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Capítulo III As famílias de orientação dos Jovens Agricultores e as possíveis lógicas que posicionariam a CFR como estratégia para sua reprodução social

Eram 12 famílias, não tinha ninguém conhecido, se conheceram no caminho [ ] só

queriam [os servidores do INCRA que faziam o cadastro das famílias] gente que tivesse de 4 filhos pra cima [...] nós viemo, quando nós saímos de Goiânia até

Anápolis, era doze homem mais as famílias, a gente parecia que ia pro céu, o que

era de reportagem, nego filmando a gente tudo! Chegando em Anápolis tinha

uma mesa que ia como daqui, lá, no meio da casa assim, no restaurante achava um jeito tudo pra gente almoçar, jantar; aí de lá pra cá viemo, aí quando cheguemo

nesse meio de mundo em 71 essa estrada não era tão boa, avistemo que não era assim tão boa. Aí cheguemo, fomo prum lugar no Tapajós em Belém, perto do

Guamá. [...] tinha um lugar lá que o INCRA tava trazendo esse pessoal de todos os estados do Brasil [...]. Aí quando nós tava um mundo velho de gente, tinha 1200

pessoas lá pra modo de vim, era mulher, menino tudinho [...]. Aí jogaram nós dentro de Altamira. Em Altamira só tinha uma casinha lá, uns armazém que vendia

aqui uma farinha, não tinha nada de assim que desse pro pessoal se alimentar tudo num dia. (Pai 1- Colono Pioneiro/CFR – 1ª turma. Ano de chegada: 1971).

As famílias chegadas durante a década de 1970, inicialmente, ficaram cerca de seis meses em um assentamento provisório97 do INCRA situado a 23 km da cidade de Altamira,

96 Órgão do Estado responsável pelos Projetos Integrados de Colonização e que previa o assentamento de

denominado de João Pezinho, ou no Km 40, próximo ao atual município de Brasil Novo. Estes assentamentos, segundo os relatos, funcionavam como uma espécie de ‘tempo’ para as famílias acostumarem-se às condições climáticas, enquanto se abriam as agrovilas e se demarcavam os lotes, o que, na maioria das vezes, foi feito pelos próprios pais de família, seguindo orientações do INCRA:

[...] E aí o INCRA o que é que fez? Não pode deixar esses pessoal amontoado aqui. E aí pegaram no João Pezinho. O João Pezinho tinha feito uma abertura até lá

adonde é a 23 hoje. E aí trouxeram o pessoal aí e jogaram de dentro, um bucado de barraca dentro, tudo barraquinha baixinha assim. Danado encarou mais

doido do mundo e o pessoal tudo achando ruim não queria ficar. Até que eles tinha assim umas quarenta barracas de palha ali no quarenta e aí foi todo nós pra lá. Aí eles mudou aqui pra frente e nós ficamo pra lá. E aí nós fomos entrando aí cada

um pegando uns lote e aí... mas eles não queriam que trabalhasse, porque sei lá!

Medo, o cara não podia fazer nada aquele ano, por que não sei o quê, podia

adoecer, medo de o cara adoecer e dá trabalho [...] . Aí ficamos seis meses lá. Eu mesmo vim, nós veio, chegamo, pegamo uns lote aqui, eu lembro até pelo mapa, nós viemos até ali, o cara falou que as terra toda era igual, aí nós pegamo,

depois teve a coisa da gente trocar os lotes, mas eu não quis. E aí fiquei aí, tô até hoje aí, mas a vida aqui não foi fácil não. (Pai 1- Colono Pioneiro/CFR – 1ª turma. Ano de chegada: 1971).

Assim, a abertura de lotes pelos colonos não foi feita sem conflitos em diversos casos, especialmente com fazendeiros já instalados nas áreas ou com índios:

Esse lote aqui foi “comprado”, como é que se diz, na raça, não é na raça em todo ponto falando porque essa área aqui se dizia ser de fazendeiro. O meu vizinho do lote aqui até me deu muito conselho pra não entrar nesse lote que os lote era dos

fazendeiro do Paraná e eles não abria mão pra ninguém e naquela época tinha uma pessoa que vigiava [...] nessa emergência, parece que mataram alguém de lá

pro Paraná, chamaram ele pra lá e não voltou mais. E eu entrei no lote, eu

precisava de trabalhar e não levou dois ano o INCRA veio e me assentou no lote [...] Pra cá, veio sete família comigo [...] Tudo conhecido e a maioria da família. Graças a Deus todos eles conseguiram terra, a maioria foi nesse travessão, mas tem umas que ficou lá no 95 [vicinal 95 sul], eles tinha

conseguido, todos conseguiram nesse travessão porque tem uma área aqui que é

área indígena e naquela época dizia ser da Cootrijuir98. Cootrijuir como é? Fez os

pique dessa área foi forte. Com a desistência da Cootrijuir os colono entrou muito, muito nesse travessão, no de lá [do 95 sul], tudo por tudo e depois passou a ser da FUNAI, e a Federal veio e tirou todo mundo sem direito a nada [...](Pai 8-

Colono Pioneiro/CFR – 1ª turma. Ano de chegada: 1979).

