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Capítulo III As famílias de orientação dos Jovens Agricultores e as possíveis lógicas que posicionariam a CFR como estratégia para sua reprodução social

QUADRO 4: EXPECTATIVAS DOS PAIS QUANTO AO TIPO DE ATUAÇÃO DESEJADA PARA O FILHO CFR

Fonte: dados de campo/2009.

Proporcionalmente, se observa que entre os pais CFRs definidos como Colonos Pioneiros há uma menor aceitação da possibilidade dos filhos CFRs empregarem-se, isto é, 39% destes pais, contrastando com 50% (4 casos) dos pais CFRs definidos como 2ª geração dos Colonos Pioneiros, os quais somam 8 casos ao todo. Os Colonos Pioneiros, especialmente os mais idosos e que atuam ou atuaram como dirigentes sindicais, são os que mais manifestaram rejeição à ideia de o filho CFR empregar-se e, em geral, atribuem a esta idéia/expectativa uma certa traição às finalidades desta escola125 e principalmente àquela da

formação do ser colono; isto denotaria que estudar para empregar-se, ainda que permaneça no campo, seria uma forma de perder a condição de camponês. Assim eles avaliam:

Eu falo é assim: porque depois eles já não tavam pensando mais em desenvolver que nem começaram. Aí eles já tinham um outro pensamento: queriam estudar o segundo ano e depois continuar. Não era um colono, não ia se preparar pra ser

um colono, o cara já pensava era num emprego, uma coisa bacana. Aí era igual uma escola normal mesmo, aí, resumindo, pra mim perdeu o sentido de Casa Família Rural [...] (Pai 1- Colono Pioneiro/CFR – 1ª turma. Ano de chegada:

1971).

125 Esta ideia também comporia o quadro de avaliações que apontam uma “queda” da CFR, abordada no Capítulo

4. EXPECTATIVA TIPO 1 + POLÍTICO/ +ECONÔMICO TIPO 2 + POLÍTICO/ - ECONÔMICO TIPO 3 - POLÍTICO/ +ECONÔMICO TIPO 4 -POLÍTICO/ -ECONÔMICO TOTAL ABS % SER TÉCNICO AGRÍCOLA PARA CULTIVAR/ DESENVOL VER O LOTE 10 32% 3 10% 3 10% 2 6% 18 58% SER TÉCNICO AGRÍCOLA PARA EMPREGAR- SE 2 6% 4 13% 2 6% 5 16% 13 42% TOTAL 12 38% 7 23% 5 16% 7 22% 31 100%

Observa-se que o fato de uma possível incorporação do desejo/expectativa do filho de empregar-se se diferencia dos dados apontados no estudo já realizado por Arnauld de Sartre (2002, p. 4) sobre os agricultores da Transamazônica, especificamente sobre os que não comporiam, em sua definição, “o nível mais baixo da escala social” – tal como os pais CFRs. Este autor afirma que “os mesmos rejeitam com muita força o assalariamento” e em sua avaliação isto “está ligado a um modo de vida comunitário”, em que os pais desejam que os “filhos reproduzam o modo de vida caracterizado pelo trabalho familiar e a proximidade geográfica”.

Quanto à posição política dos pais dirigentes (tipos 1 e 2), afigura-se que apenas esta posição política não define o desejo de que os filhos permaneçam trabalhando no lote, mas sim esta posição associada à defesa do patrimônio da família e, consequentemente, a possibilidades maiores de ascensão econômica ou manutenção deste patrimônio. Por outro lado, a posição política dos pais CFRs influenciaria a expectativa de que os filhos que lá estudaram assumissem também o lugar social de dirigentes. No quadro abaixo observa-se que este desejo manifesta-se apenas entre os pais dirigentes (tipos 1 e 2), sendo que dentre os entrevistados apenas 26% foram os que espontaneamente manifestaram este desejo ao falarem do futuro profissional esperado para o filho CFR:

QUADRO 5: EXPECTATIVAS DOS PAIS QUANTO AOS FILHOS CFRs SEREM DIRIGENTES

Fonte: dados de campo/2009.

