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CAPÍTULO 2: DESLIZAMENTOS SUPERFICIAIS E ESCOADAS DE DETRITOS CARACTERIZAÇÃO DOS

2.3. Deslizamentos de detritos

2.3.1. Definição

O termo deslizamento (slide) refere-se a um “movimento de solo ou rocha que ocorre predominantemente ao longo de planos de rutura ou de zonas relativamente estreitas, alvo de intensa deformação tangencial” (Cruden e Varnes, 1996). O material deslocado

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55 durante o movimento apresenta níveis de deformação variáveis consoante o tipo de deslizamento (Zêzere, 1997).

Atendendo ao modo de deslizamento, Cruden e Varnes (1996) estabeleceram a distinção entre deslizamentos rotacionais, translacionais ou compósitos.

Os deslizamentos rotacionais ocorrem, sobretudo, em materiais homogéneos, ao longo de superfícies de rutura curvas e côncavas. Quando o perfil da superfície de rutura é circular, a massa deslizada poderá deslocar-se, ao longo da superfície, com pouca deformação interna (Cruden e Varnes, 1996). Este tipo de movimento apresenta uma forma topográfica bastante característica, isto é, devido à concavidade do plano de deslizamento, o movimento envolve uma rotação, originando um abatimento do sector montante do deslizamento, bem como um levantamento do sector frontal, o que se traduz na formação de aclives (Zêzere, 1997).

Nos deslizamentos translacionais, a massa desloca-se ao longo de uma superfície de rutura planar ou pouco ondulada, movimentando-se, frequentemente, para além da superfície de deslizamento (Cruden e Varnes, 1996). O movimento é fortemente controlado pela existência de superfícies de fraqueza, tais como falhas, planos de estratificação ou contacto entre uma cobertura detrítica e o substrato rochoso (Zêzere, 1997).

Os deslizamentos com superfície de rutura compósita encontram‐se na transição entre os deslizamentos rotacionais e os translacionais (Cruden e Varnes, 1996). Neste tipo de deslizamentos, o plano de rutura tende a apresentar duas secções (Zêzere, 1997): a montante destaca-se a forma circular ou planar com forte inclinação, enquanto que a secção a jusante apresenta um carácter translacional e uma inclinação mais reduzida.

No sistema de classificação (Hungr et al., 2014), os deslizamentos translacionais passam a ser classificados como deslizamentos em solo (slides in soil) e a adquirir designações diferentes consoante o tipo de material envolvido. Os autores propõem as seguintes definições:

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Deslizamento planar de argila ou silte (clay/silt planar slide). Consiste no movimento lento ou rápido de um bloco de solo coesivo sobre uma superfície inclinada, com rutura planar e formada por uma camada com pouca resistência.

Deslizamento de cascalho, de areia ou de detritos (gravel/sand/debris slide). Este tipo de movimento ocorre em superfícies com rutura planar, pouco profundas e paralelas à superfície topográfica. O material deslocado consiste, geralmente, num revestimento de coluvião, solo alterado ou depósitos piroclásticos que se movimentam sobre um substrato resistente ou sobre um horizonte com baixa condutividade hidráulica.

No caso dos deslizamentos de detritos (fig. 2.1), é raro que o material deslocado permaneça dentro ou próximo da área de rutura. Em certas situações, quando a instabilidade do material não consolidado envolve a perda de coesão e, também, a liquefação total ou parcial, os deslizamentos de detritos podem transformar-se em escoadas de detritos (Hungr et al., 2014). Este tipo de movimento de vertente é um dos mais comuns em todas as zonas climáticas do planeta e caracteriza-se por apresentar uma espessura reduzida, geralmente inferior a 2 m (e.g. van Asch et al., 1999). A velocidade dos deslizamentos de detritos, bem como a sua distância de propagação, aumenta com o declive e diminui com o incremento do conteúdo em argila, tendo sido registadas velocidades até 16 m/s (Corominas, 1996a).

Figura 2.1 – Deslizamento de detritos e principais elementos morfológicos (fonte: adaptado de Cruden e Varnes, 1996).

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57 Refira-se que, na presente tese, as designações de deslizamentos superficiais e deslizamentos de detritos apresentam-se como sinónimos, referindo-se a movimentos que ocorrem ao longo de uma superfície de rutura planar e que afetam os solos superficiais. Deste modo, dos diferentes tipos de deslizamentos anteriormente referidos, neste trabalho apenas serão abordados os deslizamentos de detritos.

2.3.2. Fatores condicionantes (de predisposição e preparatórios) e fatores desencadeantes

De acordo com Glade e Crozier (2005) existem três tipos de fatores que exercem influência na estabilidade de uma vertente: fatores de predisposição, fatores preparatórios e fatores desencadeantes.

Os fatores de predisposição (e.g. litologia, declive) são estáticos e relativos a características intrínsecas ao próprio terreno, o que faz com que determinem a variação espacial do potencial de instabilidade num território. A sua influência não se reduz apenas ao grau de estabilidade, podendo também atuar como catalisador de outros fatores dinâmicos, favorecendo o aumento da sua eficácia (Glade e Crozier, 2005). Contudo, apesar de considerados estáticos, estes fatores podem sofrer alterações a médio ou longo prazo (Garcia, 2012), o que significa que não são totalmente imutáveis. Os locais mais prováveis à ocorrência de deslizamentos de detritos são as bacias de primeira ordem, em vertentes com declives compreendidos entre 18 e 50°, embora a maioria das ruturas se localize entre os 25 e 45° (Corominas, 1996a).

Os fatores preparatórios, em conjunto com os fatores de predisposição, provocam, ao longo do tempo, um decréscimo da margem de estabilidade de uma vertente, sem, no entanto, serem responsáveis pelo início do movimento (Glade e Crozier, 2005). Estes fatores, de carácter dinâmico, podem manifestar-se a escalas temporais relativamente longas (e.g. meteorização, movimentos tectónicos) ou num curto espaço de tempo (e.g. desflorestação, erosão, atividade antrópica) (Glade e Crozier, 2005). No caso dos deslizamentos superficiais, a destruição da vegetação, devido a incêndios florestais ou

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a atividades ligadas à extração de madeira, é um fator preparatório geralmente associado à sua ocorrência (Corominas, 1996a; Gariano e Guzzetti, 2016). Este tipo de movimento de vertente é também frequente em solos residuais, pouco espessos, formados através da meteorização física e química do substrato rochoso (Abramson, 2002).

Os fatores desencadeantes (e.g. precipitação intensa, rápida fusão da neve, precipitação prolongada, erupções vulcânicas, atividade sísmica, abertura de taludes) são, também, dinâmicos e determinam o ritmo temporal dos movimentos de vertente (Glade e Crozier, 2005; Garcia, 2012). Estabelecem a transição entre uma condição marginalmente estável para uma condição de instabilidade ativa, o que significa que são os responsáveis pelo início do movimento (Glade e Crozier, 2005). No que se refere aos deslizamentos de detritos, estes são geralmente desencadeados por precipitação intensa ou por atividade sísmica (Corominas, 1996a; Lee, 2002; Gariano e Guzzetti, 2016), podendo também resultar da combinação de ambos os fatores (Tang et al., 2011a). A quantidade total de precipitação necessária para desencadear deslizamentos superficiais é menor comparativamente aos deslizamentos cuja superfície de rutura se localiza a uma maior profundidade (van Beek, 2002).