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Desinteresse e desânimo dos jovens: a percepção social da ‘crise da formação’ Segundo Lenoir (1996, p 62) a visibilidade de uma categoria se faz a partir da

Capítulo I Jovens Agricultores: a dupla visibilidade dos processos de diferenciação da condição camponesa e de uma categoria social

1.1 Desinteresse e desânimo dos jovens: a percepção social da ‘crise da formação’ Segundo Lenoir (1996, p 62) a visibilidade de uma categoria se faz a partir da

emergência de um problema social, em um trabalho posto em curso por atores, entidades que nomeiam, estabelecem critérios caracterizadores em torno da população alvo de investimento de ações, “culminando na criação e difusão de uma nova categoria de percepção do mundo social”. Os debates regionais e o próprio PGDT afiguram-se como espaços e tempos iniciais deste trabalho social que poderíamos definir de uma maior visibilidade da juventude da região e de reivindicação de educação escolar. Nos debates que se seguiram se percebem, ao lado das tensões referentes à permanência das famílias no campo, tensões em torno do que se poderia chamar de uma ‘crise de formação’. Manifesta, por um lado, na carência de escolas para além da 4ª série inicial, e, por outro, em preocupações que questionavam o conteúdo e a

forma escolar, dadas as necessidades apresentadas e condensadas em um problema social verbalizado como desânimo e desinteresse dos jovens com a agricultura. Os jovens rurais, como figuram nos documentos oficiais, são posicionados como que catalisadores de fragilizações da agricultura e enquanto depositários de esperanças:

[...] essa história que a gente já conhece na educação, e os agricultores, muitas vezes não sabiam nem como comercializar os produtos e, enfim, achavam que aquela vida era tão difícil para ele lá no campo que, realmente, a agricultura era muito difícil

que muitos pensavam mesmo que seus filhos deveriam sair dali. Mas deveriam sair dali para uma vida melhor e, pra isso, significava ter que estudar

(Liderança Regional 2/FVPP).

O estudo neste contexto é apresentado, seja como elemento motivador para sair do campo, seja como mediação necessária para ficar no campo e desenvolvê-lo como uma das condições para o desenvolvimento do município:

[...] havia nas famílias e jovens um desânimo [...] o jovem tava na idade de estudar, ele fazia a 4ª série na comunidade e aí ele queria ir para a sede do município de outro local para estudar, não queria ser um cara que ficasse na gestão da

família, queria ser um cara que fosse ganhar um salário (Liderança local/STR).

Eu tenho uma experiência que as coisas só mudam com o desenvolvimento do

lugar, se o lugar não desenvolver é muito difícil a não ser que você viva de explorar

os outros, porque aí pra fora em primeiro havia exploração [...]. E eu nunca pensei isso, pensei em trabalhar com meus filhos pra que nunca colocasse uma pessoa

de fora pra trabalhar a não ser meus filhos. Mas, é isso, vai se desenvolver o

município pra você trabalhar, para você vender sua produção (Pai 1/CFR - 1ª Turma).

A forma como os jovens dos quais se fala neste período falam de si mesmos é representativa destes argumentos de desânimo e desinteresse. Nos depoimentos dos jovens, estes argumentos parecem traduzir-se em uma não identificação com o campo e, principalmente, com o trabalho árduo na agricultura, ou ainda em um projeto de vida em que o campo era ausente:

Rapaz, pra ser sincero.... rapaz, eu mesmo, é difícil a gente dizer, mas eu vou tentar falar um pouco. Eu mesmo, eu não pensava de trabalhar em lote mais não, nem

de nada, nada, nada; meu negócio era sair pra fora, eu pensava de sair pra fora porque aqui tava difícil [...] (Ex-Aluno 1/ CFR - 1ª Turma, 32 anos).

As expectativas sobre os jovens a partir daquele problema social encaminham os argumentos para intervenções que, para o conjunto dos atores sociais e famílias envolvidas, repercutem no espaço doméstico da unidade familiar e no espaço público das formas organizativas dos agricultores e do município como um todo. Em geral, as expectativas dos atores sociais e agentes se condensam no quadro de esperanças em torno dos jovens filhos dos

agricultores que poderiam ser assim sintetizadas: (a) que os jovens ficassem no campo e no trabalho da agricultura familiar, (b) que tivessem um estudo diferenciado44, (c) que se assumissem protagonistas nos espaços públicos. As fontes de preocupação de debates públicos abaixo são reveladores destas expectativas e demandas.

