complementar a lei anterior, flexibilizando prazos e metas para a eliminação do uso do fogo nos canaviais deste Estado. Sob a justificativa de reduzir gradualmente o número de trabalhadores e de dar tempo hábil aos produtores se adequarem à nova situação (e.g., compra de máquinas, adequação da

113 O material particulado presente na fumaça é constituído de 94% de partículas finas (10 µm) e ultrafinas (2,5 µm),

que atingem as porções mais profundas do sistema respiratório, transpondo a barreira epitelial e atingindo o interstício pulmonar, o que pode desencadear um processo inflamatório (Arbex et al., 2004).

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Com a proibição da queima da cana para colheita, a colheita de cana crua manualmente seria inviável economicamente, visto que o trabalho do cortador de cana crua seria excessivamente desgastante, o rendimento por trabalhador diminuiria muito, e o risco de acidentes de trabalho aumentariam (principalmente por contato com animais peçonhentos).

lavoura, planejamento para processar cana crua), os prazos foram estendidos até 2021 para áreas mecanizáveis e 2031 para áreas não mecanizáveis115.

A tendência irreversível na agroindústria canavieira no Brasil é seguir incorporando tecnologia. Esta tendência fica clara com a crescente adoção da colheita mecanizada da cana crua no Estado de São Paulo, que atualmente está em percentual acima do estabelecido pela Lei Estadual 11.241/02. Um importante aspecto é que, comparando a colheita mecanizada e manual, a colheita mecânica apresenta menores custos ao produtor, sendo que esta diferença já chegou a 55,44% no mês de julho, ápice da safra na região Centro-Sul (Romanach e Caron, 1999). Outra questão que justifica a adoção do corte mecanizado da cana crua é que em um futuro próximo a palha será aproveitada como fonte de energia, biomassa para produção de eletricidade. Atualmente já há projetos em desenvolvimento que buscam recolher a palha da cana no momento da colheita mecanizada116.