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Um Estado-Providência e um terceiro sector paradoxais: nem Estado, nem sociedade

Analisando a evolução das despesas sociais em Portugal, Pereirinha e Carolo (2009) verificaram uma tendência para uma convergência crescente com os países centrais europeus, tendo-se, inclusive, aproximado da Suécia relativamente ao peso da saúde no PIB (6,4%), mas também em termos dos indicadores de qualidade, nomeadamente na taxa de mortalidade in- fantil. Esta tendência, resultante de uma trajectória que havia sido, até há pouco tempo, de crescente investimento público nos serviços de bem- -estar, encontra-se, porém, desfasada em relação às expectativas criadas re- lativamente à provisão e qualidade dos serviços de bem-estar. Os dados do ESS 2008 vêm confirmar este desfasamento se tivermos em conta a avaliação que é feita sobre os serviços sociais infantis, de saúde e de edu- cação em Portugal a partir das respostas positivas (somatório das percen- tagens em sentido positivo, de 6 a 10 na escala de 0 a 10 entre a avaliação mais negativa e a mais positiva) às seguintes perguntas deste inquérito:

• «O que pensa, em geral, da oferta de serviços de cuidados às crianças, a preços acessíveis, para pais trabalhadores?»;

• «Utilizando a seguinte escala, diga, por favor, como avalia, no geral, o estado da educação em Portugal hoje em dia?»;

• «Relativamente aos serviços de saúde, em geral, qual o seu grau de satisfação com os serviços de saúde em Portugal hoje em dia?». Como indicador das percepções sobre a capacidade de resposta aos gru- pos sociais mais desfavorecidos, geralmente descritos como sofrendo lacunas de protecção social no Estado-Providência português, foi considerada a dis- cordância («discorda» e «discorda totalmente») em relação à questão:

• «Os benefícios em Portugal são insuficientes para ajudar as pessoas realmente necessitadas».

Como se verifica no gráfico 5.1, apesar do carácter tendencialmente universalista da saúde e da educação – com uma mistura crescente de fornecedores públicos e privados –, a avaliação que é feita sobre a quali- dade destes sistemas em Portugal é muito inferior à que é feita nos países sociais-democratas (Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega). Igual- mente, a despeito do forte investimento nas dimensões de investimento

Gráfico 5.1 – Satisfação com a qualidade dos serviços sociais, de saúde e de educação (%)

Fonte: Elaborado a partir do ESS 2008.

Eslováquia R. Checa Polónia Portugal Espanha Grécia Irlanda RU Suécia Dinamarca Finlândia Noruega Holanda França Alrmanha Bélgica 23,0 7,4 47,5 31,4 41,3 19,2 68,5 50,7 36,2 3,1 52,6 21,6 20,7 6,1 20,3 28,1 28,9 12,6 47,1 63,8 25,6 5,1 17,9 16,6 23,5 21,0 63,2 31,4 27,2 25,6 57,2 61,4 66,5 38,9 56,4 62,8 48,1 40,7 85,2 56,4 72,4 17,9 91,4 75,3 61,7 28,7 71,5 62,6 52,4 48,7 62,1 70,6 34,1 23,8 40,9 61,9 26,9 27,5 30,4 34,8 40,3 23,7 75,7 88,4

Cuidados infantis Apoio a pessoas em necessidade real Estado da educação Estado dos serviços de saúde

social do Estado-Providência, a satisfação com o fornecimento de cuida- dos infantis a preços acessíveis para os trabalhadores é a mais reduzida do grupo de países presentes no gráfico, o que reflecte o facto de estes serem financiados fortemente pelas comparticipações dos utentes nas OTS – ainda que através de mecanismos redistributivos, aplicados pelas próprias OTS, com pagamentos que variam em função dos escalões do IRS, segundo regulamentação estatal.

Os serviços sociais não pertencem ao núcleo do Estado-Providência moderno, como a segurança social, a saúde ou a educação, mas a viragem para o Estado de investimento social deu-lhes proeminência. Bahle (2003) nota um aumento do financiamento público e do controlo do Estado sobre a contratação de fornecedores, controlo político crescente sobre o terceiro sector através de descentralização e parcerias e estandardização dos serviços. A expansão dos serviços infantis é feita sob a ideia de que os pais, e sobretudo as mães, devem ser ajudados a participar no mercado de trabalho e numa lógica de investimento social na futura mão-de-obra (Evers et al. 2005). Em Portugal, este desenvolvimento ocorre na sua quase totalidade a partir da provisão privada, mesmo quando existe financia- mento público. Em 2005, 76% do orçamento da acção social das contas da segurança social eram dedicados a acordos de cooperação com orga- nizações do terceiro sector e estas eram 71,5% dos produtores destes ser- viços, seguidos de empresas (26,5%) (S. Ferreira, 2010).