A primeira fonte de preocupação dizia respeito à necessidade dos pais de estudarem os filhos agricultores – como se expressam os pais e lideranças –, e junto a isto havia a presença do paradoxo estudar para ficar na agricultura ou estudar para sair da agricultura:

[...] a grande pergunta era assim: você quer que seu filho estude pra que? Pra ir embora ou pra ficar? E aí esse debate ele foi crescendo no meio dos agricultores, nas Comunidades Eclesiais de Base, ainda. No início dos anos 80 a discussão era muito seguindo mesmo que existia mais escolas, mais professores, Estado e tal. E aí se começou a buscar isso daí [estudar para ficar no campo], tentar se descobrir. Então, como fazer então diferente? (Liderança Regional 2/FVPP).

A segunda fonte de preocupações dizia respeito a quem iria assumir os espaços públicos de discussão e deliberação no município, tanto os espaços criados pela ação coletiva das organizações dos colonos, quanto os instituídos pela ação pública:

[...] foi esse movimento que discutiu a criação da universidade, porque eles imaginavam, os agricultores, que os filhos deveriam ser agricultores também, já tinha essa discussão, tipo assim, por que que não temos que ter filhos doutores? Porque era aquela idéia assim, quem que ia ficar no INCRA, quem que vai ficar

na prefeitura, quem vai ficar na Câmara, quem vai ficar cuidando [...] de tudo? Só eles? E nossos filhos não podem estudar também? Não podemos ocupar? Ah,

podemos, mas tem que estudar![...] mas claro que o movimento também sempre pensou assim: sem estrada, sem créditos, sem outras políticas, a gente também não ia conseguir, mas que através da educação seria uma grande revolução, ela teria

que dar conta de fazer com que essas pessoas jovens se dessem conta do mundo em que eles estavam inseridos e eles brigassem por isso porque não ia dar tempo, como não vai dar tempo pras pessoas que começaram o movimento conseguir construir todas essas coisas. (Liderança Regional 2/FVPP).

Como ‘pano-de-fundo’, parecem se desenhar as questões: “Quem serão os responsáveis pela gestão do lote e da agricultura? Quem dará continuidade à trajetória das organizações sociais representativas da agricultura no município? Neste rol de preocupações a educação com conteúdo e forma voltados para a agricultura – que veio a se configurar na Casa Familiar Rural – é apresentada como mediação necessária à permanência no campo.

Estes investimentos diferenciados nos jovens rurais e em sua escolarização parecem qualificar ou especificar o problema social do desânimo e desinteresse dos jovens com a

44 Expressão comum entre os entrevistados para definir uma forma de ensino escolar alternativo ao modelo das

escolas públicas que, na avaliação dos mesmos, além de serem poucas e só ofertarem até então até a 4ª série do ensino fundamental, desestimulavam os filhos dos agricultores a permanecerem no campo devido aos conteúdos distantes da realidade do campo. Também é comum usarem a expressão educação alternativa para designar esta idéia.

agricultura. No fundo, o problema social se revelaria, portanto, em duas fontes de tensão da condição camponesa:

a- uma ‘crise dos sistemas de produção’, anunciada nas preocupações em torno das dificuldade do trabalho agrícola e sua baixa rentabilidade; nas preocupações acerca da sucessão no lote dada a saída dos jovens para as cidades e seu iminente assalariamento: “o jovem [...] queria ir para a sede do município de outro local para estudar, não queria ser um cara que ficasse na gestão da família, queria ser um cara que fosse ganhar um salário”;

b- uma ‘crise da base’, expressa na ideia-valor de que os jovens precisavam dar continuidade às ‘lutas’ das organizações sociais e assumir os espaços públicos de direção do município, através do ideal de “fazer com que essas pessoas jovens se dessem conta do mundo em que eles estavam inseridos e eles brigassem por isso [...]”.

Ambas as crises acenariam para elementos desencadeadores de diferenciação social na condição camponesa, senão diferenciações nas estruturas que afetam o espaço no qual esta condição se constitui. Em uma hipótese ou em outra, as espécies de capitais45 definidores daquela condição são fragilizadas, tendo em vista que a condição social se define por ser sistema de diferenças, de posições diferenciais (BOURDIEU, 2007, p. 164).

1.1.a “Eu não pensava de trabalhar em lote mais não [...]; eu pensava de sair pra fora porque aqui tava difícil”. “Quem vai dar continuidade à agricultura?”: a percepção social da ‘crise dos sistemas de produção’

Na Transamazônica, para o trabalho social de institucionalização dos jovens rurais como categoria social parece ter tido papel central as entidades de pesquisa, em duas direções: o problema da sucessão nos lotes e a necessária profissionalização da agricultura, enquanto condição para a sustentabilidade econômica e ambiental do campo.

