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Desmistificando o cientista?

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CAPÍTULO IV – A Ciência na corda bamba

4.1 Desmistificando o cientista?

Se, como observou CAPOZZOLI (2002), um aspecto importante do jornalismo científico brasileiro foi a desmistificação da figura do cientista, uma pergunta fundamental para esse trabalho é: em que medida o discurso do programa contribui ou não para essa desmistificação?

Evidentemente, aqui não cabe uma resposta unívoca, na medida em que o discurso analisado é amplo e heterogêneo o bastante para que a resposta mude segundo a matéria ou o dia analisado. Assim, se em uma matéria como Cordão da vida aparecem cientistas em locações que parecem saídas de filmes de ficção científica, por outro lado, matérias como as da série Fôlego, nas quais o especialista lança mão de suas experiências pessoais, tendem a aproximar o cientista do telespectador,

retirando-lhe um pouco da aura de onipotência.

Contudo, essa heterogeneidade não é privilégio do discurso do Fantástico, já que para análise do discurso todo texto é híbrido e, portanto, heterogêneo (PINTO, 1999, p.27). A questão é que, nesse caso, a autoria não se atribui a uma pessoa, mas a um programa que, como ficou demonstrado no segundo capítulo, unifica vozes e compõe um discurso próprio, que mantém suas características independentemente da mudança de apresentadores, repórteres ou diretores. Discurso que pode ser analisado sob diferentes recortes: uma matéria, um programa inteiro ou, como é o caso desse estudo, uma seleção temática. Sendo assim, é em meio a essas dissonâncias que se deve buscar a imagem que o programa constrói do cientista.

Um aspecto importante para a construção de uma imagem saudável do cientista passa certamente pelo questionamento e pelo exercício da dúvida CALDAS (1998), afinal, se sua palavra for incontestável, então sua imagem será investida de uma aura superior à daqueles que devem ouvir sem argumentar.

Nesse sentido, o uso recorrente da ciência como argumento de autoridade já é um indicativo de que para o programa o cientista ainda é alguém acima de questionamentos.

Como se verificou no capítulo anterior, a grande maioria das matérias demonstra uma posição de alinhamento do programa com a informação fornecida pelos cientistas. Esse alinhamento não implica, pelo menos em princípio, naquilo que OLIVEIRA (2002, p.14) chama de “cultura de papagaios de cientistas” nos meios de comunicação, já que não se trata de negar a informação obtida pela ciência, mas sim de ter a clareza de que essa, como tantas outras, é “uma atividade estritamente humana, com implicações diretas nas atividades sócio-econômicas e políticas de um país” [grifo nosso](OLIVEIRA, 2002, p.14).

Assim, no próprio programa é possível encontrar matérias que ultrapassem a concepção do jornalista como simples tradutor da fala dos cientistas, como no caso da matéria “Os efeitos da cocaína”, na qual uma cuidadosa costura entre a fala do cientista e informações de senso comum demonstram não só alguma proximidade entre essas duas formas de conhecimento, como colocam em evidência aspectos da atividade do pesquisador que o aproximam do cidadão comum, por exemplo, gostar de música e usa-la como uma ferramenta auxiliar em sua atividade profissional.

Entretanto, essa pode ser considerada uma exceção no conjunto das reportagens analisadas, uma vez que a grande maioria das matérias demonstra total alinhamento do programa com a informação científica e quase sempre esse alinhamento implica em que o argumento do cientista tenha lugar privilegiado na matéria.

Do ponto de vista da argumentação, é raro encontrar alguma matéria em que o programa faça algum questionamento a respeito do trabalho ou das conclusões do cientista. Na matéria Cordão da vida há uma breve menção à discrepância de opiniões entre médicos sobre a necessidade do congelamento do sangue dos cordões umbilicais, mas essa informação não é suficiente para minimizar a atmosfera criada anteriormente pela matéria.

Há outros momentos em que a figura do cientista aparece menos onipotente, por exemplo, na matéria Farsas do além: novo desafio, quando o médico especialista em dependência química abre outras opções que não a medicina para resolver esse problema. Porém, esses casos são muito menos freqüentes do que seus opostos, quando os especialistas aparecem tão senhores da verdade que ganham o direito de aconselhar aos milhões de espectadores com base nos conhecimentos que, por mais corretos que sejam, são limitados às condições específicas de sua construção.