Verificando a distribuição interna da provisão de serviços sociais, estes reproduzem as debilidades do Estado-Providência português no que diz respeito à protecção dos grupos excluídos ou com dificuldades de inser- ção no mercado de trabalho, pelo que também aqui se justifica a avalia- ção negativa que se faz do apoio às pessoas em necessidade real. Em 2005, os serviços de apoio a idosos ou à infância representavam 88% e os de apoio a pessoas com deficiência 5,3%, o que significa que os servi- ços orientados para situações geradoras ou de manifestação de pobreza e exclusão social, como os vários tipos de serviços de apoio à comuni- dade, à toxicodependência, à doença mental e ao VIH/sida, tinham um peso muito reduzido (S. Ferreira 2010). Neste contexto, existe um claro desfasamento entre as expectativas e a real provisão pública, o que cor- responde à ideia de que, regra geral, a uma apreciação negativa de uma parte substancial dos serviços de bem-estar e a elevados níveis de desi- gualdade se associa a defesa de uma maior redistribuição (Finseraas 2009). Todavia, tem sido muito fraca a mobilização do terceiro sector, enquanto sociedade civil, para colmatar esta lacuna, quer directamente, quer fa- zendo exigências ao Estado.

A presença de uma forte sociedade-providência (que poderíamos fazer corresponder à dimensão do bonding do capital social) foi associada ao peso relativo do mundo rural e das relações do espaço urbano com o mundo rural (Santos 1990), mas também foram identificados aspectos de insufi- ciência nestas redes de suporte (Wall et al. 2001; Hespanha e Portugal 2002), falhando nas famílias e pessoas mais vulneráveis. Segundo Wall et al. (2001), o mercado e o Estado (e o terceiro sector, poderíamos acrescentar) não conseguem colmatar as lacunas do apoio informal, o que Salamon (1987) designa como voluntary failure e caracteriza como consistindo em insuficiência de recursos, particularismo, amadorismo e paternalismo.

Estudos a partir do ESS põem em causa a ideia de que uma socie- dade-providência forte pode compensar as insuficiências do Estado ou criar capital social. Atendendo ao caso português, e a partir dos dados do ESS, parece verificar-se que uma sociedade-providência forte também depende de um Estado-Providência forte. Recuperam-se aqui alguns des- tes dados no sentido de tornar mais visíveis as características do Estado- -Providência e da sociedade em Portugal. O gráfico 5.2, com dados do European Social Survey de 2006, reúne indicadores relativos ao volunta-

riado formal, informal,12à participação comunitária e à sociabilidade nas

questões:

• Voluntariado formal: «Nos últimos doze meses, com que frequência colaborou com organizações de caridade ou de voluntariado?»; • Voluntariado informal: «Sem contar com o apoio à família, com o

que faz no trabalho ou em organizações de voluntariado, com que frequência ajudou activamente alguém nos últimos doze meses?»; • Participação comunitária: «E, ainda nos últimos dozes meses, cola- borou ou participou em actividades organizadas na sua área de re-

sidência?»;13

• Sociabilidade: «Com que frequência convive com amigos, familiares ou colegas de trabalho?» (nunca, menos de uma vez por mês, uma

12V. também Plagnol e Huppert (2009) para esta classificação. Ainda que estas questões

sejam tratadas frequentemente como dizendo respeito ao voluntariado, elas podem signi- ficar outro tipo de participação em OTS, o que explica a discrepância entre estes valores e os do voluntariado formal presentes, por exemplo, no Eurobarómetro (12% para 2011, co- locando Portugal no penúltimo lugar dos 27 países membros) (Parlamento Europeu 2011).

13Para as várias questões foram consideradas possibilidades de resposta para as se-

guintes frequências: pelo menos uma vez por semana, pelo menos uma vez por mês, pelo menos uma vez em cada três meses, pelo menos uma vez em cada seis meses, ainda menos do que isso, nunca. Foi realizado o somatório da percentagem de respostas que assinalaram qualquer tipo de frequência.

vez por mês, várias vezes por mês, uma vez por semana, várias vezes por semana, todos os dias).