Entre 1992 e 1993, alguns fatos econômicos e políticos caracterizadores das práticas produtivas na agricultura concorrem para aquelas duas constatações tornadas visíveis pelas entidades de pesquisa em parceria com as organizações dos agricultores.

No âmbito dos sistemas de produção, o final da década de 1980 e início da década de 1990 foram marcados pela crise dos cultivos permanentes (pimenta-do-reino, cacau, café). Dentre os motivos dessa crise estão os baixos preços, as doenças nas plantações (como vassoura-de-bruxa e fusarium) e a desclassificação do cacau amazônico, considerado refugo

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Por capitais entendem-se os recursos, valores, saberes em estado prático incorporados, conhecidos e reconhecidos nas relações ao modo de definir o habitus de classe, pois organizam os esquemas de disposição e de percepção em que os indivíduos se reconhecem e se distinguem (BOURDIEU, 2007, p. 183).

na classificação nacional, de modo que em 1988 a CEPLAC retirou o fundo de apoio à produção do cacau (PEIXOTO, 2002, p. 30). Ademais, a ausência de créditos agrícolas para os pequenos produtores resultava no uso ampliado do recurso terra:

[...] os agricultores preferem aumentar a sua renda em relação aos recursos mais escassos, trabalho e capital, sacrificando o mais abundante, a terra; observa-se que as técnicas por eles implementadas, quaisquer que sejam

as atividades agropecuárias [...] maximizam os rendimentos em relação ao trabalho e o capital mobilizado e não em relação à área utilizada [...]

tais práticas agrícolas são apontadas como predatórias, pouco sustentáveis em dois sentidos: pressupõem desmatamento de quantidades maiores de mata primária; não mostram preocupação suficiente com a sustentabilidade agroecológica da atividade e acabam degradando em curto e médio prazo as parcelas utilizadas [...] este fator provoca a venda da terra, a migração e

novos desmatamentos (SABLAYROLLES; ROCHA46, 2003, p. 192. Grifos

meus).

Nesta conjuntura, a partir de 1991, para se colocar na negociação com o Estado por créditos agrícolas, sobretudo do FNO, o MPST, articulado regional e nacionalmente com diversos movimentos constitutivos do campesinato, encampou um ciclo de mobilizações de massa através dos “Gritos do Campo” (I, II e III), “Grito dos Povos da Amazônia” e “Grito da Terra Brasil. Segundo Ribeiro (2003, p. 40), a Transamazônica foi a região no Estado do Pará que mais contratou financiamentos do FNO Especial47 conquistado em 1992. Este fundo é comumente avaliado como uma das maiores conquistas do ciclo da Regionalização da ação coletiva, pois garantiu a permanência das famílias nos lotes48 (SOUZA, 2006;

BRASIL.MMA, 2006), ainda que este crédito tenha se configurado como uma ação governamental de certa forma autoritária.

A já necessária estrutura rotinizada das organizações sociais que demandavam um quadro específico de profissionais para assistência e/ou apoio técnico intensifica-se desde o início das primeiras parcelas dos créditos agrícolas em 1992. Desta forma, forçadas pela

46 Estes pesquisadores compuseram a equipe do LAET/PAET.

47 O FNO Especial foi conquistado a partir das reivindicações nos Gritos do Campo I e II; este fundo adveio de

uma reformulação do FNO destinado até então para grandes produtores rurais, fazendeiros, etc. É mantido pela destinação constitucional de 1% da arrecadação anual da União a um fundo de investimentos voltado para compensar desigualdades econômicas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além do FNO Especial, de maior repercussão local, houve outras conquistas com os “Gritos” concretizadas gradualmente, como um bilhão e quatrocentos milhões de cruzeiros liberados para recuperação da BR 230; criação do Programa Agentes Comunitários de Saúde; construção de uma Escola Agrotécnica em Altamira; convênio INSS e Correios para pagamento dos aposentados nos municípios onde não havia rede bancária (cf. RIBEIRO, 2003; BRASIL.MMA, 2006; MONTEIRO, 1996).

48 Peixoto (2002, pp. 34-5) aponta que o FNO especial atendeu aproximadamente 15% dos agricultores da região

Transamazônica; o equivalente a próximo de 5.211 beneficiados, das cerca de 40.000 famílias de pequenos agricultores da região. Sendo que a maior concentração de beneficiados foi do lado Oeste; do lado Leste os municípios somente tiveram acesso ao crédito a partir da terceira fase.

evolução diferenciada dos estabelecimentos agrícolas, pois capitalizados, e pela estrutura de legitimidade institucionalizada, sobretudo do MPST, as organizações buscam a parceria com entidades e órgãos de pesquisa passíveis de atender estas demandas que a sua Fundação (Fundação Viver, Produzir e Preservar49), criada em 1991, já não atendia. Refletia-se, sobretudo, acerca de maneiras mais eficientes de fazer avançar as propostas do PGDT demarcando um projeto de desenvolvimento da região, não mais apenas de sobrevivência.