Sob esse aspecto, é importante salientar que em nenhum momento a informação científica é questionada diretamente pelo programa, que muitas vezes trata o cientista quase com deferência. Em nenhuma das matérias, mesmo aquelas em que as informações cientificas sofrem algum tipo de confrontação, é possível encontrar um membro da equipe do programa questionando afirmações de cientistas. Os confrontos ou questionamentos só se dão através da fala de outros cientistas ou, em alguns poucos casos, na fala de pessoas que, embora não cientistas, estejam envolvidas com tema.

A matéria Milagre ou Natureza é um exemplo interessante de como se configura essa característica do discurso do Fantástico. Essa é uma das poucas matérias em que não há uma única explicação científica, já que físicos e engenheiros discordam sobre as causas do fenômeno e o psicólogo responsável pela investigação do caso reluta em admitir que a imagem é formada por causas naturais, no entanto, essas discordâncias aparecem pela costura das falas do especialista, nunca na interferência do repórter. A equipe do programa se abstém de qualquer posicionamento ou opinião.

Como já foi possível notar pela análise das matérias, isso não significa que o Fantástico de fato seja neutro em relação à ciência, mas sim que as estratégias das quais ele se utiliza para posicionar- se não contribuem para a desmistificação da imagem do pesquisador científico, já que implicitamente indica que apenas um cientista tem subsídios para argumentar com outro.

No caso de Milagre ou natureza, o silêncio do programa poderia ser interpretado como imparcialidade respeitosa em relação à fé popular, mas, assumindo as considerações de ORLANDI (1993) verifica-se que esse silêncio ganha aspectos determinantes do posicionamento do programa, principalmente porque “o silêncio não está disponível à visibilidade, não é diretamente observável. Ele passa pelas palavras” (ORLANDI, 1993, p.34). Palavras que aqui são as dos especialistas em

confronto, o que dificulta a percepção de que toda a reportagem argumenta em um sentido, o de que se trata de um fenômeno natural e não de um milagre.

Por não assumir explicitamente essa posição, o programa transfere aos cientistas a responsabilidade sobre as afirmações, mas, ao mesmo tempo, as endossa por meio de certos recursos, como deixar a última fala ao engenheiro que não acredita no milagre. Ao abster-se de explicitar sua posição, o programa supervaloriza a posição dos cientistas, mesmo que sejam conflitantes. Como afirma KOCH (1984, p.19), “o discurso que se pretende ‘neutro’, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade”.

Da mesma forma, em todos os casos em que leigos aparecem de alguma forma questionando ou contrariando a informação científica, o programa tece seu discurso de maneira a proporcionar um tempo de participação mais ou menos igual a todos os envolvidos, mas a costura final sempre privilegia e confirma a posição do cientista.

Assim, na matéria Bronzeamento artificial sob controle, aparece uma pessoa atestando que se submete ao tratamento e que nunca teve problemas. Fala imediatamente contestada pelo cientista que nega as evidências imediatas e adverte sobre os riscos em longo prazo.

O mesmo acontece em outras duas reportagens, Fôlego: o segundo dia sem cigarro, quando Dráuzio Varela se aproveita da fala de um adolescente que declara não acreditar que pessoas desenvolvam dependência química para demonstrar tanto que a dependência de fato ocorre, como quão perigosa pode ser a ignorância, e na matéria Cirurgia que ameniza o latido dos cães, quando a argumentação de uma proprietária que submeteu seu animal ao procedimento é rebatida pela fala até irônica de um veterinário.

O importante nessas três matérias não é tanto a correção da informação científica, de fato estão comprovados tanto os riscos da exposição aos raios ultravioletas como dependência química de diferentes substâncias, a questão mais relevante é a opção recorrente por essa forma de compor o discurso, que coloca em campos opostos o leigo e o cientista.