O indicador do voluntariado formal mostra que é relativamente baixa a percentagem de pessoas que nos últimos doze meses, à data do inquérito, se envolveram em OTS, sendo apenas superior à Eslováquia, à Polónia e à Suécia. Estamos perante uma sociedade civil organizada fraca, com baixo envolvimento das pessoas em organizações do terceiro sector. Como já se referiu anteriormente, a vinculação do terceiro sector ao fornecimento de serviços sociais no núcleo do sistema de bem-estar está associada a uma forte profissionalização, sendo reduzido o peso do voluntariado e limitada a capacidade das organizações do terceiro sector para o promover.

Portugal possui também a mais baixa percentagem de pessoas que ajudaram outra pessoa, que não familiar ou colega, ou estiveram envol- vidas em OTS e ainda a segunda percentagem mais baixa de pessoas que nos doze meses precedentes ao inquérito assistiram ou se envolveram

em actividades locais.14

Ou seja, a escassez de voluntariado formal não é compensada pelo voluntariado informal ou pela participação na comunidade, confir- mando-se algumas discussões acima apontadas relativamente às próprias debilidades da sociedade-providência e à confirmação da ideia de que existe uma correlação entre o voluntariado formal e o voluntariado in- formal.

Neste panorama pouco animador, no que diz respeito ao volunta- riado e à participação comunitária, ressalta a dimensão da sociabilidade, patente na elevada frequência com que em Portugal as pessoas se encon- tram socialmente com amigos, familiares ou colegas, contradizendo a su- gestão de Plagnol e Huppert (2009) de que existe uma relação positiva entre o voluntariado e a sociabilidade. Esta sociabilidade como forma de integração social parece ser um dos elementos presentes nas OTS nos países nórdicos, em que, a par com outros papéis, existe também uma dimensão de «estar juntos», ou seja, o terceiro sector é um lugar onde as pessoas se encontram (Matthies 2006). Este «estar juntos», no caso por- tuguês, tem lugar na esfera privada dos amigos, colegas e familiares.

14O Ano Europeu das Actividades Voluntárias que Promovam Uma Cidadania Ac-

tiva, em 2011, a par com a emergência do voluntariado enquanto política pública e a presença de outras entidades da infra-estrutura do voluntariado em Portugal, podem vir a ter um impacto positivo no que diz respeito ao aumento do voluntariado, em particular no que ocorre fora do enquadramento do terceiro sector tradicional.

Van Oorschot et al. (2006) argumentam que a sociedade civil equivale à contraparte das comunidades locais ao nível nacional, pelo que tam- bém cria capital social:

Não só as normas de reciprocidade, cidadania e confiança estão incrus- tadas em redes de associações cívicas, como são também positivamente in- fluenciadas por estas. Uma sociedade civil forte e vibrante caracterizada por

Gráfico 5.2 – Voluntariado formal/informal e sociabilidade

Fonte: Elaborado a partir do ESS 2006.

Eslováquia Polónia Irlanda RU Portugal Espanha Finlândia Dinamarca Suécia Holanda França Alemanha Bélgica Encontra-se socialmente com amigos, familiares ou colegas todos os dias

Ajudou ou assistiu a actividades locais organizadas durante o último ano

Ajudou outros, que não família, trabalho, OTS, durante o último ano

Trabalhou com OTS durante o último ano

uma infra-estrutura social de redes densas de relações face a face que atraves- sam as actuais divisões sociais sustentará um governo forte e sensível, uma economia forte e resiliente e um Estado-Providência sustentável [van Oors- chot et al. 2006, 152; tradução livre da autora].

Mas o inverso também pode ser verdade, na medida em que não está clarificada a relação causal patente na forte correlação entre um Estado- -Providência forte e elevados níveis de capital social nas suas diferentes dimensões.

No que se refere à participação política, tem também vindo a ser evi- denciada não só a relação entre a participação em OTS e a participação política, mas também a relação entre estas, os níveis de bem-estar e a exis- tência de um institucionalismo capaz de criar condições para a partici- pação (van der Meer 2009). É difícil construir um argumento sobre o papel positivo do terceiro sector para o capital social num panorama em que as correlações identificadas apontam para baixos níveis de capital so- cial e de bem-estar. Isto explica, em parte, a ausência, em Portugal, de um discurso público que enfatize estas dimensões ou as dificuldades de ancoragem de discursos sobre o papel do terceiro sector no aprofunda- mento da democracia, na governação ou no bem-estar (S. Ferreira 2010).

