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CAPÍTULO 3: METODOLOGIA

3.3. Modelação das áreas de propagação de deslizamentos superficiais e escoadas de

3.3.2. Modelo Flow-R

O modelo empírico Flow Path Assessment of Gravitational Hazards at a Regional Scale (Flow-R), desenvolvido na Universidade de Lausanne (Suíça), permite a identificação automática de potenciais áreas de iniciação e a simulação da propagação de escoadas de detritos à escala da bacia (Horton et al., 2008, 2011; Blahut et al., 2010b; Kappes et

al., 2011; Baumann, 2011; Fischer et al., 2012; Stalsberg et al., 2012; Quan Luna et al.,

2014), bem como de outro tipo de processos gravitacionais (Michoud et al., 2012; van Westen et al., 2014).

A identificação das potenciais áreas de iniciação é apoiada em métodos de indexação. Os dados de base, frequentemente utilizados, baseiam-se no MDT e variáveis derivadas, bem como num conjunto de parâmetros definidos pelo usuário, os quais

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107 pretendem refletir as condições responsáveis pela iniciação das escoadas de detritos. Em alternativa, o modelo permite a introdução de áreas de iniciação, previamente geradas por outros métodos, sob a forma de ficheiros matriciais binários.

Uma vez definidas as áreas de iniciação, é possível calcular a propagação potencial do fluxo de detritos. O procedimento implica a combinação de algoritmos probabilísticos de direção de escoamento, que visam a definição do trajeto das escoadas, com algoritmos baseados em cálculos simplificados de energia, que estabelecem a distância máxima de propagação (Horton et al., 2008, 2011). Assim, considerando os parâmetros selecionados pelo usuário, é definida, para cada uma das potenciais áreas de iniciação, a superfície afetada pela passagem e deposição do fluxo de detritos. O volume da massa deslocada não é tido em conta na análise devido à dificuldade em estimar, à escala regional, a erosão e deposição dos sedimentos ao longo do trajeto percorrido (Horton et al., 2011).

O modelo Flow-R dispõe de vários algoritmos para a definição probabilística da direção de escoamento. Embora a escolha fique a cargo do usuário, vários trabalhos recomendam a utilização do algoritmo de Holmgren para a simulação da propagação das escoadas de detritos (e.g. Horton et al., 2008, 2011, 2013; Blahut et al., 2010b; Baumann, 2011; Kappes et al., 2011; Fischer et al., 2012; Quan Luna et al., 2014; van Westen et al., 2014). Os algoritmos de direção de escoamento permitem que o fluxo seja direcionado de uma célula central para, pelo menos, uma das oito células vizinhas. No algoritmo D8 (O’Callaghan e Mark, 1984), um dos primeiros a ser implementado, é atribuída, a uma determinada célula, uma única direção de escoamento. Assim, tendo em conta as oito células vizinhas, somente se considera a direção que apresenta um maior declive. Porém, a distribuição do fluxo em apenas uma das 8 direções possíveis, separadas por ângulos de 45°, pode ser encarada como demasiado simplista e sensível a pequenos erros, o que dificulta um adequado ajuste às condições topográficas (Horton et al., 2008), nomeadamente no que respeita à representação de fluxos divergentes. Uma forma de ultrapassar as limitações impostas pelo algoritmo anterior passa pela introdução de métodos de direções múltiplas, tais como o D∞ (Tarboton, 1997), o método proposto por Quinn et al. (1991) e o método de Holmgren (Holmgren,