Assim, ao analisar um período mais longo, verifica-se que alguns esforços no sentido de aproximar o cientista do telespectador, caso do próprio Varela descrevendo sua experiência pessoal, acaba se perdendo na construção sistemática de um discurso que evita essa aproximação.

Outro aspecto recorrente no programa que implica no afastamento entre público leigo e cientistas é, como já foi brevemente citado, a escolha de locações estranhas ao telespectador médio, onde aparecem muitos equipamentos de laboratório completamente desconhecidos do leigo e que, entretanto, não acrescentam informação à reportagem. É o caso do que parecem ser

tanques de nitrogênio na matéria Cordão da Vida, que aparecem como pano de fundo para a entrevista com uma cientista.

Na matéria Viagem pelo corpo humano, embora o objetivo seja justamente apresentar um moderno equipamento, as imagens são também espetaculares e assépticas, como se o próprio equipamento fosse um representante da neutralidade da ciência. O paciente é colocado dentro de um grande aparelho branco e silencioso e de lá saem imagens fantásticas do que, afirmam, seja o interior de seu corpo. Como já foi dito, nessa matéria a autoridade se traveste de explicação na medida em que o médico vai descrevendo imagens falsamente compreensíveis.

Técnicas comuns do jornalismo, como as falas em off do apresentador ou do repórter (CURADO, 2002), acompanhadas de imagens relativas ao tema também contribuíram, em alguns momentos, para um afastamento entre telespectador e cientistas.

Alguns casos são Aids, o preconceito ainda persiste, ilustrada com imagens de modernos laboratórios enquanto o apresentador fala da busca de uma vacina contra a doença. O mesmo ocorre nas matérias Juventude para o Papa, que utiliza o mesmo recurso para ilustrar a explicação sobre as possíveis ações de antioxidantes, e Fim do mundo, que mostra imensos equipamentos de astronomia entremeados com animações que ilustrariam o asteróide que poderia vir a colidir com a terra.

É importante salientar que o recurso da narração em off é muito comum no jornalismo e, em matérias que versam sobre outros assuntos, normalmente as imagens ilustram o que o jornalista está dizendo - as casas inundadas quando se fala de uma enchente, por exemplo - e são facilmente identificáveis pelo telespectador. Nos casos citados acima, contudo o que se verifica é um esforço para demonstrar que se está falando de ciência e não há uma relação direta entre a imagem e o texto. Não há como saber, por exemplo, se aquelas pessoas com máscaras cirúrgicas operando modernos equipamentos estão de fato trabalhando na pesquisa para encontrar a vacina contra a Aids ou se aquela é uma imagem de arquivo de um laboratório qualquer, que aparece na matéria apenas pelas boas condições de luz ou enquadramento que oferece.

Esse aspecto é fundamental se for levado em consideração que “um texto só faz sentido para alguém que nele vê sentido” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 113), de forma que esses objetos e ambientes, em princípio desconhecidos do telespectador, ou geram ruído na comunicação, ou são interpretados sob outros aspectos que não os de sua utilidade prática, a aparência de moderno ou o encanto do desconhecido, por exemplo.

Segundo SILVERSTONE (2002, p. 50), é possível entender “a tecnologia como cultura: ver que as tecnologias, no sentido que inclui não só o quê, mas também o como e o por quê da máquina e

seus usos, são objetos e práticas simbólicos e materiais, estéticos e funcionais” e é nessas outras possibilidades de entender a tecnologia que se basearão as interpretações das imagens que não acrescentam diretamente informação sobre o assunto abordado, mas servem para marcar certas posições, como alardear a complexidade e o desenvolvimento das ciências.

Esse estranhamento talvez possa ser explicado, em parte, por um outro aspecto importante da comunicação da ciência: a alfabetização científica. Toda nova tecnologia é inicialmente estranha e só aos poucos vai se introduzindo no repertório das pessoas. Assim, a idéia de cozinhar alimentos pela emissão de ondas eletromagnéticas poderia parecer improvável a trinta anos, mas hoje é parte do cotidiano de muitas famílias e, mesmo sem que se conheça a fundo seu funcionamento, já não causa estranheza.

