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Desenvolvimentos recentes (2005-2009)

No início da legislatura de 2005-2009, Portugal estava fora dos limites fixados pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC); o PIB per capita tinha estagnado globalmente entre 2000 e 2005; a convergência com a média comunitária dos níveis de vida tinha sido substituída pela tendên- cia oposta; o desemprego total estava a crescer e o desemprego de longa duração tinha aumentado de 1,7% da população activa no ano 2000 para 3,8% em 2006; entre 1995 e 2005 os custos reais unitários do trabalho cresceram sempre acima da média da UE25; a produtividade por hora trabalhada (63% da média da UE15 em 2000) deixou de convergir para a média comunitária desde então.

Tendo em conta a necessidade de repor o país dentro dos limites fi- xados pelo PEC – problema que já se punha nos governos de Durão Bar- roso e de Santana Lopes –, o primeiro governo Sócrates adoptou uma estratégia de reforma estrutural que englobou a administração pública e o sector privado da economia e que incluiu medidas quer do lado da procura, quer do lado da oferta, e promoveu o desenvolvimento da con- certação social.

No que respeita à administração pública, as medidas aprovadas in- cluíram reformas visando a consolidação fiscal, o controlo dos custos da administração pública, especialmente através da racionalização da estru- tura organizativa desta, a simplificação dos procedimentos administrati- vos e a convergência do sistema de emprego e de protecção social da ad- ministração pública com os padrões do sector privado (OECD 2008). Tais medidas motivaram um aumento da conflitualidade laboral e polí- tica na administração pública que envolveu quer os sindicatos da CGTP, quer os da UGT. Porém, enquanto o conflito para o regime geral termi- nou com um acordo com os sindicatos da UGT, os sindicatos da CGTP recusaram esse acordo e mantiveram as manifestações de protesto polí- tico contra o governo. No sector da educação, apesar de um memorando de entendimento assinado a meio do percurso contestatário com os sin- dicatos da CGTP e da UGT, o conflito manteve-se.

Quanto ao sector privado, a estratégia de reforma do governo de então estruturou-se em três vectores principais: reduzir os baixos níveis de qua- lificação da população, aumentar a sustentabilidade financeira da segu- rança social pública e reformar o sistema de regulação dos mercados de trabalho. Assim sendo, as políticas escolhidas basearam-se na mesma aná- lise da situação feita anteriormente e no reforço de medidas que não se afastaram das que foram anteriormente consagradas pelos acordos unâ-

nimes de 1991 e de 2001. Porém, em 2007, a CGTP recusou subscrever o acordo de concertação que as consagrou.

O aumento da sustentabilidade financeira da segurança social com- preende dois programas gémeos, a convergência dos direitos e deveres dos trabalhadores da administração pública com os padrões em vigor no sector privado e a modificação das regras de cálculo das pensões do sector privado, ligando a idade de referência para a reforma à esperança média de vida. Para além da alteração do subsídio de desemprego, feita na se- quência de um acordo tripartido unânime (2006), os conteúdos dos acor- dos de concertação seguem uma modulação análoga à que, em 2001, permitiu ao governo da época obter o acordo da CGTP para todos eles, excepto o que respeitava à eventual introdução de limites opcionais para as contribuições para a segurança social (2001). Em 2006, de forma aná- loga ao que se verificou quanto aos acordos mais recentes sobre a edu- cação e a formação, a CGTP recusou subscrever qualquer deles.

A reforma do enquadramento regulador das relações laborais baseou- -se no acordo tripartido de 2008. Comparado com o Acordo de Concer- tação Estratégica (ACE, 1996) e com o Código do Trabalho de 2003, o acordo de 2008 revela diferenças relevantes.

O compromisso tripartido de 2008 distingue-se dos anteriores acordos globais sobre a regulação do mercado de trabalho (1990; 1996), quer por razões metodológicas, quer por razões substantivas.

O acordo de 2008 distingue-se do Código do Trabalho de 2003, quer do ponto de vista metodológico, quer do ponto de vista substantivo. Do ponto de vista metodológico, porque se baseia numa identificação mais rigorosa dos problemas para, com base nela, construir, ao contrário do que aconteceu em 2003, um compromisso tripartido para a reforma. Do ponto de vista substantivo, porque a lógica das medidas adoptadas é a oposta: em vez da redução do poder sindical na negociação colectiva promovida pelo Código de 2003, o Código de 2009 reequilibra os po- deres das partes contratantes e permite a submissão da recusa de negociar a procedimentos de mediação e de arbitragem; em vez da estratégia de flexibilização externa através da facilitação do emprego precário adoptada em 2003, o Código de 2009 baseia-se na promoção da adaptabilidade interna, na redução – pela legislação laboral e pelo diferencial dos custos não salariais – das formas precárias de emprego. Dito de outro modo, o Código de 2009 substitui a estratégia de «flexibilização na margem» (Re- gini 2003) adoptada pelo governo Barroso por uma estratégia de desseg- mentação dos mercados de trabalho, de contenção da flexibilização ex- terna mediante a promoção da adaptabilidade interna negociada, pela

regulação da mudança mediante a criação de possibilidades de combi- nação virtuosa da legislação com a contratação colectiva de trabalho e pelo reforço da protecção da mobilidade interna e externa. Ainda assim, a posição da CGTP foi a de recusar o compromisso tripartido.