Não existe nenhum efeito de crowding out em Portugal, mas um re- forço mútuo entre o Estado e a sociedade civil, em que se verifica que à fraqueza de um Estado-Providência moderno corresponde a fraqueza de uma sociedade civil moderna. Associa-se aqui a noção de sociedade civil moderna à trajectória de transformação da esfera pública nas sociedades europeias modernas até uma esfera pública mais ampla, envolvendo a participação de grupos sociais subordinados e a presença de múltiplos públicos (Fraser 1990) orientados para esse espaço público que se cons- titui a partir da comunicação entre pessoas privadas, frequentemente as- sociadas, sobre questões públicas ou de interesse comum. Trata-se tam- bém de dar ênfase à dimensão pública, para que aponta o conceito de civicness, como forma de valorização da dimensão «pública» do capital social.

O gráfico 5.3 retoma a discussão sobre a relação entre a confiança so- cial e a participação, evidenciando a fraqueza deste espaço público, le- vantando dúvidas sobre se se pode sequer falar de uma esfera pública para a generalidade dos portugueses. O gráfico retrata a percentagem de pessoas que se orientam positivamente, no que diz respeito à confiança interpessoal e à confiança política, a partir do European Social Survey de 2008, confirmando a correlação positiva entre a confiança social e a con-

fiança política (Zmerli e Newton 2008). Mede-se a confiança a partir do somatório da percentagem de cada uma das respostas de sentido positivo

Gráfico 5.3 – Confiança nas instituições e nas pessoas

Fonte: Elaborado a partir do ESS 2008.

Eslováquia Rep. Checa Polónia Portugal Espanha Grécia Irlanda RU Suécia Dinamarca Finlândia Noruega Holanda França Alemanha Bélgica 24,1 17,3 12,4 18,2 14,4 9,8 36,9 45,9 11,0 3,4 26,0 36,3 18,9 6,6 19,7 36,2 41,0 15,7 38,0 44,3 21,7 7,6 24,1 19,5 23,0 15,3 49,6 59,3 30,0 17,1 46,6 54,0 56,6 34,3 66,7 74,2 67,9 53,5 75,4 81,5 63,3 42,4 69,6 76,4 54,5 33,1 73,3 77,8 58,4 50,5 63,1 71,7

Confiança no parlamento Confiança nos políticos A maioria das pessoas

é de confiança A maioria das pessoastenta ser justa e não aproveitar

30,2 14,9 29,2 54,8 32,3 15,4 38,7 55,0

34,0 25,9 45,7 59,4

A maioria das pessoas é prestável, em vez de cuidar apenas de si 16,5 30,8 18,0 18,8 29,7 15,7 60,0 52,1 62,5 62,3 55,8 60,4 54,5 29,1 38,7 35,6

(6-10) na escala de 0 a 10, entre o mais negativo e o mais positivo, nas se- guintes questões, relativas quer à confiança política:

• «Diga-me, por favor, qual a confiança pessoal que tem em cada uma das instituições que lhe vou dizer: na Assembleia da República?; nos políticos?»;

quer à confiança interpessoal:

• «De uma forma geral, acha que todo o cuidado é pouco quando se lida com as pessoas ou acha que se pode confiar na maioria das pes- soas?»;

• «Acha que a maior parte das pessoas tenta aproveitar-se de si sempre que pode, ou pensa que a maior parte das pessoas é honesta?»; • «Acha que, na maior parte das vezes, as pessoas estão preocupadas

com elas próprias ou acha que tentam ajudar os outros?».

Evidencia-se que os portugueses e as portuguesas possuem um dos mais baixos níveis de confiança no parlamento e nos políticos (e, na ver- dade, nas demais instituições de governação), mas também nos seus se- melhantes, sendo baixa a percentagem daqueles que consideram que a maioria das pessoas tenta ser justa e não se aproveitar e ainda mais baixa a percentagem dos que acreditam que a maioria das pessoas é prestável, em vez de cuidar apenas de si – o que é coerente com as atitudes indivi-

duais.15Neste contexto, podemos interpretar os baixos níveis de volun-

tariado e participação comunitária acima evidenciados como uma das expressões da dificuldade de referência a um espaço público ou cívico.