Certas tecnologias naturalmente não são desenvolvidas para o uso doméstico, mas mesmo assim podem fazer parte do repertório das pessoas, como ocorreu, por exemplo, com o microscópio tradicional, que quase todo mundo, de alguma forma, sabe para que serve.

Então, cabe aqui a segunda pergunta: em que medida o programa contribui para a alfabetização científica?

4.2 Ensinando ciência?

Em diversos momentos esse estudo ressaltou a importância de abordar a ciência como uma atividade essencialmente social e, sendo assim, as discussões a seu respeito precisam ultrapassar os limites dos laboratórios científicos ou dos gabinetes políticos para alcançar toda a sociedade. Nesse sentido, EPSTEIN (1998, p.192) afirma:

Erradicar o analfabetismo científico é uma das vias seguras para incentivar as vocações à carreira de investigador científico e também engajar a participação da população em geral na problemática das políticas de desenvolvimento científico e tecnológico.

A partir daí, cabe identificar que agentes sociais podem envolver-se nessa tarefa. O primeiro deles talvez seja a escola, já que esse é o local privilegiado da transmissão do conhecimento científico em nossa sociedade. Entretanto, como salienta VALENTE (2000), a aprendizagem não pode restringir- se apenas ao ambiente escolar, mas deve ser uma habilidade adquirida e exercitada ao longo da vida. Dessa forma, a participação dos meios de comunicação nos processos de transmissão do conhecimento é de fundamental importância, não apenas considerando os ideais de comunicar para educar de Roquete Pinto (TAVARES, 1999), mas principalmente pela presença ostensiva dos meios, em particular da televisão, no cotidiano das pessoas.

SILVERSTONE (2002, p.13), justificando a importância do estudo da mídia ressalta esse aspecto e afirma:

é por ser tão fundamental para nossa vida cotidiana que devemos estudar a mídia. Estuda- la como dimensão social e cultural, mas também política e econômica, do mundo moderno. Estudar sua onipresença e sua complexidade. Estuda-la como algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados.

Assim, bem ou mal a televisão educa, na medida em que é um importante agente na transmissão de informações e valores. Com isso, não há porque insistir em que a programação para o entretenimento seja por natureza alienante ou que programação para educação seja chata ou desinteressante.

A questão é que nem sempre a educação se dá de maneira satisfatória e construtiva, ocorra ela através da televisão ou dos bancos escolares. Se FREIRE (1975) criticou a informação fragmentada e estanque oferecida pela escola, talvez seja possível criticar a televisão por disseminar a cultura do superficial, dos fast-thinker (BORDIEU, 1997).

Por outro lado, da mesma forma que existem abordagens alternativas para a “educação bancária” (FREIRE, 1975), a televisão também pode oferecer outro conteúdo além daquele que privilegia a compreensão fácil e acrítica. A esse respeito, MACHADO (2000) comenta sobre a polêmica em torno do conceito de qualidade na televisão, mas ressalta que, de qualquer modo, essa discussão é imprescindível já que fugir dela

seria uma irresponsabilidade. Nenhuma sociedade e nenhum setor da sociedade podem ser aperfeiçoados se não estiverem submetidos a julgamento e avaliação permanentes. (...) A crítica, na verdade, é parte constituinte do próprio processo de fazer televisão (MACHADO, 2000, p.26).

A questão da qualidade é particularmente importante para a divulgação científica, não apenas pela complexidade do tema, mas também porque, como afirma EPSTEIN (1998, p.192), “a cultura científica de uma sociedade depende, em boa parte, dos veículos de comunicação que fazem a mediação entre os pesquisadores e o público leigo”.

Por essa vertente é importante considerar que “A função social do jornalismo, e particularmente do jornalismo científico é a transmissão do saber, de um saber ao mesmo tempo competente e compreensível em geral” (CALDAS, 1998, p. 212). Logo, a questão da qualidade no que diz respeito à divulgação da ciência se funda, por um lado, na precisão e correção das informações apresentadas e, por outro, numa linguagem que permita a compreensão dessa informação.