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1994). No D∞, considerando uma janela de 3x3, centrada numa determinada célula, a direção do escoamento é caracterizada por um número infinito de possibilidades, representadas por ângulos compreendidos entre 0 e 2π. Assim, o fluxo proveniente de uma determinada célula é distribuído proporcionalmente, no sentido do maior declive, pelas duas células vizinhas mais próximas. Não obstante a melhoria introduzida, relativamente ao D8, o algoritmo apresenta, ainda assim, limitações significativas no cálculo da dispersão (spreading) das escoadas de detritos, particularmente ao nível da representação da divergência do fluxo que, frequentemente, ocorre no final da distância de propagação (Horton et al., 2008). Esta questão é contornada pelo método de direções múltiplas proposto por Quinn et al. (1991), no qual o fluxo é distribuído, proporcionalmente, por todas as células com declive superior a zero. Embora este método seja vantajoso para calcular a propagação de forma mais detalhada e realista, ele apresenta a desvantagem de exacerbar a representação da dispersão (Horton et

al., 2008). Por conseguinte, Holmgren (1994) adicionou um expoente ao algoritmo

anterior, de forma a controlar a divergência do fluxo (equação 3.13).

𝑓𝑠𝑖 = (𝑡𝑎𝑛𝛽𝑖)(𝑡𝑎𝑛𝛽𝑋

𝑖)𝑋 8

𝑗=1 , (3.13)

Onde 𝑖, 𝑗 são as direções de fluxo (1…8); 𝑓𝑠𝑖é a proporção do fluxo (0…1) na direção 𝑖; 𝑡𝑎𝑛𝛽𝑖 é o declive entre a célula central e a célula na direção 𝑖; 𝑋 é um expoente variável.

Quando 𝑋 = 1, o escoamento apresenta múltiplas direções, mas se 𝑋 → ∞, gera-se uma única direção de escoamento (D8), pelo que quanto mais elevado for o expoente, maior é a convergência do fluxo. De acordo com Horton et al. (2008), para a representação da dispersão das escoadas de detritos, os valores ótimos do expoente de Holmgren variam entre 4 e 6.

O conceito de inércia, que neste contexto corresponde à tendência do fluxo para manter a sua direção, é também incluído no modelo através de uma função de persistência (persistence function) (equação 3.14), na qual as direções do fluxo são

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109 ponderadas com base na mudança de ângulo, em relação à direção anterior (Gamma, 2000 citado por Horton et al., 2008, 2011, 2013, entre outros).

𝑓𝑝𝑖= 𝜔0 ⟺ 𝛼𝑖 = 0° 𝑓𝑝𝑖= 𝜔45 ⟺ 𝛼𝑖 = 45°

𝑓𝑝𝑖= 𝜔90 ⟺ 𝛼𝑖 = 90° (3.14) 𝑓𝑝𝑖= 𝜔135⟺ 𝛼𝑖 = 135°

𝑓𝑝𝑖= 0 ⟺ 𝛼𝑖 = 180°

Onde 𝑖 são as direções de fluxo (1…8); 𝑓𝑝𝑖 é a proporção do fluxo (0…1) na direção 𝑖; α𝑖 é o ângulo compreendido entre a direção anterior e a direção entre a célula central e a célula 𝑖; ω0,45,90,135 são ponderações para a correspondente mudança na direção. A célula oposta à direção do fluxo é nula (ω180 = 0), de forma a evitar que a propagação ocorra em sentido contrário, o que poderia conduzir a processos de modelação bastante morosos (Horton et al., 2013).

A probabilidade final resulta da combinação do algoritmo de direção de escoamento com a função de persistência, de acordo com a equação 3.15 (Horton et al., 2008, 2011).

𝑓𝑖 =

𝑓𝑠𝑖 𝑓𝑝𝑖

∑8𝑗=1 𝑓𝑠𝑗 𝑓𝑝𝑗 𝑓0, (3.15)

Onde 𝑖, 𝑗 são as direções de fluxo (1…8); 𝑓𝑖 é a proporção total do fluxo (0…1) na direção 𝑖 (ou seja, o valor da probabilidade na direção 𝑖); 𝑓𝑠𝑖 é a proporção do fluxo de acordo com o algoritmo de direção; 𝑓𝑝𝑖 é a proporção do fluxo de acordo com a persistência; 𝑓0 é a proporção do fluxo, previamente determinado, da célula central. A modelação da propagação, a partir de uma dada célula de iniciação, é executada apenas uma vez. Todas as células, desde que apresentem um valor mínimo de probabilidade, são incluídas no trajeto percorrido pela escoada de detritos. Porém, os valores de probabilidade deverão ser interpretados qualitativamente, e não do ponto de vista matemático (Horton et al., 2011).