As falas a seguir explicitam que, ao projetarem nos filhos CFRs este lugar social, há junto o desejo de continuidade de sua atuação nas organizações sociais, ou seja, da ideia-valor de “luta”. Porém, revelam a necessidade de que esta atuação se dê fundada na “formação” escolar/técnica; evocando o lugar de mediação da CFR que daria “mais força para atingir” os objetivos do grupo. Esta qualidade do dirigente técnico esperada pelos pais revelaria as condições necessárias para superar os desafios da ‘crise da base’, em uma conjuntura de rotinização e de ‘ambientalização’ em curso nas organizações sociais que difere em muito das suas próprias qualificações:

EXPECTATIVAS TIPO 1 + POLÍTICO/ +ECONÔMICO TIPO 2 +POLÍTICO/- ECONÔMICO TIPO 3 - POLÍTICO/ +ECONÔMICO TIPO 4 -POLÍTICO/- ECONÔMICO TOTAL ABS % EXPECTATIVA DE QUE O FILHO SE TORNASSE DIRIGENTE ALÉM DE TÉCNICO AGRÍCOLA 6 2 - - 8 26% NÃO MANIFESTARAM INTERESSE/EXPECTATIVA NESTE SENTIDO 6 5 5 7 23 74% TOTAL 12 7 5 7 31 100%

Ativada [uma pessoa ativada], e a gente tinha aquele interesse um dia ter um

filho numa associação que fosse um dirigente, e lá na CFR tinha mais força pra se atingir o que agente precisa [...] (Pai 4- Colono Pioneiro/CFR – 1ª turma. Ano de

chegada: 1972).

É que é importante porque eles poderiam ser os futuros dirigentes daqui, entendeu? Não precisa a gente ser tudo aquilo de dirigentes aqui, e sim eles, porque

eles têm a formação [...] (Mãe 2 – 2ª Geração de Colonos Pioneiros / CFR- 4ª

Turma. Ano de Chegada: 1979).

[...] Eu sempre falo pro [faz referência ao filho CFR], eu digo: “– meu filho se você

fosse um cara que quisesse progredir na vida na questão, né, das lutas, do sindicato, política né...”. (Pai 2 - 2ª Geração dos Colonos Pioneiros / CFR 4ª turma.

Ano de chegada: 1974).

As lógicas de escolha do filho CFR, as expectativas depositadas nos mesmos, revelariam tanto mudanças nos critérios de sucessão do lote e/ou de gestão do patrimônio da família, quanto a antecipação de uma nova geração do campesinato, na qual as expectativas dos campos político, familiar, acadêmico e religioso são depositadas, de forma a confluir para um investimento coletivo na capacidade desta nova geração de reproduzir aquela condição social.

Este preparo da nova geração afigura-se imprescindível para manter a condição social, que se faz pela classe e, nesta, pela identidade através da qual os agentes se conhecem e se reconhecem. Nesta perspectiva, há nas lógicas que construíram o filho CFR pelas famílias envolvidas nesta escola uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva. Trata-se, objetivamente, de construções sociais que se dão na trajetória de ações, interações e relações no jogo social, com finalidades de manutenção das condições econômicas de existência. Trata-se também de esquemas de percepção e apreciação, ou seja, estruturas cognitivas e avaliatórias adquiridas pela posição no espaço social, influenciadas pelas estruturas objetivas.

Particularmente sobre os pais CFRs, o desejo de que o filho CFR torne-se técnico agrícola (seja para trabalhar/gerir o lote ou empregar-se sem distanciar-se da família e contribuindo na gestão do lote) resguardaria, a partir de motivações técnicas e políticas, o investimento para que os mesmos permaneçam no campo em condições melhores – via estudo escolar/técnico. Estas expectativas se inscreveriam enquanto estratégias incorporadas ou construídas pelas famílias CFRs como respostas aos desafios de sua reprodução social como classe e como unidade doméstica.

Esta reprodução ou a continuidade da condição social, porém, em conjuntura de racionalização social, apresentaria mudanças que se apresentam na questão a seguir:

O desejo de que o filho CFR possa empregar-se como técnico agrícola, e com isto a admissão de assalariamento pelo campesinato, afigura-se como conseqüência de um modo de

vida societário em curso, qual seja: ficar no campo neste caso, parece apresentar como condição ou desejo a possibilidade de conciliar a gestão do lote paterno e as atividades de extensão rural remuneradas, seja através de órgãos de governos, seja através do STR, dos espaços representativos dos agricultores como associações, cooperativas, etc. Este fato conduziria a novos arranjos na sucessão, senão do lote, da gestão “com planejamento” do patrimônio da família?

A reprodução conciliada com mudanças também se manifesta no fato de os pais desejarem que o filho CFR – portanto na categoria de técnico agrícola – assuma a gestão do patrimônio familiar (consolidado em terra e capital) em dois sentidos:

1) Tendo em vista que a questão sucessória é, fundamentalmente, influenciada pelo tipo de patrimônio (ABRAMOVAY et all, 1998), aquela expectativa dos pais parece ser uma conseqüência direta de transformações em sua condição social promovidas pela ascensão econômica, capitalização via créditos agrícolas e complexificação dos sistemas de produção.