Estes seriam os conteúdos mobilizadores da constituição da parceria com o Programa Agroecológico da Transamazônica (PAET), celebrada entre MPST-STRs e o Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET/UFPA), em 1993, para o qual se previa um Programa de Pesquisa-Formação–Desenvolvimento (P-F-D) a fim de desenvolver pesquisas técnico-científicas orientadas para as demandas da agricultura familiar. Este programa foi então financiado pela Comunidade Europeia por meio da Cooperação franco- brasileira no período de 1993 a 1999.O arranjo institucional constitutivo dos novos parceiros estratégicos50 iniciou-se em 1992, a partir das aproximações com o Centro Agro-ambiental do Tocantins (CAT)51. A partir de 1993 se deu a constituição do LAET, em parceria com a EMBRAPA, a Universidade Federal do Pará, com instituições internacionais, sobretudo o Groupe de Recherches et d’Echanges Technologiques (GRET)52, cuja atribuição era

coordenar o Projeto PAET e garantir/colocar profissionais à disposição do LAET. Desde o início, a parceria previa principalmente a promoção do desenvolvimento regional de forma

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A FVPP foi constituída enquanto entidade para administrar o MPST, representá-lo juridicamente e captar recursos financeiros para o funcionamento da sua estrutura. Dentre os nomes que se cogitavam para esta entidade, estavam Fundação em Defesa da Transamazônica; Fundação em Defesa da Ecologia e Desenvolvimento da Transamazônica; Fundação Viver, Produzir e Preservar (MPST, 1991, p. 3). A decisão pela terceira nominação parece representar um equilíbrio político e simbólico entre a ideia-valor de “sobrevivência na região” – conceito muito usado pela CSLU (HÉBETTE, et all, 2002, p.224) – junto da ‘bandeira de luta’ “recuperação do Projeto de Colonização” e o ambientalismo ou a “questão ecológica” que se impunha gradativamente na região a partir do encontro dos Povos Indígenas do Xingu em 1989; assim é que a frase “viver, produzir, preservar” surgiu no cotidiano dos atores, segundo Souza (2006, p. 42), a partir deste Encontro como “reação ao discurso conservacionista dos ambientalistas”, a isto, certamente, se soma a influência da rede de relações do MPST que incluía os movimentos sociais do Estado do Acre, desde a origem “ambientalizados”, porém com uma tendência ao não conservacionismo, mas utilizando-se estrategicamente do “apelo” ambiental internacional para tornar visíveis os problemas de expropriação nos seringais.

50 Com as novas demandas e ações mais voltadas à agricultura e com os novos pares estratégicos representados

pela Universidade Federal do Pará, dentre outras e pelo LAET, a relação de parceria com o SINTEPP foi fragilizada. A isto se somou o interesse distinto de demandas deste sindicato mais próximas de problemas educacionais/escolares na cidade.

51 O programa CAT foi criado em 1988 em Marabá, o eixo principal de atuação era a Pesquisa-desenvolvimento

(P&D) voltado à agricultura familiar; dentre os parceiros constavam a UFPA, STRs, Instituições Internacionais Francesas. Em 1991 é criado o LASAT (Laboratório Sócio-Agronômico do Tocantins), imbuído de fazer a integração entre pesquisa-desenvolvimento e a formação de profissionais em ciências agrárias. Estes programas serviram de inspiração e orientação para a parceria PAET, enquanto um prolongamento das ações em P&D com viés agro-ambiental.

52 O GRET em parceria com a Université des Antilles et Guyane (UAG) era um dos responsáveis pelo projeto de

Pesquisa-desenvolvimento no CAT. Antes de Marabá o GRET já vinha atuando no Brasil em projetos desta natureza por meio de parcerias entre governo francês e brasileiro desde 1967 (HENCHEN, 2002).

ambientalmente sustentável, tal era a influência do órgão financiador. Este perfil é ilustrado no objetivo do PAET:

Contribuir para o desenvolvimento de uma agricultura familiar sustentável, a longo prazo, e a melhor gestão dos recursos naturais, através de um programa de Pesquisa-Formação-Desenvolvimento participativo na Transamazônica, baseado numa parceria permanente entre as organizações representativas dos agricultores familiares (“trabalhadores rurais”) e uma equipe interdisciplinar de pesquisa e pesquisa-desenvolvimento envolvendo instituições de pesquisa, ensino, desenvolvimento nacionais e internacionais e órgãos territoriais (LAET; MPST, 1994, p 09).