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Para avaliar a distância máxima de propagação, utilizam-se algoritmos baseados em cálculos simplificados de energia, os quais definem se uma célula poderá ser potencialmente intercetada pela escoada de detritos, ou se, pelo contrário, a energia do fluxo não é suficiente para tal. Uma vez que o modelo não entra em consideração com o volume da massa deslocada, o cálculo da distância máxima de propagação baseia-se num balanço de energia processado numa unidade de massa (equação 3.16), numa função de perda de energia por atrito (equação 3.17) e num limite máximo de velocidade. Embora a abordagem seja bastante simplificada, quando comparada com a complexidade real dos processos físicos, ainda assim ela permite obter resultados realistas (Horton et al., 2008, 2011, 2013). A energia cinética, correspondente a um determinado intervalo de tempo, é obtida através da seguinte equação:

𝐸𝑘𝑖𝑛𝑖 = 𝐸𝑘𝑖𝑛𝑖−1+ ∆𝐸𝑝𝑜𝑡𝑖 − 𝐸𝑙𝑜𝑠𝑠𝑖 , (3.16)

Onde 𝐸𝑘𝑖𝑛é a energia cinética; 𝐸𝑝𝑜𝑡é a variação na energia potencial; 𝐸𝑙𝑜𝑠𝑠é a constante de perda de energia por atrito; e 𝑖 = intervalo de tempo (time step).

A perda de energia pode ser calculada através de um modelo de atrito simples, com um único coeficiente (equação 3.17). Este modelo é baseado na máxima distância de propagação possível, a qual é caracterizada por um ângulo de alcance mínimo (angle

of reach). O ângulo de alcance – formado entre a linha imaginária, que liga a área de

iniciação com o ponto mais distal da massa deslocada, e o plano horizontal – expressa a mobilidade relativa de um movimento de vertente (Corominas, 1996b). Deste modo, o princípio do ângulo de alcance, também conhecido como método de Fahrböschung, é implementado na determinação da distância máxima de propagação, servindo de medida para a perda de energia por atrito.

𝐸𝑙𝑜𝑠𝑠𝑖 = g ∆x μ = g ∆x 𝑡𝑎𝑛 𝜙

𝑏 , (3.17) Onde ∆x é o incremento do deslocamento horizontal; 𝜙𝑏 é o ângulo de atrito basal ligado ao coeficiente de atrito μ; g é a aceleração gravítica. Segundo Horton et al. (2011) estabelece-se, como limite inferior de 𝜙𝑏, o declive médio do trajeto, de acordo com o qual a escoada cessa o movimento.

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111 De forma a obter resultados realistas, é necessário estabelecer um limite para a energia cinética envolvida no processo. No caso da simulação da propagação das escoadas de detritos, é definido um limite máximo de velocidade, com base nos conhecimentos adquiridos para a área em estudo (Horton et al., 2008, 2011, 2013). O movimento do fluxo é interrompido quando a energia cinética atinge o valor 0.

A simulação da propagação é executada para cada célula classificada como área de iniciação. Como resultado, são produzidos dois temas, os quais representam o valor da energia cinética e a probabilidade de propagação das escoadas de detritos. Tal como foi anteriormente referido, o mapa de probabilidade deverá ser avaliado de forma qualitativa. Quanto ao mapa de energia cinética, o mesmo deverá ser interpretado com algumas reservas, na medida em que o modelo não entra em consideração com o volume da massa deslocada (Horton et al., 2013).