Põe-se, portanto, a questão de saber o que concluir, antes da crise glo- bal que assola actualmente as economias e as sociedades do mundo in- teiro, sobre os sistemas de relações laborais e de protecção social actual- mente existentes em Portugal.

Apesar dos enormes progressos sociais realizados nas últimas três dé- cadas, Portugal permanece um país de baixos padrões laborais (Crouch 1994 e 1996) e, como se mostrou no início deste texto, um país em que os padrões sociais seguem a mesma lógica dos padrões laborais. Não es- panta, pois, que a concertação social seja um processo de geometria va- riável e resultados incertos, em que o principal actor é o governo, onde os parceiros sociais exercem, quando as opções governamentais buscam e favorecem o compromisso tripartido, um papel relevante na definição das políticas públicas, mas um papel residual na sua aplicação.

Esta incoerência sistémica caracterizar-se-ia pela coexistência de ele- mentos com lógicas distintas e conflituantes entre si nos diferentes níveis potenciais de regulação. Assim: ao nível de empresa, predominaria o uni- lateralismo patronal combinado com a individualização das relações la- borais; ao nível sectorial, o traço fundamental do sistema seria a existência de uma contratação colectiva com elevada taxa de cobertura mas uma baixa capacidade de regulação; o nível interconfederal seria principal- mente marcado pela preponderância do papel dos governos e, quando

Quadro 1.3 – Principais problemas das relações laborais em Portugal

Elemento Problema

Sistema de representação Elevada fragmentação

de interesses Forte competição política entre sindicatos e entre associações patronais

Predomínio do relacionamento antagonista Negociação colectiva Ausência de coordenação entre níveis de decisão

Obsolescência progressiva dos conteúdos Circunscrita ao topo

Concertação social Reduzida influência na contratação colectiva de trabalho Agenda e papel submetidos aos ciclos políticos Fonte: Elaboração do autor.

os governos favorecem esta forma de governança, pelo papel dos parcei- ros sociais na definição da agenda da concertação social e no condicio- namento das soluções viáveis, mas não na aplicação das políticas públicas decorrentes das decisões constantes dos acordos ou na transposição des- ses acordos para a contratação colectiva de trabalho.

Dado o diferencial de poder dos governos em relação aos parceiros sociais e a preponderância do antagonismo nas relações entre as confe- derações patronais e sindicais, as posições, quer de umas, quer de outras, na concertação social enquadrar-se-iam particularmente bem com a hi- pótese de Hirschman (1970), segundo a qual o descontentamento e a rei- vindicação perante o governo (voice) predominariam face à participação convicta (loyalty), de modo a evitar um abandono (exit) cujas consequên- cias poderiam ser particularmente nocivas para uma organização de in- teresses forçada a competir quer com os seus pares, quer com os repre- sentantes dos poderes e dos interesses adversários.

As conclusões acima esboçadas parecem consistentes com alguns re- sultados da literatura sobre a matéria. Assim, no que respeita à concerta- ção social, Mozzicafreddo (1992) assinalou há quase duas décadas a exis- tência de estratégias contraditórias no desenvolvimento do welfare português. Em 2002, Silva suscitou a questão de saber se, dadas as taxas de actividade e o padrão de funcionamento do mercado de trabalho, a inclusão de Portugal no modelo de welfare da Europa do Sul não punha em causa a consistência deste. Por outro lado, mostrou-se recentemente (Dornelas 2010) que o trabalho não declarado em Portugal é predomi- nantemente motivado por razões económicas e realizado em comple- mento de trabalho declarado e que existe uma marcada assimetria de gé- nero na repartição dos usos do tempo de trabalho remunerado e não remunerado e que essa assimetria discrimina negativamente as mulheres (González 2010). Também recentemente, Pedroso (2010) sustentou a ideia de que, em virtude do alargamento da União Europeia, a excepção liberal anglo-saxónica se transformou num arco periférico que junta ao Reino Unido e à Irlanda os países bálticos, a Polónia, a Eslováquia e Por- tugal, admitindo que Portugal poderia evoluir para qualquer dos três mo- delos da tipologia de Esping-Andersen.

Mas, assim sendo, tendo presente que os principais actores neocor- porativos continuam a ser os governos, visto que a alteração da legislação é frequente e estamos plenamente perante o trilema dito das economias de serviços (Iversen e Wren 1998), parece razoável predizer que os direitos sociais em Portugal têm larga probabilidade de estarem no centro das agendas política e social dos próximos tempos.

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Renato Miguel do Carmo