Sob esses aspectos, é importante recordar que uma das premissas do programa é justamente o cuidado com a linguagem nas matérias sobre ciência e, de fato, ao analisar o conjunto de matérias selecionadas, verifica-se a preocupação por utilizar uma linguagem simples, mesmo quando se faz necessário o uso de termos técnicos. Tal preocupação é particularmente evidente nas reportagens sobre saúde, nas quais mesmo quando o termo técnico não é necessário, há um claro esforço para inseri-los de forma simples e compreensível.

Os exemplos desse cuidado são muitos, na matéria Transplante de rosto o repórter declara: “a viabilidade do transplante ainda depende do desenvolvimento de novas drogas, os imunossupressores, que impeçam a rejeição dos tecidos”. Como se pode observar, o substantivo imunossupressores seria redundante do ponto de vista da construção lógica da frase, e sua presença só se justifica pelo interesse em inserir a terminologia técnica.

O mesmo recurso aparece em diversas outras matérias, como Bate forte coração, quando a estrutura se inverte, mas o resultado final é o mesmo. O apresentador explica que o sopro cardíaco é um problema congênito e se apressa em explicar o significado dessa palavra, ou Milagre ou natureza, na qual são reservados preciosos 20 segundos para explicar o significado da palavra irização.

Na matéria Os efeitos da cocaína essa preocupação é ainda mais evidente, tanto pelo cuidado em explicar os termos técnicos com imagens didáticas quanto pelo fato dos termos técnicos serem introduzidos não pelo especialista, mas pelo repórter, numa inversão da idéia do jornalista como tradutor da informação científica.

Mesmo naquelas matérias que não são muito bem-sucedidas no objetivo de explicar alguma questão científica é possível detectar essa preocupação. Em Viagem ao corpo humano, matéria que peca ao substituir explicações por estruturas discursivas aparentemente explicativas, utiliza-se recurso similar ao explicar como funciona a nova técnica de tomografia. O repórter diz: “Funciona como um scanner, a máquina copiadora usada por computadores”, dando um breve esclarecimento a respeito do termo em inglês que utilizara.

Curiosamente, a matéria utiliza uma série de termos técnicos referentes diretamente ao tema da reportagem, tais como coronárias, placas de fibrose e angioplastia, sem se preocupar em elucida- los e o faz quando utiliza um termo muito mais cotidiano e relativo a uma informação marginal da reportagem. Esse desvio faz pensar sobre que critérios devem ser considerados para definir se um termo precisa ou não de uma explicação adicional.

Segundo BURKETT (1990, p. 123), é impossível a exclusão de toda terminologia técnica em matérias relativas à ciência. Daí a importância de um trabalho de tradução ou explicação por parte

do jornalista, mas é também preciso ter cuidado para “evitar falar de cima com seu público. Ser desajeitadamente óbvio ofende mesmo aqueles que sentem necessidade da explicação”.

Desse ponto de vista, a experiência adquirida pela equipe de um programa que vai ao ar há trinta anos sem dúvida tem forte influência, particularmente ao se considerar que muito da cultura científica de seu público foi adquirida através do próprio Fantástico. Assim, é possível que os produtores da matéria Viagem ao corpo humano tenham considerado desnecessário oferecer maiores explicações sobre o que seja uma coronária porque, ao longo do tempo, o programa veiculou muitas matérias a respeito de doenças cardíacas e, por isso, o público já estaria familiarizado com o termo.

Essa experiência, contudo, não impede que ocorram erros de avaliação, tanto por não oferecer explicações necessárias, como por oferecê-las quando não é preciso, caso da explicação de scanner. De fato, é preciso sempre levar em consideração que as matérias são produzidas sob pressão de prazos e procedimentos internos que nem sempre permitem contemplar tão detidamente tais aspectos. Como afirma CURADO (2002, p.129): “A lógica que determina as escolhas, isto é, a inclusão de determinadas imagens, sons ou informações em detrimento de outros numa reportagem, e esta no programa, se baseia das determinações editoriais estabelecidas”.

Se a construção de um discurso inteligível é uma questão importante no que diz respeito à alfabetização científica, não é a única e limitar a divulgação da ciência a esse aspecto seria um equívoco não apenas do ponto de vista sócio-político, mas da própria intenção de alfabetização para ciência.

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