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CAPÍTULO 2: DESLIZAMENTOS SUPERFICIAIS E ESCOADAS DE DETRITOS CARACTERIZAÇÃO DOS

2.5. Escoadas de detritos

2.5.2. Evolução e cinemática das escoadas: iniciação, transporte e deposição

2.5.2.2. Transporte

Após o início do movimento, o material mobilizado percorre a zona de transporte. A zona de transporte consiste num canal de drenagem, com declive geralmente superior a 10°, cujo substrato pode ser ou não erodível, ou encontrar-se preenchido com sedimentos soltos (Hungr, 2005). A propagação do fluxo não é sempre uniforme. Durante um evento, o material poderá deslocar-se através de um único impulso (surge) ou poderão ocorrer dezenas de impulsos, com intervalos de tempo de segundos a horas, que transportam um volume variável de detritos (Hungr, 2005).A

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intermitência dos impulsos é bastante comum, independentemente do tipo de material que predomina, verificando-se tanto em escoadas de detritos com maior plasticidade (fluxos de uma fase) como em escoadas onde domina a tensão originada pela colisão entre detritos (fluxos de duas fases) (Takahashi, 2007a). O carácter pulsátil das escoadas de detritos é frequentemente atribuído à instabilidade intrínseca do fluxo, caso os ciclos não excedam algumas centenas de segundos (Takahashi, 2007a). Outras explicações para os impulsos sucessivos relacionam-se com a obstrução temporária do canal de drenagem e com a introdução de material proveniente de deslizamentos superficiais (Iverson, 1997).

A presença de um canal de drenagem, no qual ocorre a propagação do fluxo, permite que se verifiquem duas condições (Hungr et al., 2001): por um lado, a água transportada no canal é incorporada pelo fluxo de detritos, o que leva a um aumento do seu conteúdo em água; por outro, o confinamento lateral possibilita a manutenção da espessura do fluxo e facilita a ordenação longitudinal dos detritos.

O perfil longitudinal de uma escoada de detritos com acumulação de blocos na parte frontal (fluxo de duas fases) é tipicamente dividido em três partes principais (fig. 2.4), de acordo com as diferenças ao nível da concentração de sólidos.

Figura 2.4 – Perfil longitudinal de uma escoada de detritos com acumulação de blocos na parte frontal (fonte: adaptado de Pierson, 1986 in Hungr, 2005).

Transição Cauda

Início da

turbulência Partículas grosseiras em suspensão

Frente Impulso precursor Direção do fluxo Fluxo hiperconcentrado Acumulação de blocos (não liquefeitos) Escoada de detritos totalmente desenvolvida Concentração variável

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71 Na parte frontal (frente), para além da ausência de matriz, verifica-se uma maior espessura do fluxo e a acumulação de detritos grosseiros, o que lhe confere um aspeto abrupto. O seu conteúdo em água é bastante reduzido devido à elevada permeabilidade inerente ao tamanho dos interstícios (Iverson, 1997, 2005; Hungr, 2005; Takahashi, 2007a).

A génese das acumulações de detritos grosseiros na frente das escoadas – alguns dos quais com vários metros de diâmetro – tem sido frequentemente associada à estrutura de gradação inversa, na qual a granulometria diminui do topo para a base do depósito (Takahashi, 2007a). Os mecanismos responsáveis por este tipo de estrutura podem ser complexos e envolver mais do que um processo (Iverson, 1997), razão pela qual têm sido alvo de estudo por parte de diversos investigadores. Takahashi (1980, citado por Takahashi, 2007a, 2009) elaborou um modelo conceptual, posteriormente testado em laboratório, que visa explicar o processo de gradação inversa com base no conceito de Bagnold (1954, citado por Takahashi, 2007a, 2009, entre outros), segundo o qual a colisão entre partículas origina uma pressão dispersiva, o que promove a suspensão dos grãos. Neste modelo, a velocidade aumenta da base para a camada superior do fluxo, atingindo um valor médio entre estes dois limites. Consequentemente, quando os detritos de maior dimensão são transferidos para a camada superior do fluxo, onde a velocidade é mais elevada, os mesmos são transportados a uma velocidade superior à velocidade média de propagação da frente da escoada. Ao chegarem à parte frontal, caem sobre o substrato e são incorporados pelo fluxo. Porém, quando o seu tamanho é superior ao dos detritos circundantes, eles surgem novamente na camada superior do fluxo, o que origina uma repetição de todo o processo anteriormente descrito e, naturalmente, a acumulação de material grosseiro na frente da escoada (fig. 2.5). Outro mecanismo que visa explicar a segregação granulométrica dos sedimentos, e que acaba por ser contrário ao anterior, consiste no peneiramento cinemático (kinetic

sieving) (Middleton, 1970 citado por Scott, 1988 e por Iverson, 1997, entre outros). De

acordo com este mecanismo, os sedimentos mais finos deslocam-se pelos interstícios que se vão formando durante a agitação das partículas, dando origem a uma