Os meados da década de 1970 e, principalmente, “os anos iniciais da década de 1980 na Transamazônica”, coincidem com o auge da recessão provocada pela crise do modelo de intervenção estatal via projeto de colonização agrícola (SIMÕES, 2002). Desta forma, entre as

97 Neste período, as famílias receberam doações de alguns alimentos trazidos pelo INCRA (por vezes jogados

dos helicópteros em movimento que não chegavam a aterrissar, a exemplo dos pacotes de charques destacados pelos colonos entrevistados) e uma ajuda de custo que os colonos chamam de “salário”.

98 Trata-se de uma cooperativa do sul do país que na década de 1970 havia sido responsabilizada para assentar

famílias CFRs que chegaram após a década de 1970, são comuns relatos de que passaram em média dois anos no município do Brasil Novo trabalhando como meeiros ou arrendatários em lotes de terceiros até conseguirem recursos financeiros para a compra do lote próprio, quase sempre por meio da venda de arroz ou de animais de pequeno porte:

Em 75 nós cheguemo, nós se apossemo no km 100 e comecei a trabalhar com outros né, que nosso dinheiro só deu pra chegar aqui, só chegar aqui e pronto, e aí cheguemo aqui, fizemo e não tinha condição nem de ir pra frente [...] aí peguemo

empreitada com os outro pra derrubar mata, roçar mato e plantemo as primeira, foi em trato com os outro e até que foi na época, foi no primeiro ano

mesmo, nós colhemo quase 600 sacas de arroz no nosso nome e aí nós demo de

entrada [...] aí nós paguemo a metade, não deu pra pagar tudo, aí no outro ano

acabemo de pagar o lote. [...] Já o meu lote eu peguei nem me lembro, acho que

em 83, 84 [...] Eu comprei, mas fui praticamente assentado porque já saiu no meu

nome, eu paguei a terra num serviço de um senhor que roçou aqui um pedacinho, mas no nome dele não tava na época, e ele resolveu não ficar aqui e

aí transferiu pra mim [...] (Pai 5 – 2ª Geração dos Colonos Pioneiros / CFR 5ª

Turma. Ano de chegada da família de orientação: 1975).

As famílias CFRs que chegaram durante a década de 1970 estão hoje situadas nas áreas de colonização antiga que têm cerca de 30 anos, em geral em lotes de 100 hectares e localizadas na faixa da estrada (BR 230) ou até 20 km da faixa. As famílias que compraram os seus lotes, em geral dos primeiros colonos que emigraram para as cidades ou outros estados durante a crise inicial do projeto de colonização com o fim do I PIN em 1975, estão situadas em áreas mais distantes, cerca de 25 a 45 km da faixa. Também é comum encontrar estas famílias em áreas cuja ocupação se deu cerca de dez anos após o início da colonização, principalmente na vicinal 130 norte. Os pais CFRs que compõem a 2ª geração dos colonos pioneiros também estão localizados nos lotes e nas vicinais mais distantes, em geral.

Segundo Sablayrolles; Rocha (2003, p.40) “o Incra concentrou os sulistas nas melhores terras [terras roxas ou mistas] do lado oeste [do PIC Altamira]”. Notadamente, estes desenvolveram-se como cacauicultores, diferentemente das famílias assentadas nas “terras fracas”, a exemplo das famílias da CFR de Medicilândia, que apesar de localizadas no lado oeste da Transamazônica residem nas áreas denominadas “terras brancas”, geralmente localizadas do lado norte de Medicilândia, consideradas “as mais fracas”. Segundo pode-se ler abaixo, trata-se principalmente da área que foi institucionalizada na década de 1990 como PA Surubim, que compreende as áreas entre as vicinais 70 norte até 120 norte:

A maioria dos alunos é do PA Surubim, lá tem mais terras fracas, e a CFR ela procura tá trabalhando a questão da agricultura familiar; tem maior dificuldade o pessoal do PA de participar dos cursos oferecidos nas escolas da prefeitura; tem mais jovens com idade de trabalho no lote e têm que se deslocar pra estudar, pois a oferta é mais rara, então a opção da CFR se torna melhor, daí as famílias do PA Surubim aderem mais à proposta da CFR (Liderança local/STR).

No lado sul de Medicilândia, a predominância é de “terra roxa”, propícia ao cultivo de cacau; porém ocorrem aí faixas de terras brancas onde se localizam muitas das famílias de alunos da CFR, inclusive muitos da primeira turma. Assim, dentre as 27 vicinais que compõem a zona rural de Medicilândia, a atuação da CFR vem se concentrando nas seguintes:

QUADRO 2: VICINAIS DE ORIGEM DAS FAMÍLIAS CFR/MEDICILÂNDIA

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