2) A decisão de que o filho “estudado”, o “técnico agrícola da família”, assuma a gestão do lote e/ou do patrimônio familiar é um forte indicativo da influência dos processos em curso de diferenciação social rotinizados e ambientalizados, das políticas de financiamento rural – tal como identificado por Abramovay et all (1998; 2001) no estudo sobre a juventude do campesinato de Santa Catarina –, e da presença de agentes do campo acadêmico/científico/escolar no interior do campesinato.

Tais influências, junto ao estado do patrimônio familiar, parecem contribuir para o credenciamento da educação escolar como instrumento ou recurso das estratégias de reprodução social das famílias: o filho que “deve”/“precisa” ficar no campo é o filho “estudado”. Este fato parece distinguir-se das lógicas tradicionais do campesinato em que a educação escolar torna-se importante – principalmente do ponto de vista econômico – apenas quando credencia os jovens a migrarem para as cidades, tal como apontam os estudos realizados por Abramovay et all (2001), Lamarche (1997) e Garcia Jr. (1989) dentre outros, migração esta que compõe as estratégias de reprodução da família camponesa ainda que parte da mesma “se transforme em não-camponesa” (GARCIA JR, 1983, p. 226).

O que também faz pensar esta incorporação da CFR pelas famílias como possível estratégia de reprodução social é o fato de que nas sociedades camponesas, como analisa Mendras (1978, p. 92), o cultivo da terra e as escolhas matrimoniais são “[...] ocasiões privilegiadas para desenvolver estratégias sábias e de longo alento, pois estas são as duas principais ocasiões em que se introduz uma incerteza no sistema de relações sociais”. Na Transamazônica, entre os pais CFRs, aquela incerteza quanto ao cultivo da terra se faria

presente, tendo em vista a ‘crise dos sistemas de produção’ e os constrangimentos ambientais diversos das experiências tradicionais dos colonos.

De certa forma, parecem estar em jogo nas finalidades atribuídas à CFR pelas famílias e em suas lógicas de escolha do filho CFR, três interesses sociais e resultados possíveis, a saber: 1) a passagem das propriedades intrínsecas e relacionais constitutivas da trajetória social do grupo a estados objetivados, homologados e publicizados em forma de esquemas práticos – ao modo de um habitus de classe (principalmente dos mais envolvidos na proposição da CFR); 2) a atualização destas propriedades por meio da incorporação das espécies de capitais imprescindíveis para a manutenção da condição social na conjuntura contemporânea; 3) a atualização das regras de sucessão pela necessidade do capital escolar/técnico no gerenciamento dos lotes, como será abordado no 4º capítulo.

A proposta pedagógica da CFR codificada com estes conteúdos sociais teria o caráter de práticas sociais geradas enquanto uma das estratégias de reprodução social propondo-se a reafirmar a origem das propriedades intrínsecas (a agricultura familiar camponesa) e das propriedades relacionais (a ideia-valor de ‘luta’ referendada na ação coletiva aglutinadora das organizações sociais) definidoras do habitus de classe e inerentes à condição camponesa.

No momento em que elas aparecem como determinadas pelo futuro, isto é, pelos fins explícitos e explicitamente colocados de um projeto ou plano, as práticas que o habitus produz (como princípio gerador de estratégias que permitem enfrentar situações imprevisíveis e sempre renovadas) são determinadas pela antecipação implícita de suas conseqüências, isto é, pelas antigas condições de produção de seu princípio de produção, de modo que elas tendem a reproduzir as estruturas objetivas das quais elas são o produto (BOURDIEU, 2003, p. 54).

As práticas sociais procedem das condições sociais de produção do habitus, este, por sua vez, é a base de constituição dos pertencimentos, das formas de identificação dos agentes com a sua condição social (BOURDIEU, 2007). As condições de produção do habitus na Transamazônica, contemporaneamente, são marcadas pela racionalização como uma das conseqüências da rotinização social e da codificação em que se configura a CFR. Esta cumpriria este lugar social enquanto estratégia de reprodução, por um lado, construída por mudanças no campesinato e, por outro, mediadora/ratificadora das mudanças que já se fazem presentes, senão anunciadas. Os resultados do capital escolar/técnico mediados por esta escola são – potencialmente – capazes de: (a) transformar/reconverter o capital social e cultural dos jovens agricultores em outra espécie mais rentável e/ou mais legítima para a conjuntura na qual eles se encontram; (b) difundir a cultura da sociedade envolvente e com

isto a incorporação da cidade (cidade política e/ou cidade econômica) pelos jovens agricultores como parte constitutiva de sua condição social.

No capítulo que se segue são analisadas as influências da intervenção social da CFR na condição camponesa dos jovens agricultores, sobretudo focando-se as inserções sócio- profissionais e as diversas posições sociais que as espécies de capitais adquiridas por estes jovens têm possibilitado.

Capítulo IV - Os Jovens Agricultores e sua condição camponesa: inserção sócio-

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