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acumulação de material fino na base e, consequentemente, a uma acumulação residual de sedimentos grosseiros na superfície do fluxo e na frente da escoada.

Figura 2.5 – Perfil longitudinal (a) e perfil planimétrico (b) da representação da trajetória dos sedimentos e consequente segregação granulométrica (fonte: adaptado de Iverson, 2005).

A parte intermédia (corpo) da escoada antecede a parte frontal e corresponde a uma massa com menor espessura, constituída por sedimentos mais finos, onde a pressão na água dos poros é suficiente para provocar a liquefação do material (Iverson, 1997; Iverson, 2003; Hungr, 2005).

A parte terminal (cauda), que apresenta uma diminuição significativa da concentração de sólidos, corresponde a um fluxo hiperconcentrado com características semelhantes a uma debris flood devido, essencialmente, à sua composição fluida e turbulenta (Hungr, 2005; Iverson, 2005; Ancey, 2010).

A ordenação longitudinal, ao nível da concentração de sólidos, tem um reflexo direto na mobilidade do fluxo. Deste modo, a frente da escoada, caracterizada por uma elevada resistência devido ao domínio de forças sólidas, retarda a mobilidade da parte terminal (cauda), com menor resistência e sob a influência de forças fluidas (Iverson, 1997).

No caso das escoadas de detritos de tipo viscoso (fluxos de uma fase), cujo material envolvido é praticamente idêntico ao da zona de iniciação, a ausência de acumulações

Recirculação de pequenos grãos

Advecção frontal

de grãos grosseiros Recirculação de grãos grosseiros

Recirculação de pequenos grãos

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73 de blocos na parte frontal é uma das características que as distinguem das escoadas anteriormente referidas (fluxos de duas fases). Ainda assim, as escoadas de detritos do tipo viscoso têm a capacidade de transportar blocos de grandes dimensões, os quais são posteriormente depositados, de forma dispersa, na área de acumulação (Takahashi, 2007a).

O mecanismo de transporte do fluxo de detritos é geralmente acompanhado pela incorporação de sedimentos (entrainment). Existem dois tipos de mecanismos que atuam na incorporação de sedimentos no fluxo de detritos. Uma primeira tipologia deve-se à combinação da força gravítica e da força de atrito, associadas à passagem de uma massa de detritos saturada, que poderá instabilizar o leito do canal de drenagem – nas situações em que o declive é superior a 10° – e originar a erosão massiva dos sedimentos que o preenchem, assim como a respetiva incorporação no fluxo (Hungr et

al., 2005a). Para a instabilização do leito do canal também contribui, em larga medida,

a perda de resistência do material devido a um rápido carregamento não drenado, a uma carga de impacto ou à liquefação. De acordo com Sassa e Wang (2005), uma massa de detritos, ao deslocar-se sobre os depósitos soltos, origina um carregamento não drenado que pode elevar a pressão intersticial dos depósitos, o que facilita a sua incorporação na massa em movimento. Um segundo mecanismo responsável pela incorporação de sedimentos no fluxo de detritos provém da instabilidade das margens do canal, resultante da erosão do próprio leito. A instabilidade das margens poderá desencadear uma resposta imediata, através da ocorrência de deslizamentos superficiais e introdução de material diretamente no fluxo, ou uma resposta tardia, com a libertação de material no canal, que será incorporado no fluxo seguinte. Segundo Hungr et al. (2005a), estes processos são extremamente complexos e difíceis de quantificar, tendo em conta que o nível de estabilidade das margens dos canais (incluindo a coesão promovida pela vegetação) e as relações temporais entre descargas de fluxos, erosão do leito, rutura das margens e mistura de água e detritos, são variáveis difíceis de obter.

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