As atribuições do LAET consistiam em “[...] realizar pesquisa de base sobre o meio natural, o meio sócio-econômico e os sistemas de produção dos produtores; as pesquisas seriam essenciais a longo prazo para desenvolver tecnologias alternativas (HENCHEN, 2002, p. 87)”, pois estava lançado o desafio de adequar os objetivos e finalidades do programa e dos financiadores à produção agrícola realizada na região. Desta forma, os primeiros anos da parceria, 1993-94, foram dedicados à estruturação da proposta e das pesquisas-diagnóstico acerca da agricultura familiar, bem como a sua realização.

Na confluência destes acontecimentos, em 1993 é realizado pelo LAET, então principal parceiro de diálogo dos atores sociais do campo, a pesquisa-diagnóstico53 sobre o

“Futuro dos Jovens do Campo na Transamazônica”. De forma recorrente os documentos oficiais, discursos e trabalhos acadêmicos referem-se a este diagnóstico (RIBEIRO, 2003) como o instrumento que expôs de forma sistematizada um problema sucessório na agricultura familiar explicitado pelos seguintes dados:

Em todos os municípios pesquisados, as famílias possuem em média 4 a 5 filhos, destes, em média 2 ou 3 pretendem ficar na agricultura. Segundo a avaliação do LAET, este número de jovens que projetam permanecer no campo é baixo, considerando a necessidade de mão-de-obra familiar na agricultura camponesa e considerando-se também que a porcentagem maior é de filhos com mais de 16 anos, indicativo de que a “[...] natalidade vem reduzindo e de que alguns anos à frente, estes jovens estarão procurando terra (caso permaneçam no meio rural) [...]” (STR; FETAGRI, 1999, pp. 20-2).

53 Este diagnóstico compôs a pesquisa mais ampla do Programa Agroecológico da Transamazônica (PAET),

proposta pelo movimento social de Altamira, LAET e STRs de Altamira, Brasil Novo, Vitória do Xingu.

Locais da pesquisa-diagnóstico: 1-Colônias velhas (da ‘colonização espontânea’, vicinais 6 e 8 , Princesa do

Xingu, Ramal São Francisco, Ramal dos Cearenses, Cachoeirinha, Cupiuba, Serrinha, Lagoa Tenório....); 2- Assurini – travessão Cajituba; 3- Transa-Oeste – até vicinal 7; 4- Brasil Novo – vicinais 9-10 até vicinais 19-20 e a rodovia Transamazônica; 5- Vitória do Xingu/Transa-Leste (localidades na faixa da estrada até Belo Monte; 6- Anapu (toda faixa da Transamazônica e Vicinais...). Amostragem: 717 famílias (Altamira: 206; Brasil Novo 188; Vitória 148; Anapu: 175). “Pessoas-chave: lideranças, agricultores/as pioneiros/as, agentes comunitários, professores. (STR; FETAGRI, 1999, p. 17).

Chama atenção o fato de os documentos apontarem, a partir desta emergência do ‘problema da sucessão’, para a introdução da demanda de formação de jovens rurais no Programa Agroecológico da Transamazônica (PAET) o qual mediava a relação LAET e MPST como instrumento para o desenvolvimento do campo. A ‘crise da formação’ (anteriormente comentada) manifestar-se-ia (ou seria qualificada) na necessidade de uma escolarização que desse conta de profissionalizar a agricultura familiar como instrumento para a permanência no campo. É neste contexto que a nominação jovens agricultores passa a ser predominante nos projetos orientadores da ação coletiva a partir de 1995. Uma destas ações com especificidade sócio-política orientada aos jovens agricultores foi a constituição das Casas Familiares Rurais. Esta afigura-se como um amadurecimento das preocupações iniciais dos agricultores acerca da permanência dos filhos no campo, em condições de ter um estudo diferenciado:

[...] as pesquisas demonstram um outro dado importante: o descaso

para com as questões sociais e a falta de uma política agrícola séria, tem desanimado os jovens filhos dos agricultores e os retirado do campo, isso nos remeteu a responsabilidade de pensar

numa proposta que contemple essa demanda. Desse modo estamos

realizando uma experiência piloto inédita no setor educacional, as Casas Familiares Rurais, onde os jovens agricultores conciliam as

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