Assim, sugiro que quer o tipo de Estado, quer o tipo de sociedade (a que está presente no conceito de subsidiariedade), possuem elementos pré-modernos, ou de uma modernidade inacabada, no dizer de Machado e Costa (1998), no que se refere à ausência de referência a um espaço pú- blico, pois nem o Estado consegue actuar integralmente enquanto ga- rante do interesse geral que garante a confiança dos cidadãos, nem a co- munidade produz as relações sociais próximas que exprimem o dever dos indivíduos e organizações em relação ao bem-estar dos outros além da esfera doméstica, nem a sociedade civil constitui um espaço de refe- rência e mobilização em relação a um (ou vários) interesse(s) geral(is). De

15Portugal é o país onde uma menor percentagem da população ajudou outras pes-

soas pelo menos uma vez no último ano, depois dos países da Europa central e do Leste (Plagnol e Huppert 2009).

facto, dadas as interdependências entre estas diferentes dimensões que aqui se abordaram, estamos perante o défice das qualidades de civicness (Brandsen et al. 2010). Verifique-se no gráfico 5.3 o contraste entre as di- mensões de confiança institucional e de confiança social entre os países do modelo social-democrata, ou os valores da Holanda, onde se verificam os níveis mais elevados de associativismo e voluntariado na Europa, e estas dimensões nos países da Europa do Sul – com excepção da Espanha – ou da Europa central. Assinalem-se, por outro lado, os baixos níveis de con- fiança nas instituições políticas presentes nos países do modelo anglo-sa- xónico – Reino Unido e, parcialmente, a Irlanda – e também nos do mo- delo conservador-corporativo na Europa continental, a par de elevados níveis de confiança social. Remetendo para o gráfico 5.1, trata-se de países onde o terceiro sector possui uma dimensão elevada, forte presença na provisão de serviços, em substituição deste papel do Estado, e responsa- bilidade financeira governamental.

Neste contexto, é possível identificar elementos de uma versão pré- -moderna do princípio da subsidiariedade e que funciona para colocar as relações entre fornecedores e recipientes de bem-estar numa esfera pri- vada longe do controlo do Estado e que este instrumentaliza para tornear a contradição entre a pressão das elevadas expectativas sobre o seu papel no bem-estar e a incapacidade de corresponder a estas expectativas.

Conclusão

Neste capítulo procedeu-se a uma discussão do lugar do terceiro sector no Estado-Providência português, adoptando-se uma perspectiva relacio- nal que procurou retomar, para a compreensão do caso português, as três discussões assinaladas por Anheier (2009). O papel do terceiro sector na economia mista do bem-estar foi discutido através de uma revisão das ti- pologias internacionais de bem-estar e do terceiro sector que serve de pano de fundo para o aprofundamento sobre o Estado-Providência e o terceiro sector em Portugal, quer no âmbito dos países do Sul da Europa, quer na evidência da permanência de elementos de diferentes modelos de bem-estar. Uma breve descrição da evolução histórica sustenta o ar- gumento segundo o qual existe uma mistura de modelos de bem-estar inscritos nas instituições do Estado-Providência português e na relação entre o Estado e o terceiro sector. Mostra-se também que, ao mesmo tempo que se verifica uma dificuldade de articulação entre os diferentes actores e subsectores do terceiro sector, cuja organização depende do papel

activo do Estado, uma parte substancial desse terceiro sector está envol- vida na provisão de serviços sociais no núcleo do Estado-Providência, o que torna o Estado dependente destes mesmos actores sociais.

A discussão sobre o contributo do terceiro sector para a criação de capital social foi enquadrada pelos estudos que têm procurado compreen- der a relação entre o Estado-Providência e o capital social nas suas dife- rentes dimensões. Vários autores apontam para fortes correlações entre elevados níveis de bem-estar, maior participação cívica, maiores níveis de ajuda informal e maior confiança institucional e social.

Assinala-se a importância dada à família nos países do Sul da Europa, em detrimento de outros tipos de capital social e dos baixos níveis de bem-estar. Estes aspectos são aprofundados a partir de dados do ESS que procuram saber, por um lado, sobre a satisfação e expectativas dos por- tugueses em relação ao welfare mix e, por outro, sobre o seu envolvimento em espaços formais ou informais de produção do interesse geral ou comum. No contexto de baixos níveis de voluntariado e associativismo e de uma evidente preferência pela sociabilidade entre amigos e familia- res, desenvolvem-se fracos laços de confiança, quer nas instituições polí- ticas, quer interpessoais.

É importante ter presente o terceiro debate identificado por Anheier